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Teoria de Darwin se opõe a Bush
01.dezembro.2005

Tania Menai, de Nova York

Era fevereiro de 1832 quando o jovem naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), então com 23 anos, aportou em Salvador, na Bahia. "Aqui, vi uma floresta tropical em toda a sua grandeza sublime. Nunca experimentei tamanha felicidade", escreveu ele em seu diário de bordo. A visita foi um dos pontos paradisíacos da viagem de navio que durou cinco anos (1831-1836) dando início à sua teoria sobre evolução das espécies, para a qual ele dedicou sua vida e que, até hoje, fomenta debates em todas as áreas científicas.

Detalhes sobre a vida e a obra deste curioso inato estão à mostra em Darwin, a mais completa exposição já montada sobre o assunto, em cartaz no Museu Americano de História Natural, em Nova York, até o dia 29 de maio de 2006. A mostra, que posteriormente será vista em Boston, Chicago, Toronto e Londres, segue uma linha de exposições do museu nova-iorquino, que já trouxe ao público os feitos de grandes pensadores, exploradores e cientistas, como Leonardo da Vinci, Ernest Shackleton e Albert Einstein.

No caso de Darwin, a exposição não poderia vir em melhor momento: há um ano, os Estados Unidos têm assistido a religião penetrar nas aulas de ciência de algumas escolas públicas que incluíram o creacionismo no currículo. Professores desestimulam a aceitação dos conceitos darwinianos - e são incentivados por ninguém menos que o presidente George W. Bush. Ele é um dos defensores do Design Inteligente (DI), uma nova teoria que, implicitamente, tem ensinado que o criador de todas as espécies seria o Deus cristão.

Por outro lado, alguns cientistas que também defendem o DI dizem que a teoria deixa em aberto quem seria este ser superior - e foi este vazio que deu espaço para políticos e religiosos se meteram aonde não foram chamados. O assunto anda tão aquecido, que ele é tocado, ainda que levemente, na mostra Darwin.

"Não é de hoje que a teoria darwiniana é controversa e debatida; isso acontece há 150 anos", diz Ellen V. Futter, presidente do museu, que, por sinal, foi criado apenas 10 anos depois do lançamento de "A Origem das Espécies", obra de Darwin que revolucionou a ciência quando lançado em 1859. "A reação social faz parte da discussão sobre a evolução", acrescenta ela, reforçando que a idéia das exposições sobre estes grandes homens é humanizá-los e mostrar que todos eram movidos a curiosidade.

"Se não soubéssemos das possibilidades da evolução e como ela funciona por mutação e seleção natural, não teríamos idéia de o quanto devemos nos preocupar com o surgimento da gripe aviária como uma nova forma de vírus evoluído a se espalhar de humano para humano", alerta Niles Eldrege, curador da exposição e do departamento de paleontologia do museu.

Considerando que Darwin nem desfrutou de luz elétrica, a mostra esbanja tecnologia. E é tão completa que pode até torna-se exaustiva. Num ambiente escuro, de paredes marrons e som de pássaros, o museu expõe cartas originais, manuscritos de "A Origem das Espécies", a réplica do escritório que o naturalista mantinha em sua casa nos arredores de Londres, computadores interativos para as crianças entenderem a seleção natural e diversos vídeos - um deles narrado pelo tataraneto de Darwin, o inglês Randal Keynes, de 57 anos (sua avó era neta de Darwin). Ainda observa-se plantas, orquídeas, fósseis, insetos, iguanas imensas, tartarugas gigantes e, literalmente, outros bichos mais.

Tudo isso é acompanhado por uma biblioteca virtual que pode ser acessada no endereço http://darwinlibrary.amnh.org No museu, os visitantes começam explorando a época pré-darwiniana, quando ninguém questionava, pelo menos cientificamente, a origem, a evolução e a interligação das espécies. "Se não houvesse a teoria da evolução, tudo isso seria apenas uma sucessão de fatos isolados", explica o paleontologista Richard Fotrey, do Museu de História Natural de Londres.

Filho e neto de médicos proeminentes, e órfão de mãe aos oito anos, Charles Darwin não era chegado aos estudos. "Cada verso é esquecido em 48 horas", alegava. Seu rendimento escolar era tão baixo que o pai lhe mandou para a Universidade de Edinburgo, numa tentativa de melhora. Chegou a cursar medicina, mas, para o desgosto paterno, desistiu da carreira quando assistiu a uma operação de uma menina que berrava de dor; anestesia era um artifício que ainda estava para nascer. Apaixonado por natureza, chegou a ouvir do pai a seguinte frase: "você não serve para nada além de caça, cães e catar ratos; você será uma desgraça para si e para toda a sua família".

De fato, o jovem não servia para nada além disso. Ainda bem. Em 1831, aos 22 anos, ele foi convidado, como único naturalista, para embarcar no "Beagle", um navio que partiria numa expedição de cinco anos pela costa da América do Sul. Darwin sempre disse que este foi "o evento mais importante de sua vida". Luxo, nenhum. Dormia numa rede e dividia o minúsculo banheiro com dois tripulantes.

Foi nas ilhas Galápagos que ele considerou pela primeira vez a evolução das espécies. Ele reparou que nas diferentes ilhas, as mesmas espécies, vindas do continente, desenvolviam-se de formas distintas. Escreveu dezenas de cadernos e coletou milhares de minerais, conchas, plantas e bichos. Na volta desta viagem, em 1837, esboçou suas primeiras idéias sobre o assunto. No ano seguinte, casou-se com Emma Wedgwood, uma prima, com quem teve dez filhos. No ano seguinte, nascia as primeiras páginas do livro "A Origem das Espécies" que um dia revolucionaria a forma como entendemos o mundo - mas que ele só viria a publicar 21 anos mais tarde.

Em 1842, Darwin mudou-se com a família para a famosa Down House, perto de Londres, onde viveu os últimos 40 anos de sua vida, e cuja réplica do escritório está a mostra nesta exposição. Foi lá também que ele escreveu o trabalho que trata da seleção natural - para garantir sua publicação, disse a esposa que pagasse 500 libras a um editor, caso ele falecesse antes de terminá-la. Mas morte precoce foi de Annie Elizabeth, uma das filhas do casal, levada pela tuberculose aos 10 anos, em 1851. Esta mostra dá bastante ênfase ao episódio, pois a tragédia marcou profundamente a vida do naturalista. Ele nunca superou este luto: chegou a descrever num gráfico, fase por fase da doença da filha. Imerso por 21 anos em sua obra, e mantendo segredo por todo este tempo, Darwin só resolveu publicá-la quando recebeu uma carta de outro naturalista, Alfred Russel Wallace, que quase chegou a uma teoria quase indêntica a sua. Já no dia do lançamento da obra, todas as cópias voaram das livrarias. De fácil leitura e acessível a leigos, o livro teve de ser reimpresso às pressas. De imediato, causou controvérias religiosas, ataques de alguns cientistas e defesa de outros. A polêmica foi seguida pelo segundo livro "A Origem do Homem", que revela a evolução humana pela escolha sexual. Controvérsias a parte, o grande reconhecimento deste naturalista foi dado em sua morte, em 1882: Charles Darwin foi enterrado vizinho a Isaac Newton e monarcas, na Westminster Abbey, em Londres. O funeral, cujo anúncio na página de obituário também pode ser visto nesta mostra, foi acompanhado por políticos, por cientistas e, curiosamente, pelo clero. Provavelmente, todos deixaram para discutir na saída.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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