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New Orleans - Maio 2003
10.setembro.2005

New Orleans, 30 de maio 2003

Oi gente!

Este não é um relato como aqueles deliciosos que temos recebido do Joaquim, e que nos fazem passear pelos cantinhos e sabores da Espanha e de Portugal. Mas New Orleans também tem lá sua influência espanhola e francesa. E, de quebra, baiana. Afinal, é só descer pro sul e esquentar um pouquinho que tudo vira festa e “deixa-pra-depois”.

Foram apenas três dias, o feriado de Memorial Day, mas deu pra se desligar da realidade. Éramos quatro: Ricardo, Cintia, que são casados e também moram em NY, Rodrigo, que vive em Washington, et moi. O casal veio num vôo separado do meu. Vim de JetBlue, da qual sou fãzona. A empresa nos faz questionar o porquê de as outras cias. aéras ainda não terem aprendido o óbvio. Tudo funciona de uma maneira que faz com que aquele mané que chega oito horas antes do vôo, além de seis malas para o fim-de-semana, não fica entupindo a fila na sua frente. Esses passageiros deveriam ser presos!

Na JetBlue, nós, viajantes relativamente normais (que chegam em cima da hora do vôo porque aeroporto é a coisa mais boring do mundo) e que levam só mala de mão (porque quanto menos coisa a gente leva, menos coisa a gente perde), temos uma fila expressa. O check-in é mais rápido do que qualquer McDonalds. Já na fila da segurança – que virou um pesadêlo depois de 11 de setembro – o pessoal já sai gritando pra ir tirando o sapato pra adiantar o expediente. “Strip down!”, gritava a funcionária. “Eles deveriam nos dar um roupão”, comentou o sujeito atrás de mim.

Enfim, uma vez no avião, não há business class. Ou seja, perante Deus, somos todos iguais. Deliciosa vingança! Cada assento dispõe de uma televisão com Direct TV – a vivo. Ligo na CNN e aí está a notícia do dia: liberado o retrato falado do serial killer solto na Lousiana. OPA! Lousiana é o meu destino. Too late, já estamos nas alturas degustando nossas batatas fritas azuis. Resta pensar que o Rio é cheio de serial killers sem retratos falados e mudar o canal pro Cartoon Network: Jetstons. O pouso em New Orleans é inesquecível: a cidade é cercada por pântanos, uma paisagem lindíssima – digna das lentes do Guto.

O ponto-de-encontro era a AVIS, já que o Ricardo alugou um carro discretamente vermelho (nada ainda bateu o Smart do Duda, no Pays de la Loire, na França). Me desencontrei deles, que chegaram num outro terminal, mas depois do pique-esconde, nos achamos. Deixamos as malas – e casacos!! - no hotel e fomos explorar o famosos French Quarter ou Vieux Carré. Sem dúvida, o ponto mais turístico da cidade e mais histórico, que abriga a Bourbon Street, os trompetes de músicos de rua e toda aquela folia do Mardi Gras. A cidade era ocupada por índios até que um belo dia, em 1682, um sujeito francês desembarcou pelo rio Mississipi e avistou o que ele passou a chamar de Louisiana – em homenagem ao rei Louis XIV. Voilà, em 1722 desembarcava um arquiteto para desenhar a Nouvelle Orleans. A arquitetura permanece até hoje e o clima liberex idem: na época em que foi fundada, os franceses pediram um reforço para a Alemanha, Suiça e, além da própria França, a mandar a “elite” pra povoar a nova cidade: presidiários e prostitutas foram levados e em quatro anos a população já era de 8 mil.

Anos mais tarde, a França, deseperada por dinheiro, vendeu a cidade para a Espanha (que deixou suas marcas nas lindas varandas feitas em ferro) em troca de ter um aliado contra os britânicos (a briga não é de hoje). Foi uma época em que a cidade cresceu bastante, inclusive importando escravos do Haiti. Contudo, em 1800 ela foi retomada pelos franceses, desta vez, nas mãos de um tal de Napoleão Bonaparte. Isso durou três anos. Napoleão acabou vendendo Nouvelle Orleans para os – então micros – Estados Unidos, que buscavam espandir seu controle territorial (naquela época era apenas local, eles ainda não pensavam global...) e a cidade portuária era de grande interesse. Valor da compra: US$ 15 milhões.

Almoçamos num restaurante fundado em 1840 (uma facada $$) e andamos por todo o bairro, começando pela beira do rio Mississipi, a Jackson Square, a catedral (onde rolava um casamento) e o Cabildo, onde era a administração na cidade antigamente. Entramos em galerias, sex shops (!), passamos em frente ao Vodoo Museum (prática comum por lá), vimos shows de jazz aqui e ali, gente bêbada, gente, digamos, “indigesta”, deixando suas marcas pela calçada, e também, como todo lugar alegre onde não há mais frangas a serem soltas, bandeiras arco-íris. À noite, jantamos por lá. A comida créole é forte, tem muito camarão, peixe e condimentos. Adorei. “Créoles” eram os franceses que moravam lá, com influência negra, espanhola tudo misturado – não é o mesmo signficado racial que temos em português, pois não tem a ver com cor de pele.

No dia seguinte tomamos café num lugar onde come-se “beignes”, uma espécie de sonho típico do local. Mas o que não sai da minha memória são os morangos imensos. Passeamos pelo Audubon Park, lindíssimo, com suas belas árvores, campos de golf e esculturas. Ainda vimos duas universidades, sendo que uma delas, a Tulane, foi a primeira de medicina do sul do país, construída para desafogar a região da febre amarela e cólera. Na mesma avenida, reparamos a diversidade religiosa. A sexta sinagoga dos EUA esta lá. E lado a lado encontra-se igrejas, templos busdistas e mesquitas. Ou seja, quem quiser mudar de religião é só atravessar a rua.

De lá, seguimos para as Plantations, ou engenhos de cana-de-açucar, estilo “E o vento levou”. É uma hora de viagem. Escolhemos a “Laura’s Plantation” e lá fizemos dois tours: um sobre escravidão e um sobre a plantation e a história da família da Laura. Interessantíssimo. Aprendemos que os primeiros escravos foram os índios nativos. Só que os franceses não acharam que eles davam pra agricultura. Daí trouxeram os senegaleses (quem já foi ao Senegal, sabe sobre a “Door of no return”, fotografada pelo meu amigo Chester Higgins), que são bons agricultores, além daquela gente finíssima presidiária alemã. Ou seja, a escravidão não tinha a ver com a raça. Os índios passaram a ser usados para carregar coisas pesadas. Os senegaleses deixaram suas marcas na construção de casas – todas elevadas alguns metros do chão. No Senegal elas ainda são construídas desta forma. As histórias são todas de arrepiar e de se revoltar. E de se envergonhar, pois o Brasil foi o último a liberar os escravos. Ninguém mandou e-mail pra eles avisando que o resto da América já tinha o feito. Mas nos EUA foi a mesma história: eles ficaram livres, mas sem escola, trabalho ou recursos e até hoje os negros compõe a camada pobre de New Orleans. Ainda passamos numa outra Plantation, com uma bela casa e árvores majestosas. No jardim, uma família preparava-se para um casamento.

Nesta noite, de volta à cidade, jantamos no Café Degas, um restaurante simpatissíssimo fora do French Quarter, já para nos inspirar para a manhã que estava por vir. Acordamos cedo para conhecer a casa onde o pintor francês Edgard Degas viveu por quatro meses em 1872. E, vejam vocês, neste curtíssimo período ele pintou 18 quadros e quatros gravuras. Pra quem não sabe, a mãe de Degas era de lá, ou seja, Créole. E o pai era francês. Em Nouvelle Orleans, a família, que não tinha nada de nobre (trabalhava com algodão) escrevia o nome “des Gas” para se passar por nobre. Edgard escrevia seu nome assim até o dia em que descobriu a falcatrua e passou a escrever seu sobrenome como deveria ser: Degas. Acabou que quem ficou nobre foi ele! Degas, que chegou a NY de navio e seguiu para New Orleans de trem, levou todas as suas pinturas para a França. Hoje, elas estão espalhadas por diversos museus do mundo. A casa não abriga nenhum quadro original, mas vale a visita (inclusive lá é um bed & breakfast e o pessoal aluga o espaço para casamentos). O curioso é que a casa foi divida em dois: tem um espaço no meio, é incrível, parece Playmobil.

Ainda demos uma volta de carro pelo Garden District, vimos as belas casas, e na Magazine Street, com lojinhas bonitinhas mas todas fechadas por causa do feriado. Deixamos o Rodrigo no aeroporto e demos mais uma volta de carro pela cidade. Fui ao D-Day Museum, um espetáculo. Aprendi horrores sobre o Dia D e como os EUA passaram os dias da guerra, toda a história do racionamento de alimentos, de carne ao açucar, e de energia. Impressionate. O que o D Day tem a ver com New Orleans? Foi lá que fizeram as embarcações usadas no fatídico 6 e junho de 44. À noite, Cintia e Ricardo se foram e como meu vôo era só na manhã seguinte peguei um cineminha, vi The Dancer Upstairs (Paso de Baile, em espanhol). Muito bom. Ainda busquei uma camiseta para dar pro meu pai e quando perguntei pelo tamanho M, o vendedor me falou com a cara mais natural do mundo que camista só em “heavyweight size”. Vejam bem, isso é maior que extra-large. Dá pra sentir o corpicho esbelto e esguio da galera local.

Enfim, deu pra dar uma espairecida e aí estão as fotos, que talvez, valem mais do que essas mil e poucas palavras.

Beijos mil.

Tania


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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