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A sopa da discórdia
01.outubro.2005
Conheça a teoria do Design Inteligente, nova versão para o surgimento de todas as espécies de vida no planeta Terra que começa a ser ensinada paralelamente ao evolucionismo de Darwin nas escolas americanas
Tania Menai, de Nova York
galileu@edglobo.com.br
No último primeiro de agosto, o presidente americano George W. Bush anunciou no Texas que todas as escolas públicas do país deveriam ensinar a teoria do Design Inteligente (DI) nas aulas de ciência, paralelamente ao evolucionismo de Darwin, apresentado em 1959 na obra “A Origem das Espécies”. Sem revelar suas crenças sobre as origens da vida, mas assumidamente cristão, Bush acrescentou que todos devem ser expostos a diferentes idéias, mas acabou atiçando a fogueira sobre a inclusão do criacionismo no currículo escolar americano. Sabe-se que conservadores cristãos representam grande parte dos eleitores de Bush e que eles têm forçado cada vez mais o ensino do Design Inteligente nas salas de aula do país. Uma das razões deste interesse é pelo fato de a nova teoria deixar em aberto a questão de quem seria a entidade superior que criou todas as espécies da Terra – para os defensores enraizados nas escolas americanas, tal entidade seria, implicitamente, o Deus cristão.
Quem sutenta essa idéia têm encontrado resistência de cientistas, para quem o Design Inteligente não passa de uma forma de colocar religião no caminho da ciência. “Não sei qual a razão pela qual o presidente Bush está endossando esta idéia”, diz Casey Luskin a GALILEU, que tem formação científica e co-preside a IDEA, uma organização em San Diego, na Califórnia, que estimula clubes de estudos de ciência nas escolas e universidades. “Defendemos o DI como ciência e não como ponto-de-vista religioso. Este é um assunto que deve ser debatido e explorado por cientistas, e não por conselhos escolares”, acrescenta. Luskin ascrescenta que DI não deve ser um assunto obrigatório nas escolas, contudo diz que não vê problema algum em professores abordarem a questão. “A única coisa que não queríamos era que esta fosse uma discussão política, lamenta. Nossos críticos estão nos confundido com defensores religiosos, mas somos cientístas”.
Ainda assim, algumas escolas já adotaram a matéria em seus currículos. O pontapé inicial foi dado em outubro de 2004 pelo conselho do distritro escolar de Dover – nos EUA, as escolas públicas são divididas por distritos –, uma comunidade na Pensilvânia onde 90% dos habitantes são cristãos. Com 6 votos contra 3 na disputa judicial, eles alegaram que “as crianças devem aprender o que a maioria esmagadora dos cientistas acredita em relação à origem e evolução das espécies”.
No site da escola lê-se que “as crianças terão conhecimento sobre as falhas e os problemas da teoria de Darwin e de outras teorias evolucionistas, incluindo, não de forma exclusiva, o Design Inteligente. A teoria de Darwin continua no papel, ainda está em teste enquanto novas evidências são descobertas. Uma teoria não é um fato”. Além disso, um livro intitulado “De Pandas e Pessoas” está disponível aos alunos, para que possam se familiarizarem com o DI. Segundo a instituição de ensino, a intenção é que haja discussão sobre a origem da vida entre estudantes e seus familiares.
Seleção natural
A aprovação do DI resultou na saída de Jeff e Carol Brown, dois dos três membros do conselho de Dover que votaram contra o DI. Carol disse em debate sobre o assunto na rádio pública americana NPR que, “depois de 10 anos no conselho, resolveu abandonar seu cargo por não conseguir representar mais os membros da comunidade”. Ela acrescenta que as discussões sobre o assunto começaram um ano antes da aprovação do ID, quando o presidente do conselho citou 16 pontos negativos considerados por ele num livro de 1400 páginas sobre a teoria de Darwin. “Em parte alguma o presidente do conselho tinha razão. Todas falavam sobre a seleção natural. Ora, se uma espécie não se adapta, ela morre”, reflete Carol.
Ela ainda aponta que, mesmo distribuído para pré-adolescentes, o livro “De Pandas e Pessoas” foi escrito numa linguagem para turmas mais velhas. E essa não é sua objeção maior: ela vê a iniciativa como uma forma de inserir uma visão religiosa específica nas salas de aula. E isso vai na contramão à regra ditada pela Suprema Corte, em 1987, que desvincula religiosidade de escolaridade no país. Reclama ainda que três pessoas do conselho lhe perguntaram sobre sua religiosidade – fato que não deveria ser relevante para um órgão educacional. Seu marido, Jeff Brown, diz ainda que o DI nunca foi provado. “Estou esperando alguém submeter alguma experiência que prove ou não a existência de ID. Seus defensores simplesmente jogam essa teoria e a batizam de contra-teoria. Mas isso não é ciência”, diz ele, que chegou a perder amigos quando votou contra a inclusão do ID.
Além da Pensilvânia, tentativas de incluir a visão bíblica nas aulas de ciências tem começado a pipocar em outros estados. Em Granstburg, Wisconsin, o currículo de ciências passou a acomodar vários modelos e teorias de evolução. Em Cobb, uma cidadezinha da Georgia, uma escola passou a obrigar livros de ciência a serem distribuídos com um adesivo na capa dizendo que os conceitos formulados por Darwin que os alunos estariam prestes a aprender não passam de uma “teoria”. Esta idéia é contestada por Charles Haynes, diretor de educação do First Amendment, orgão que serve para explorar e estudar as liberdades de expressão, imprensa e religião, em Arlington, na Virgínia, e também abordado pela NPR. “Para muitos a palavra teoria pode não soar como séria ou com alguma substância. Mas ela é muito usada no mundo das ciências”, diz ele. “A discussão que envolve o ID, na verdade, gira em torno de uma questão político-religiosa em todas as comunidades envolvidas”. Ele diz que, no fundo, as pessoas não fazem idéia das diferenças entre ciência e educação científica. Incluem-se aí membros de conselhos educacionais que, segundo ele, não fazem noção do que é ciência. “Pouquíssimos de nós somos capazes de julgar este assunto”.
Criação versus adaptação
O livro comercial – ou seja, nem para estudantes, nem para cientistas - mais vendido sobre o assunto é “Darwin’s Black Box” ( A Caixa Preta de Darwin), escrito em 1996 por Dr. Michael Behe, da Lehigh University. O livro, que chegou a figurar nas listas dos mais vendidos do jornal The New York Times, argumenta que muitos dos compostos bioquímicos da vida são “complexos irreduzíveis” – ou seja, se você remover ou mudar qualquer uma de suas partes, eles param de trabalhar. Behe diz que estes complexos irreduzíveis não podem envolver uma via de seleção natural e pode ser melhor entendido (e explicado) pelo DI. O autor deste livro, apesar de cristão, gosta de reforçar que nada em seu texto menciona ou lembra religião, mesmo que pessoalmente ele acredite que haja algo divino na criação do mundo. Behe escreveu em Darwin’s Black Box que “a conclusão de que alguma coisa foi arquitetada é desvinculada ao conhecimento sobre seu arquiteto. O design deve ser compreendido muito antes de sabermos quem é o designer. Podemos ter toda a firmeza quanto a inferência do design sem saber nada sobre seu designer ".
Já o livro escolar “De Pandas e Pessoas” está em sua quinta edição. Segundo o autor Kenneth Miller, da Universidade Brown – que também assina “Finding Darwin’s God” (“Encontrando o Deus de Darwin”), sua a obra não é a razão central do debate. Miller acredita que, mesmo se o conselho de Dover escolhesse outro livro para seus alunos, o debate seria sobre a questão da evolução. Seu índice lista os capítulos na seguinte ordem: “a origem da vida”, “genética e macroevolução”, “a origem das espécies”, “registros fósseis”, “homologia e similaridades bioquímicas”. O livro escolar foi publicado em 1989 para defender a teoria científica de que a vida foi “designed” ou arquitetada. O livro deixa claríssimo que o DI não tenta responder questões religiosas, como a identidade de quem seria o criador. Contudo, ressalta um argumento científico de que é possível detectar este design no mundo natural. O livro diz que registros de fósseis, bioquímica e “homologia” morfológica são explicadas de uma maneira melhor pelo DI do que pelo neo-darwinismo evolucionário.
DE PANDAS E PESSOAS
Casey Luskin selecionou para GALILEU três trechos de De Pandas e Pessoas que ilustram a idéia do DI e sua independência com religião:
“Se a ciência é baseada em experiências, então ela nos ensina que a mensagem codificada no DNA deve ser originada de uma causa inteligente. Mas que tipo de agente inteligente foi esse? Sozinha, a ciência não pode responder esta questão; ela deve deixar respostas virem de religião ou filosofia. Mas isso não deve prevenir a ciência de reconhecer prováveis evidências de uma causa inteligentes para a origem da vida. Isso não difere do fato de, quem sabe, descobrirmos que a vida resulta de causas naturais. Ainda assim, não saberemos, a partir da ciência, se causas naturais foram tudo o que originaram a vida, ou se a explicação máxima vai além da natureza, usado causas naturais (De pandas e pessoas, segunda edição, pagina 7).”
“Certamente, as explicações de DI tem questões sem respostas. Mas estas questões são a parte essencial da ciência – elas definem as áreas que precisam ser estudadas. Questões sempre expõem erros ocultos que têm impedido os progressos da ciência. Por exemplo, o lugar do DI na ciência é turbulento há mais de um século. Isso acontece, porque os cinetistas da cultura ocidental falharam em distinguir entre inteligência, que pode ser reconhecida de uma experiência sensorial uniforme, e supernatural, que não pode. Hoje, reconhecemos que os atrativos do DI podem ser considerados em ciência, como ilustrado na pesquisa da NASA para busca de inteligência extra-terrestre (SETI). Arqueologia foi pioneira em desenvolver métodos para distinguir os efeitos das causas naturais. Temos que reconhecer, no entanto, que se formos adiante e concluir que a responsabilidade inteligente para origens biológicas estão fora do universo (ou seja, algo supernatural) ou dentro, temos que fazê-lo sem a ajuda da ciência. (pg. 126-127)”
“A idéia de que a vida orginou de uma fonte inteligente não é uma questão apenas de fundamentalistas cristãos. Entre os defensores do design estão, além dos cristãos, panteístas, gegros, filósofos e cientistas que se dizem agnósticos. Ainda mais, os conceitos de design não implicam em absolutamente nada sobre crenças ou idéias associadas ao fundamentalismo cristão como uma Terra nova, inundação global ou até mesmo a existência de um deus cristão. A única coisa que se defende é a idéia de uma fonte inteligente. (pg. 161).”
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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