Sonho na América
23.março.2005
Tania Menai, de Boston
Alguns dizem que eles são 800 mil. Outros chutam que sejam mais de um milhão. Ainda assim, são invisíveis. E pior: sofrem de falta de identidade. A imigração de brasileiros para os Estados Unidos, além de ser tema de novela, é acompanhada minuciosamente por estudos acadêmicos de brasileiros e americanos de diversas universidades. Nos últimos anos, dezenas de teses de mestrados e doutorados começaram a pipocar na área de antropologia, sociologia e etnologia.
Esses acadêmicos, juntamente com ativistas, jornalistas e líderes comunitários reuniram-se no último fim-de-semana na Universidade de Harvard, em Boston, para apresentar suas pesquisar e instigar debates entre os 200 participantes do evento. Organizado pelo David Rockefeller for Latin American Studies, mais de 60 palestrantes cobriram quase todos os aspectos que mais afligem esta comunidade - por sinal, "comunidade" foi uma palavra evitada no evento, já os brasileiros nos EUA estão longe de ser unidos.
Imigração sempre foi uma questão complicada desde que o homem inventou a roda e começou a habitar o espaço alheio. Mas, citando uma frase publicada na revista britânica The Economist, "os americanos gostam de imigração - com tanto que ela seja qualificada". Quem não gosta de qualidade? O país emite 675 mil vistos de por ano, sendo que 140 mil são relacionados a empregos. Qual a vantagem para o país? Eles acabam importando os melhores profissionais dos demais países, pagam menos por eles do que pagariam para americanos e detém habilidades que os americanos não possuem. Na era do boom da internet, por exemplo, o visto tipo H-IB, que permite empresas americanas a contratarem estrangeiros com qualificações excepcionais por seis anos cada, evaporaram em meses. Em 1998, o Vale do Silício, na Califórnia, importou tanta gente da Índia que o resto do país ficou a ver navios até a cota do ano seguinte ser liberada. Em 2003, o censo indicou que 13% da população americana era composta por gente nascida no exterior.
Dito isto, qual o problema para a grande massa de brasileiros que entra anualmente nos EUA? Simples. Além de não falarem inglês, eles não possuem qualidades profissionais especificas, ou se possuem não podem exercê-las por não terem vistos apropriados. E para ficar ilegal é fácil. Basta deixar o visto de turista vencer. Sem falar no contingente que entra pela fronteira do México. Pessoas não- documentadas não pagam impostos, não podem ter o social security, um número como o CPF. Sem isso, ficam impedidas de abrir conta de banco, comprar casa e por aí vai. Este é o perfil dos brasileiros que chamam os Estados Unidos de "América". Nos debates falou-se repetitivamente do problema que é contar o número desses brasileiros. Todos os números são estimativas, e quem disser que tem a resposta exata, está mentindo. Os números que se chuta hoje são baseados com censo feito no ano 2000 (não é necessário ser cidadão para responder ao censo).
E o problema já começa aí, no formulário do censo: dentre as opções asiático, branco, hispâno, negro-americano e afins, o brasileiro não se encaixam em nenhuma. Segundo a antropóloga americana Maxine Margolis, a pioneira em estudar o fenômeno desta imigração, diz que as próximas pesquisas do American Community Service incluirão perguntas que incluem país de origem e hereditariedade. "Espero que os brasileiros não tenham medo de responder às perguntas", diz ela, em palestra na noite de abertura.
Medo é um sentimento constante para os que não tem documentos. E a falta de informação crônica ainda agrava esta situação: brasileiros chegam a ter medo do próprio consulado, achando que serão expostos e deportados. Por sinal, falta de informação é um problema que já está sendo resolvido com o lançamento do "Manual do Imigrante", algo que deveria ter sido preparado há anos por consulados, mas é de autoria da jornalista Joceli Meyer e o ativista Eryck Duran, de Nova York.
Engana-se quem pensa que os brasileiros vêm somente de Governador Valadares ou Criciúma. Hoje, 16 estados brasileiros exportam gente, incluindo o Paraná, o Mato Grosso e Roraima. Falou-se da escassez e falta de agilidade dos consulados para servir o boom da imigração dos últimos anos, da falta de envolvimento dos brasileiros em sindicatos (ao contrários de salvadorenhos e venezuelanos), da falta de informação crônica destas comunidades, das igrejas que auxiliam brasileiros, mas que muitas vezes, também se aproveitam deles. Falou-se ainda dos pais que vêm sozinhos e deixam a família para trás, e da maneira como habitam grande parte dos brasileiros de Massachusetts: três adultos por quarto. Apontou-se o grande número de jornais feitos e divulgados localmente, da presença da TV Globo e da falta de rádios comunitárias.
Os painéis apresentaram trabalhos feitos em Nova York para auxiliar os brasileiros portadores de HIV e AIDS, e também os que vivem em prisões. Ouvi-se ainda um estudo sobre brasileiras que ganham a vida como go-go girls. Observou-se que brasileiros estão se espalhando em regiões do subúrbio americano, e não mais apenas em grandes centros urbanos. Nos subúrbios de Atlanta, eles já chegam a 30 mil. Contou-se ainda histórias de 30 a 100 brasileiros que se plantam diariamente em frente a uma lanchonete do Donkin Donuts de Boston a espera de empregos temporários na área de construção. São contratados por dois ou três dias -muitas vezes, acabam trabalhando de graça, empregados por próprios brasileiros. É o que chamam de "exploração de brasileiros por brasileiros".
Danieli Lemos, do Jornal Notícia de Massachusetts, diz que estabelecimentos comerciais de brasileiros " grande parte com bandeira verde-amarela na porta - estão espalhados por 52 cidades do estado. Depois de cobrir extensamente a vida destes brasileiros naquela região, ela conta que igrejas chegam a reunir de 400 a 500 fiéis brasileiros por domingo e que a noite brasileira está unindo os brasileiros de diferentes cidades do Estado. "Um show do Xitãozinho e Xororó atrai 2mil pessoas, que vem de outras cidadezinhas. Mas jamais se conseguiu reunir este número em passeatas políticas. O número não passa de 200". Outro ponto mencionado foi a migração secundária" ou seja, a idéia de sucesso para a maior parte dos brasileiros é morar em Nova York. Mas nem todos conseguem encarar a batalha da cidade e acabam buscando New Jersey e outras cidades como segunda alternativa. Isso, para muitos, é uma derrota.
O sul da Flórida também foi estudado. É para lá que muitos brasileiros vão depois de morar no norte do país, onde juntam mais dinheiro. Muitos, em vez de voltar para o Brasil, ficam no meio do caminho. O clima é igual ao do Brasil, a criminalidade é zero e a Flórida está a poucas horas da terra natal. Contudo, Miami não é para todos. Por ser um território bilingue, inglês e espanhol, nem todos os brasileiros conseguem sobreviver por lá. Procuram, então, subúrbios que abrigam "portuguêslândias". Segundo um estudo apresentado no seminário, para os brasileiros do sul da Flórida, Miami é coisa chique. Já para os brasileiros mais intelectuais, aponta o estudo, a cidade é tida como brega.
O seminário ainda tocou em assuntos que fazem muitos sorrir: um deles é influência brasileira no cenário do futebol dos EUA, estudo apresentado por um búlgaro que vive em Paris. O outro tratou da presença da música brasileira na vida dos imigrantes. Pesquisado pelo compositor e acadêmico americano Jason Stanyek, o assunto em breve estará publicado em um livro. Segundo ele, Corcovado, de Tom Jobim, além canções de João Bosco e até de Ivete Sangalo, fazem os brasileiros dos EUA sentirem-se um pouco em casa, pular, dançar e, claro, chorar.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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