Sagrado e Profano - um rabino e uma coelhinha da Playboy
20.dezembro.2001
Tania Menai, de Nova York
Ela tem 20 anos, 1,76m de altura, 100 centímetros de busto, 73 de cintura e 106 de quadril. Pesa 54 quilos. Sonha com uma relação estável, com um homem que a divirta, seja seguro de si, honesto e, sobretudo, judeu. Estes são alguns dos desejos mais efervescentes de Lindsey Vuolo, a Miss Novembro 2001 da revista Playboy norte-americana.
"Quero ter um lar judaico e um marido que ajude a criar nossos filhos na minha religião", diz ela. Lindsey é, provavelmente, a mulher dos sonhos de qualquer homem judeu - mais importante do que buscar satisfação para as suas fantasias masculinas, a missão prioritária é saciar as ardentes fantasias de suas mães: ou seja, casar com uma boa moça judia. Seja lá o que "boa" signifique.
"Mulher perfeita é coelhinha da Playboy que estuda o Talmud, o livro de ensinamentos judaicos", proclama o polêmico rabino ortodoxo Shmuel Boteach, que vive numa comunidade onde as mulheres se cobrem da cabeça aos pés. Aos 35 anos, pai de uma ninhada de sete e autor vários livros, ele desaprova a atitude de Lindsey. Mas se encontrou com a moça duas vezes. Uma para conversar sobre a vida da jovem. Outra, há algumas semanas, para um debate aberto diante de uma platéia abarrotada, em Manhattan.
Este foi o primeiro debate do gênero. De um lado, o sagrado. Do outro, o profano. "Bem-vindos", disse o apresentador do evento. "Não esperava ver uma sala tão lotada numa discussão sobre filosofia judaica medieval", brincou ele.
O judaísmo não condena o sexo em hipótese alguma. Muito menos dita que o ato sexual deve ser praticado apenas para procriação. Pelo contrário, é considerado uma "mitzvá" (boa ação) entre o marido e a mulher.
Ainda segundo o Talmud, é obrigação do homem proporcionar uma vida sexual plena à sua mulher - com qualidade e quantidade, sem que ela tenha que pedir. Dito isto, qual a razão do debate sobre uma boa moça judia todinha nua no poster central da revista masculina mais lida do mundo? "Fiz isso para pagar os meus estudos", afirma Lindsey. "Eu tinha dois empregos. Hoje não preciso me preocupar com as mensalidades".
Nascida e criada em Princeton, New Jersey - cidade que de sexy não tem nada - Lindsey acaba de completar o científico. A aventura com a Playboy começou em fevereiro do ano passado com a aposta de 50 dólares de uma amiga que duvidou que Lindsey pousasse nua para a revista. "Eu tinha acabado um namoro com um rapaz ciumento e inseguro. Em vez de mergulhar no chocolate, resolvi aceitar a aposta", conta ela. "Mas nunca imaginei que o meu corpo fosse ideal para ocupar o poster central da revista; fiquei surpresa", conta ela, que agora está concorrendo para a "Playmate" do ano. O resultado sairá em junho.
Mesmo assim, Lindsey mostrou-se um pouco envergonhada ao descrever suas fotos para o público: "na mesa da cozinha, com um pequeno avental e só". Ela reforça que seu objetivo, ao contrário de muitas colegas, não é ficar famosa. Ela continua estudando e diz que nunca foi abordada de uma maneira preconceituosa na escola. Mas não recusaria convites para filmes e outros trabalhos. Ainda contou que, durante os cinco dias em que passou fotografando para a revista na Mansão Playboy, sentiu-se em casa. Lindsey ficava nua na frente de uma equipe de cinco pessoas, mas "era como estar no médico - todos já estão acostumados com a cena". Caso a modelo ganhe o concurso de Playmate, ela seguirá uma rigorosa agenda que inclui a produção de calendários, eventos e vídeos. "A equipe de produção terá pelo menos 50 pessoas", engole seco.
Lindsey é a coelhinha pioneira em discutir sua religião abertamente. Criada num lar judaico e frequentadora de uma sinagoga reformista, ela fez bat-mitzvá (a maioridade religiosa judaica) aos 12 anos e chegou a visitar Israel num programa de intercâmbio. O episódio da Playboy foi aceito pelos pais e até pelos rabinos de sua congregação (que não chegaram a ser consultados antes). Já o rabino Boteach, que se dizer amigo de Larry Flynt, o rei da pornografia, não tem a mesma opinião. Por que? "Mulheres não vieram ao mundo somente para dar prazer aos homens", diz ele. "Temos de ser cavalheiros e só então merecê-las". Seu discurso faria qualquer mulher se derreter por ele, não fosse seu tom imperativo bombardeado num discurso ininterrupto.
Boteach, que há 11 anos dá consultoria para casais, acredita que revistas como a Playboy são uma distração ou um desvio na relação a dois. "Os homens acabam comparando modelos às suas esposas. Em vez disso, deveriam tornar suas vidas sexuais em casa mais excitantes e criativas - seja com lingerie ou com qualquer outro recurso", diz o rabino, que afirma ter uma vida conjugal saudável, ser romântico e se esforçar para manter o casamento, já que é filho de pais separados. "A pornografia é uma válvula de escape muito fácil".
Boteach, que já ocupou páginas da Playboy com suas idéias (não com o seu corpinho), diz que nunca o ser humano esteve tão ávido por auto-promoção. Segundo ele, vivemos na era da televisão e das imagens, onde todo mundo quer se tornar uma celebridade, mesmo que isso machuque a reputação. Enquanto ele falava, Lindsey revirava os olhos.
"Revistas como a Playboy padronizam as mulheres - nunca houve tantos casos de anorexia como nos últimos anos", conta ele. "Mas os homens gostam mesmo é de carne!", avisa.
O rabino reforça que as mulheres devem ser as deusas do sexo de seus maridos. "Jamais deixem de fazer amor com as suas esposas para navegar na internet durante a madrugada", aconselha. "Digo à Lindsey o mesmo que diria às minhas três filhas: ela tem outras qualidades que podem deixar um homem bem impressionado. Por isso, desaprovo estas fotos, mesmo sem nunca tê-las visto", diz Boteach. "Estas fotos tornam Lindsey em uma pessoa comum, e não extraordinária - se ela fosse a minha filha, gostaria que ela fosse extraordinária".
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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