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A lição do café
01.abril.2011

Tania Menai, de Nova York

A noite cai às 16h30 em Manhattan. Estamos na charmosa Mott Street, em NoLIta (a ponta norte de Little Italy, ao lado do SoHo). O termômetro despenca para alguns graus abaixo de zero e situação pede, urgentemente, um bom café. Sorte. Aqui está o Gimme Coffee, loja aconchegante que, além de torrar sua própria marca, é adepta do café plantado de uma forma sustentável. Melhor ainda: importa café do Brasil. “Os americanos estão cada vez mais se educando e sabendo apreciar o café”, diz a paulistana Maria Fernanda Mazzuco, especialista no ramo que vive em Nova York há cinco anos. “Eles aprendem a diferenciar um café bom do ruim e topam pagar pelo café de qualidade”, diz ela.

Maria Fernanda sabe do que fala: por meio de sua empresa JoyBrazil, ela fornece café made in Brazil para o Gimme Coffee e para diversas lojas e marcas de café da Costa Leste americana. Com um detalhe: todas elas são preocupadas com o meio ambiente e a responsabilidade social. Desta forma, alcançam um nicho específico e crescente do público. A JoyBrazil nasceu em janeiro de 2008, fruto de uma parceria entre Maria Fernanda e a também paulistana Eliane Sobral, que está em Nova York há 25 anos.

O sucesso da marca equipara-se a um perfeito cappuccino: a junção das expertises de negócios e do café que cada uma trouxe para o negócio. Eliane passou anos trabalhando no mundo corporativo americano. Foi compradora de vestuário para grandes cadeias como Levi’s, Victoria’s Secret e Ann Taylor. Viajava pelo mundo -- Turquia, Índia, Vietnã, China – mas nunca chegou a comprar de fornecedores brasileiros; eles costumavam falhar nos prazos de entrega. Já Maria Fernanda trabalhava em São Paulo como a diretora de marketing da Astro Café, uma das primeiras marcas certificadas pela Associação Brasileira de Cafés Especiais.

Em 2005, ela casou com um americano e mudou-se para o Brooklyn. Na mala, levou os contatos que havia feito com torrefadores americanos que visitavam o Brasil. “Até o ano 2000, os brasileiros não falavam em café especial; repetia-se que ‘o que é bom vai para o exterior, o que é ruim fica no país”, lembra ela, que também fundou a Associação Brasileira de Café e Barista. “No entanto, a marca italiana Illy entrou no Brasil, trazendo a história do café italiano e do café expresso; e os restaurantes começaram a cobrar pelo café. Até então, cafezinho não era cobrado”. Maria Fernanda conta que 70% do café da Illy era brasileiro – ele saia do país, era torrado na Itália e voltava para o Brasil. Ao assistir o processo da Illy de camarote, os produtores brasileiros se deram conta que também poderiam criar suas marcas no Brasil e passaram a oferecer cafés certificados como “especiais”: ou seja, produzidos de maneira social e ambientalmente responsável.

A dupla da JoyBrazil foca nesse nicho de público gourmet que também valoriza o fato de saborear um café produzido sem exploração dos trabalhadores e sem agressões ao meio ambiente. Elas trabalham diretamente com cinco produtores brasileiros em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Na parte serrana do Rio, há a Fazenda São João, de propriedade de Sérgio Sobral. No estado de São Paulo, fica a Fazenda Paineiras, em Mogiana Paulista, da Família Baggio, cuja plantação é supervisionada por Liana Baggio Ometto, e Fazenda Santa Terezinha, do proprietário Cesar Ometto. Em Minas, a Joy Brazil trabalha com a fazenda Pindaíba, em Cerrado, também da família Baggio.

As fazendas foram escolhidas a dedo, visitadas por Maria Fernanda e Eliane, e seguem os padrões de necessários para a rigorosa certificação das organizações RainForest Alliance e UTZ Certified. As sacas são enviadas de navio para um porto no estado da Virginia, onde são estocados num armazém especializado. Lá, a JoyBrazil mantém um funcionário que atende aos pedidos dos pequenos torradores americanos em Nova York, Massachussetts, Michigan, Carolina do Norte, Minnesota, Texas e até Toronto, no Canadá. Alguns clientes da JoyBrazil torram o café para vendê-lo em marcas alheias e outros, como o Gimme Coffee, o usam em suas próprias marcas.

Para um café receber o selo da sustentabilidade, leva-se em conta o que as fazendas fazem pelos funcionários, desde manter escolas e creches para seus filhos, até oferecer projetos para que as mulheres possam ter outras atividades – como bordar, tecer ou pintar - quando não estiverem na colheita. Há iniciativas como biblioteca para as crianças, uniforme para os colhedores e a garantia de uma cesta básica; tudo isso cria uma comunidade socialmente responsável
No quesito ambiental, o produtor deve replantar árvores nativas e originais – de acordo com a lei do Brasil, 20% de uma fazenda tem de ser coberta por floresta natural. É proibido desmatar totalmente um território para destiná-lo à lavoura. “Ao plantar árvores em volta de uma plantação de café, necessita-se de menos agrotóxico”, ensina Maria Fernanda. “As árvores servem como proteção natural - os pássaros que migram para a região passam a ser os próprios defensores da planta, porque comem os insetos que danificam a plantação”.

O processo não pára por ai: o café é lavado depois de colhido. A água é limpa, de nascente. E apos a lavagem dos grãos, a água é filtrada para irrigar uma segunda plantação, como um laranjal, por exemplo. Em certos casos, leva-se três anos para tornar uma fazenda ambientalmente correta: o investimento é alto e isso, obviamente, é repassado para o preço do café, o que reflete num aumento de cerca 30%. Mas quem aprecia estas iniciativas não economiza na hora do expresso. “A população americana que compra café em mercados conhece mais o café colombiano, por sua campanha massiva de marketing”, afirma a consultora Sherri Johns, dona da WholeCup Coffee Consulting, em Oregon, que já prestou serviços para empresas como o Starbucks e é autora do livro de receitas Coffee Café. “Ao mesmo tempo, os consumidores de café estão se tornando cada vez mais sofisticados, aprendendo o que lhes agrada e o que não agrada, e conhecendo uma boa variedade de sabores”, diz ela. “A maior parte deles conhece o Brasil como produtor, mas não necessariamente como o melhor deles”. Sherri conta que os torrefadores americanos conhecem o Brasil pelo café “blend”, aquele usado numa mistura com outra variedade, que dará o sabor final à bebida. Nos últimos dez anos houve promoções de café brasileiro nos EUA.

"Mas um bom café não nasce na árvore", brinca ela. “Precisa-se de todo um processo rigoroso que começa na fazenda e termina com a educação do barista sobre o produto servido”, nota a consultora. “Uma das melhores iniciativas brasileiras é o Cup of Excellence, um concurso entre produtores de café promovido pela Alliance for Coffee Excellence (ACE) - e organizada no Brasil pela Associação Brasileira de Cafés Especiais - no qual 25 jurados experimentam os produtos. O Brasil foi pioneiro e hoje nove países já promovem esse concurso”.

Maria Fernanda e Eliana importam hoje para os Estados Unidos mil sacas de 60 quilos por ano, mas o objetivo é chegar a dez mil sacas. Um quilo e meio de café certificado custa 2,95 dólares, e a intenção das brasileiras foi, desde o início, cobrir a costa Leste do território americano. A costa Oeste, do Pacífico – Seattle, Los Angeles, San Francisco – já está suprida de café de qualidade, alerta Maria Fernanda, lembrando que foi em Seattle que nasceu a cafeteria Starbucks, franquia de sucesso nos Estados Unidos. “A cultura nova-iorquina é do café em caneca, hábito herdado dos holandeses”, conta ela. “Há cinco anos, quando mudei para Nova York, era difícil achar um expresso de qualidade”. Agora, já há vários lugares “pipocando”, principalmente nos bairros de gente jovem como Williamsburg e Park Slope, no Brooklyn, e East Village, West Village, NoLIta e SoHo, em Manhattan. “A nova geração já é mais educada sobre café e, portanto, mais exigente”, nota a empresária.

Como produtor e mercado consumidor, o Brasil e os Estados Unidos parecem feitos um para o outro. O Brasil é o maior produtor mundial de café em grão verde e um grande exportador de café certificado, enquanto os EUA são o maior comprador de café em grão cru do Brasil em todo o mundo, informa Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), sediada no Rio de Janeiro.. A safra brasileira de 2010 foi de 48 milhões de sacas , enquanto o Vietnã, que é o segundo maior produtor, fez 18 milhões, e a Colômbia, 8,7 milhões de sacas. A produção segue crescendo no Brasil e esta safra de 2010 foi recorde, a maior da história, segundo Herszkowicz. Ele diz que os americanos são os maiores compradores de café em grão cru do Brasil. “Em 2010 os Estados Unidos irão adquirir cerca de 5,5 milhões de sacas brasileiras, que correspondem a 25% de todo o café consumido pelos americanos anualmente”, prevê o executivo. O número inclui também o café instantâneo e o café torrado e moído, este último em quantidades ainda muito pequenas. Os Estados Unidos são o maior consumidor mundial de café torrado, com 20 milhões de sacas por ano: 57% da população americana acima de 18 anos consome café diariamente.

Num cenário mais amplo, o café torrado brasileiro não-orgânico começa a chegar nas prateleiras dos mercados americanos, como as redes Wal Mart, HEB e Publix. A maior parte do café exportado, segundo o executivo, é do grão cru tipo arábica, inclusive os specialty coffees, que são os mais raros, exclusivos e de alta qualidade. O Brasil, no entanto, ainda carece de marca mais forte nesse mercado. O exemplo mais citado é sempre o colombiano, cujo governo sustentou a criação da marca “Juan Valdez – Café de Colombia”, e conseguiu se impor como o país do café perante os americanos. O Brasil, ao contrário, está mais presente em marcas alheias. Herszkowicz explica que isso acontece porque os brasileiros começaram a exportar café industrializado há pouco tempo. “Mas a matéria prima de todas as grandes marcas americanas é 25% do Brasil”, ressalta ele. “Estamos dentro do pacote”. Para Herzkowicz, o café do Brasil continuará expandindo sua fatia no consumo global. “Hoje, participamos com 32% de toda a exportação mundial anual, mas vamos crescer até 35% nos próximos cinco anos”, conclui. "Não basta o café ser sustentável", alerta a consultora Sherri Johns, que conhece o trabalho da JoyBrazil; se o sabor não agradar, o consumidor se sente passado para trás. “Conheça o seu tostador, o seu produtor e a fazenda de onde vem o seu café. E comece a apreciá-lo a partir daí”, ela aconselha.


Para uma fazenda de café obter certificação pelo UTZ, ela precisa seguir os seguintes requerimentos:
• A maior parte dos cafés vem das árvores Robusta e Arábica
• Depois de colhidos, os frutos são processados para extraidos os grãos.
• Os grãos são lavados, secados e cuidadosamente selecionados.
• As fazendas utilizam água e energia com o mínimo impacto ao meio ambiente. Fazendeiros protegem as fontes de água e usam energia sustentável onde possível.
• Utiliza-se agroquímicos responsavelmente. O uso de fertilizantes e pesticidas é mínimo e estocado em lugares seguros. Trabalhadores vestem uniformes que os protegem destes produtos.
• Fazendeiros utilizam árvores nativas para fazer sombra ao cafezal. Eles são obrigados pela UTZ a reduzir e prevenir erosão do solo.
• Os trabalhadores devem ser treinados para saber procedimentos de saúde, segurança, procedimentos em caso de emergência e uso de pesticidas.
• Há monitoração por escrito, checado anualmente, de uso de pesticidas e químicos.
• O café é torrado em máquinas que o expõe a temperaturas de extremo calor.
• O transporte por carga deve separar o café verde das demais sacas de café. Ele deve ser identificado em sua embalagem como café verde para que receba cuidados especiais durante longas jornadas.

Cuidados com os trabalhadores:

• Todas as crianças tem acesso `a educação.
• Trabalhadores e suas famílias tem acesso a moradia descente, água potável e serviços médicos.
• Trabalhadores e cooperativas são protegidas pela lei nacional de trabalho de acordo com as Convenções Internacionais de Leis Trabalhistas, incluindo idade, horas e condições de trabalho, segurança e ajuste salarial.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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