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Debaixo d´água
01.fevereiro.2007


"O", espetáculo do Cique du Soleil encenado exclusivamente na região desértica de Las Vegas, transforma ondas e bolhas em palco de acrobacias.

Tania Menai, de Nova York


Você está num teatro cuja decoração lembra uma casa européia de ópera do século 14. Na platéia, 1.800 pessoas. À sua frente, mergulhadores, nadadores sincronizados, acrobatas e atores movimentam-se durante noventa minutos dentro e fora de uma piscina de 5,6 milhões de litros de água. Num cenário levemente barroco, trapézios voam, um barco navega e uma banda musical acompanha tudo ao vivo. Se a idéia lhe parece um sonho, acorde. Você está no show “O” do Cirque du Soleil, um dos cinco espetáculos que a companhia canadense mantém exclusivamente em Las Vegas. Especialistas em criar o impossível, os profissionais do circo mais bem sucedido do mundo utilizam a água como palco, como tema, como meio. A fonética “O” é a palavra francesa eau, ou água. Ao mesmo tempo, sua grafia circular faz alusão a algo de igual grandeza: o infinito.

“A água é vida, a água traz vida, e pode tirar a vida também. Este é o seu poder e seu mistério – e este é o conceito do show”, diz Tony Ricotta, administador da companhia desde a estréia, em 1998, mantendo o mesmo entusiamo. “Em “O”, a água é protagonista – com luzes, ondas e bolhas”, conta. O espaço é dividido em sete ambientes – são palcos que afundam e emergem. E os números dizem muito: são 85 artistas, 150 técnicos, 30 adminstradores e mais o pessoal da bilheteria – um total de 250 pessoas fazendo o show continuar. Por ano, eles se apresentam 476 vezes – cinco dias por semana, duas vezes por dia. Mais de seis milhões de pessoas já assistiram ao show. Não é pouca coisa. “A habilidade de manter a alta qualidade depende de todas as 250 pessoas,” ressalta Tony. O show gira em forma de um menino que cai no mundo de “O” – e passa a vivenciar os quatro elementos do planeta: a água, o fogo, o ar e a terra. A idéia nasceu pelo menos quatro anos antes da estréia – trata-se de uma parceria entre o escritor e diretor Franco Dragone e Steve Wynn, lendário hoteleiro de Las Vegas, e com a equipe de um de seus resorts, o Bellagio, famoso pelo show de fontes de água em sua entrada. O teatro de “O” foi criado dentro do hotel especificamente para esta finalidade. “Colocamos água no deserto,” brinca ele, referindo-se a Las Vegas, uma cidade construída no meio do deserto em 1905. “Quem imaginaria tanto mergulho numa região como esta?”

Tony conta que atletas tiveram que aprender a desenvolver certos músculos e técnicas que lhes permitem tanto nadar quanto fazer acrobacias. Três deles são brasileiros. “Durante os quatro meses de treinamento, em Montréal, onde fica a sede do Cirque du Soleil, exploramos todas as técnicas na água”, diz a carioca Fernanda Monteiro, que durante dez anos foi da seleção brasileira de nado sincronizado. Formada em educação física, ela conta que esta foi uma grande oportunidade de dar continuidade à sua carreira. No entanto, ela diz que este trabalho exige uma linguagem corporal bem diferente do nado sincronizado, apesar de usar a mesma técnica. “No nado sincornizado as linhas são perfeitas, a ponta do pé é esticada – no circo nossos movimentos são assimétricos, é um teatro na água”, diz ela que participa do espetáculo desde 2002.

“Todos nós tivemos de tirar certificado em mergulho”, conta o trapezista paulistano Alessandro D’Agostini, também formado em educação física com pós-graduação em dança e educação – mas que se apaixonou mesmo quando subiu num trapézio pela primeira vez. Fez parte do Circo Escola, em São Paulo, até participar de uma audição do Cirque du Soleil, ingressando em “O” em 2001. Ele é porteau, o atleta que serve como base numa pirâmide, que dá suporte para outros atletas em trapézios e na maca russa. Há dois anos ele ainda faz o segundo personagem mais importante do show – para isso aprendeu a usar chicotes. “A diferença de trabalhar com a água é a forma nos jogamos do trapézio”, conta Alessandro.“Tradicionalmente, caímos sobre uma rede, sempre de costas ou de barriga – mas aqui, caímos na água. E para isso, temos de cair ou na vertical ou de cabeça”, ensina. “A piscina é aquecida, mas sinto frio a cada vez que saio da água,” confessa.

Do ponto-de-vista técnico, o desafio é manter a estrutura. Toda a iluminação, por exemplo, foi desenvolvida durante dois anos de uma forma que não dê choque dentro da água. A parte interna da piscina contém 108 lâmpadas incandescentes revestidas por gel. Uma tecnologia foi desenvolvida ainda para que os atletas possam ouvir debaixo d’água: eles precisam ouvir a música e o que acontece na superfície – por isso há 24 caixas de som submersas. Tony lembra que a água é um solvente: tudo o que é tocado por ela mais cedo ou mais tarde se desintegra. “Mesmo dispondo de tremenda tecnologia, tudo esfacela a olhos vistos diariamente. É como se estivéssemos lidando com uma criatura viva”, diz ele. A piscina é como qualquer outra – mas com um leve privilégio: a água passa por filtros três vezes por dia. As quase 60 fantasias também são especiais –feitas de materias que servem como uma segunda pele e que secam rápido. “Com o tempo, fomos aprendendo quais os tecidos mais apropriados. Muitos deixam de ser fabricados – estamos sempre buscando substituições”, ressalta. A maquiagem passa pelo mesmo processo. Foi testada e pesquisada exaustivamente – ela tem que representar o estilo do Cirque du Soleil mas sem sair na água. “Recentemente fechamos um acordo com a empresa MAC que fará toda a nossa linha de maquiagem,” diz ele. “Todos estes detalhes juntos fazem do show uma obra de arte... uma obra de arte em movimento,” conclui.


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Bellagio – 3600 Las Vegas Boulevard South
De quarta a domingo – 19.30h e 22h 30
$ 93,5 $99 $125 e $ 150
Ingressos à venda no Cirquedusoleil.com ou (702) 796-9999


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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