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Xícara de chá
11.junho.2007

Tania Menai, de Nova York

John Cheetham, Royal Tea Master da Lipton

Este homem pensa assim: "Não há nada mais prazeroso do que uma xícara de chá".

A delicadeza, a educação e a profissão não escondem a nacionalidade de John Cheetham: ele é britânico do começo ao fim. Aos 33 anos, vivendo em Nova York há três, ele é provador de chá. Precisamente, ele é mestre de chá da Lipton, divisão da gigante multinacional Unilever, que fornece chá globalmente. É ele quem sente todos os prazeres, sabores e aromas desta bebida milenar antes de sua comercialização mundo afora; e gosta de lembrar de uma frase do primeiro ministro vitoriano, William Gladstone, dita em 1865: “se você está com frio, o chá te esquenta. Se está com calor, ele te refresca. Se está deprimido, ele te anima. Se está agitado, ele te acalma.” De olhos azuis e fala mansa, John vive num apartamento aconchegante, harmonicamente ornamentado com arte asiática, parede parcialmente vermelha e almofadas exóticas - toque de sua esposa, Joana, uma designer gráfica carioca que ele conheceu durante férias na Grécia.

Pai de Sofia, uma boneca de um ano e meio, John nasceu acidentalmente no Recife. Na época, seu pai trabalhava com açúcar e passou alguns anos no Brasil, onde John viveu a infância antes de se mudar para Londres. Apesar de seguir a tradição do chá, John entrou para esta indústria por acaso. Em janeiro de 1998, ele viu uma um anúncio do emprego no jornal. O que mais lhe chamou atenção? “Eles falavam sobre desafios de morar no exterior, coisa que eu sempre quis”, revela. E assim foi. Depois de três anos de treinamento na Inglaterra, John foi transferido, com a esposa, para o Sri Lanka, onde viveu por quatro anos, aprimorando técnicas e conhecendo fazendas. John perde a conta do número de países visitados a trabalho, mas soma-se aí a Ásia quase inteira, e países que vão do Quênia, na África, à Guatemala, na América Central. Em 2003 recebeu o convite para viver em Nova York, onde também cursa MBA.

“Não há nada mais prazeroso do que beber uma xícara de chá. Quando o dia está caótico no trabalho, procuro sentar e tomar alguns goles de chá quente. Desta forma, tudo parece ganhar foco e clareza”, diz ele. Antes de ingressar na empresa, John fez vários testes, incluindo oral, para avaliar sua personalidade – a posição exige contato com pessoas do mundo todo. Além disso, foi treinado para provar chá em si: ao experimentar a bebida, ele tem de descrevê-las. “Temos que saber o básico. E parte vem da treinamento, parte vem do aprendizado – é como aquele famoso conceito: 90% de preparação e 10% de inspiração”, diz ele. “O que faz a excelência de um provador de chá é a prática diária – temos de provar o máximo possível. É como tocar um instrumento ou aprender a desenhar”, diz ele, acrescentando que a primeira coisa que se aprende é: “prove rápido, não pense muito sobre o assunto, o que vale é a sua reação imediata, a sua sensação.” E esta reação será, provavelmente, a resposta correta. Ele explica que um provador de chá sabe que está se aprimorando quando consegue descrever os sabores e diferenciá-los sem ter que pensar no assunto.

Milhares de chá no mundo

Prova-se chá por algumas razões: por exemplo, quando há o lançamento de um novo produto. Neste caso, John tem que entender qual tipo de dieta que consumidor em questão segue e o que ele procura ao comprar chá. Então prepara uma fórmula, que vai dentro de cada saquinho de chá. John também procura chegar a uma cor atraente – às vezes cria um chá mais vermelho, outras vezes mais amarelo. Além disso, ele busca o aroma no ponto, sem falar no brilho e na densidade, que causarão a sensação na boca. Ele conta que alguns países preferem um chá mais suave, outros são consumidos com leite. “Há centenas, senão milhares de chás no mundo, então parte do meu trabalho é saber qual a melhor mistura entre eles”, observa. Outra razão pela qual prova-se chá: muitos deles são sazonais. Isso acontece numa parte do Sri Lanka, por exemplo, onde há bons chás em janeiro e fevereiro, mas no resto do ano suas plantações não fornecem chás que combinam com o que John procura. “Temos que buscar alternativas e misturas diferentes, que funcionem bem – desta forma mantemos uma consistência”, diz.

John costuma dizer que tem dez empregos – e provar chá é apenas um deles. “Compro chá para todas as Américas – do Norte, do Sul, Central e Caribe -, recebo ofertas dos fornecedores, experimento os chás, separo em categorias, dou valor comercial a eles, negocio o preço com os fornecedores”, conta. Em outros dias, ele se dedica a projetos de sustentabilidade, algo que a empresa tem valorizado bastante. Isso significa buscar fontes éticas – e parte da resposabilidade de John é ir para a América do Sul, por exemplo, onde a Unilever compra parte de seu chá, e trabalhar com os fazendeiros para garantir que a agricultura seja sustentável tanto para os quem planta, quanto para a terra em si. “Observo o capital social e humano para assegurar que grande parte do dinheiro seja revertido para a sua própria economia”, revela. “Trabalho ainda com pequenos negócios para certificar-me de que os produtores não estão usando fertilizantes e pesticidas desnecessariamente”, acrescenta ele que ainda lida com controle de qualidade do produto final, checando se não houve nada de errado com as folhas de chá durante o transporte entre países.

A experiência de viver no Sri Lanka foi crucial para John. “Para quem viveu na Inglaterra, a Ásia não poderia ser mais exótica”, conta. Ele diz que ficou imerso numa das poucas regiões do mundo onde a cultura e o calendário são mais antigos que os da Europa, o idioma e a religião - predominantemente budista – também são distintas. “Há muito o que aprender com o país. E para alguém que adora chá o Sri Lanka é um grande país, porque tem centenas e mais centenas de chás.” Para ele, chá não é apenas sinônimo de trabalho. “Bebo o dia todo. Sempre que experimento, fico com vontade de tomar mais, então preparo uma xícara. É curisoso”, conta. Parte do seu treinamento de provador, incluiu provar vinho, café e comida. Ele repara que depois de provar comida, a última coisa que você quer fazer é comer. O mesmo acontece com vinho e com chocolate. Mas, segundo ele, com chá é diferente; trata-se de uma bebida suave. “Agora estão me treinando para que eu me torne expert em sementes e especiarias, porque usamos muitas delas em nossos produtos. Estou aprendendo tudo sobre pimentas e páprica.” Em casa, John faz suas próprias misturas, e isso varia a cada mês. Atualmente, está bebendo oolong, um chá verde chinês, semi-fermentado. Recentemente, ele esteve em Fuding, no sudeste chinês, onde ficou três semanas em busca de novos chás. A empresa está lançando um chá branco, que, além de ser muito popular, está na moda. “Procurei variedades para adicionar em nossas novas misturas. O chá branco é bem saboroso, além de ser uma ótima opção para quem está começando a tomar chá; é muito saudável e contém anti-oxidantes.

Uma refeição líquida

Folhas de chá começaram a ser consumidas 2.700 anos A.C. Foi a época de Shen Nung, um imperador da China muito voltado à saúde e bem-estar. Era tido como “o curador divino“. Ele fervia a água para purificá-la, algo que naquele tempo era tido como loucura. Durante uma viagem, ele parou para descansar debaixo de uma árvore. Ao ferver água, uma das folhas da árvore caiu dentro da água fervente. Por acaso, a árvore era de chá. Ele experimentou, gostou e popularizou o hábito. “Shen Nung fascinou-se pelo sabor e sentiu mais vigor, o que, provavelmente, foi consequência da cafeína no chá. Ele também se dizia mais alerta, mas relaxado ao mesmo tempo – este é o efeito do theanine, um aminoácido”, explica. O chá é a bebida mais consumida globalmente depois de água – só de pensar na Índia e na China, já temos um terço da população mundial bebendo chá. Sem falar no resto todo da Ásia, na Europa e na África. A bebida é cercada por rituais e em cada país tem bules e louças específicas.

Na China, bebe-se chá há milênios, cada região tem sua especialidade de chá, diferentes folhas. Já na Inglaterra, a maior parte das pessoas bebe chá com leite. No Oriente Médio também bebe-se muito chá – como o álcool é proibido pela religião muçulmana, à noite, costuma-se ir a casas de chá. “Naquela região, compra-se as folhas em mercados, e escolhem os chás mais pelo visual do que pelo gosto. São chás caros, por sinal”, conta. Ainda assim, este ainda é uma bebida relativamente barata - em grande parte dos países o chá faz parte da dieta. “Caso o chá se tornasse algo caro, o problema entraria para o cenário político. Imagina como seria na China ou na Índia. Por sinal, os indianos obtém grande parte de seus nutrientes do chai, o chá local, que reúne várias especiarias, como gengibre, coriandro e anti-oxidantes. É como se fosse uma refeição líquida para eles”, observa John.

O chá é democrático: bebe-se como quiser. Com açúcar, com leite, com limão ou sem nada disso. Por exemplo, o chá verde costuma ser tomado sem açúcar. “Na hora de misturar, por alguma razão, notei que tangerina também combina bastante. Já sabores de caramelo combinam com alguns chás do Sri Lanka”, diz. A Lipton oferece caixas com variedades, uma boa opção para quem deseja ser introduzido a este mundo, e estamos lançado chás de folhas longas. Mas nos Estados Unidos cerca de 85% do chá é consumido gelado. Os americanos preparam o chá normalmente, deixam esfriar, e colocam gelo. O iced tea é consumido há 200 anos – virou moda na Inglaterra por volta de 1800, e tornou-se ainda mais em voga com o príncipe da época que era um tanto quanto exêntrico preparava chá gelado com teor alóolico. A moda do chá gelado aportou nos Estados Unidos na Feira Mundial de 1904, em St Louis, na Louisiana, onde um inglês tentava vender chá quente, mas o tempo ensolarado não lhe trazia clientela. Solução: comprou um saco de gelo, entornou o chá sobre o gelo e tentou vender desta forma. Foi um sucesso. O boca-a-boca na cidade foi imenso, e com isso o iced tea se popularizou. “Hoje, os americanos estão começando a se voltar para o chá quente também. Eles querem variedades, como chás especiais, verdes, brancos, vermelhos, de folhas longas. As pessoas não só compram pelo sabor, mas pelo visual”, nota John.

O Brasil é um dos países onde talvez se beba menos chá no mundo. Como é sabido, a América do Sul, com excessão do Chile, adquiriu a cultura do café. No Chile, onde há uma colonização inglesa e irlandesa muito forte, eles absorveram a tradição da hora do chá. Na Argentina não: lá bebe-se muita erva mate, que é diferente de chá. Ainda assim, John nota que no Brasil a linha de chá gelado da Lipton tem crescido bastante. Em Registro, no interior de São Paulo, há uma grande comunidade japonesa que imigrou para lá há mais de 100 anos, levando a tradição do chá para lá. Até hoje, muitos deles tomam chá e exportam para o Chile, Estados Unidos, Europa – para quase o mundo todo. Parte também é vendida no Brasil. “Estive lá e conheci pessoas que nem falam português, incluindo uma senhora que pensou que eu falava japonês quando soltei a palavra tsunami no meio de alguma frase”, lembra ele. Por outro lado, ele revela seu lado carioca ao dizer que, para ele, praia de verdade é sinônimo de Matte Leão e Biscoito Globo. Vindo dele, isso é uma honra.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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