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Duas vezes Nova Orleans
10.setembro.2007
Dois anos depois da passagem do Katrina, minha cidade predileta na América do Norte está borbulhando novamente. Na Salvador americana não tem acarajé, mas tem gastronomia créole; não tem micareta, mas tem Mardi Gras. Também não tem Pelourinho, mas tem French Quarter.
Tania Menai, de New Orleans
Passei por New Orleans duas vezes – na verdade, foi ela quem passou por mim. A primeira foi de férias, com três amigos, em maio de 2003. A segunda, foi sozinha. Fui reportar o renascimento da cidade dois meses depois do furacão Katrina, em outubro de 2005. Não, não há nada como esta cidade nos Estados Unidos. Trata-se da Salvador da América do Norte. Não tem macumba, mas tem vudu. Não tem acarajé, mas tem gastronomia créole. Não tem micareta, mas tem Mardi Gras. Não tem Pelourinho, mas tem French Quarter. Lá, e só lá, você encontra gerações de famílias vivendo na mesma rua – o amor à cidade é incondicional. Ninguém arreda o pé.
De cara, a aterrissagem é inesquecível, cercada por pântanos. New Orleans fica abaixo do nível do mar – já foi como Veneza, entrelaçada por canais. Na minha primeira viagem, passamos o primeiro dia no French Quarter, ou Vieux Carré, que abriga a Bourbon Street, os trompetes de músicos de rua e toda aquela coisa meio mal assombrada que a cidade cultiva. New Orleans era ocupada por índios até que um belo dia, em 1682, um francês desembarcou pelo rio Mississipi e avistou o que ele passou a chamar de Louisiana, por causa do rei Louis XIV. Voilà, em 1722 desembarcou um arquiteto para desenhar a Nouvelle Orleans. Para reforçar a população, a Europa enviou nada menos que presidiários e prostitutas. Em quatro anos a população já era de 8 mil. Depois a cidade foi vendida para a Espanha, que ainda importou escravos do Haiti. Em 1800 ela foi retomada pelos franceses, desta vez, nas mãos de Napoleão Bonaparte. Três anos depois, Napoleão vendeu Nouvelle Orleans para os Estados Unidos. Valor da compra: US$ 15 milhões. Depois desse toma lá, da cá, não há como este pedaço de terra não ser indescritível. Hoje, as ruas do bairro histórico levam placas em inglês, francês e espanhol.
Adorei a comida créole – sim, pega fogo na boca. “Créoles” eram os franceses com influência negra e espanhola. Tem também as “beignes”, uma espécie de sonho, item único no Café du Monde, famoso pelas filas caracol. Pra que mais? Ainda flanamos pela Magazine Street, pelo Audubon Park, e pela Tulane University, a primeira de medicina no sul do país, construída para desafogar a região da febre amarela e cólera. Na mesma avenida, reparamos a diversidade religiosa. Lado a lado encontram-se sinagogas, igrejas, templos busdistas e mesquitas. Quem quiser mudar de religião basta atravessar a rua.
De lá, seguimos para as Plantations,engenhos de cana-de-açucar, estilo “E o vento levou”. Fica a uma hora da cidade. Escolhemos a “Laura’s Plantation”. Aprendemos muito, inclusive que os primeiros escravos foram os índios nativos, substituídos por senegaleses, que são bons agricultores, além de presidiários alemães. De volta à cidade, jantamos no Café Degas, um restaurante simpatissíssimo, que nos inspirou para o dia seguinte: uma visita à casa onde o pintor francês Edgard Degas viveu por quatro meses em 1872. Neste curtíssimo período, ele pintou 18 quadros e quatros gravuras – levou tudo para França. Fui ainda ao D-Day Museum, que conta toda a história do Dia D. Foi em New Orleans que os americanos fizeram as embarcações usadas no fatídico 6 e junho de 1944, quando os Estados Unidos invadiram a Normandia.
Toque de recomeçar
Voltar para New Orleans dois anos e meio depois para cobrir o que restou do Katrina foi duro – mas eu quis. A interação com os locais foi intensa – os donos do restaurante, da floricultura, da lanchonete, o músico que perdeu os amigos, o pintor que perdeu a casa, a senhora que perdeu o telhado. Fiquei quatro dias. No hotel, avisaram que não trocariam a toalha diariamente, por falta de funcionários. Imagina se isso é um problema. Meus vizinhos de corredor eram demolidores, com mãos enormes e sotaques cabeludos, vindos do interior do país. Nas ruas, jornalistas, policiais, voluntários da Cruz Vermelha. Só. A debandada foi geral. Um quinto da população de 500 mil se mudou, 1.200 morreram e turistas nem pensar. O toque de recolher era às oito da noite – e no French Quarter era às duas da manhã, algo impensável no lugar mais baladeiro do país. A Bourbon Street continuava agitada à noite, ainda que vigiada por policiais e frequentada por marceneiros, pintores e jornalistas.
New Orleans nada mais é do que o amor e devoção de seus moradores. Assim a cidade foi construída, e assim foi reconstruída.Sessenta dias após ao furacão, milhares de pessoas de fora pipocavam por lá em busca de emprego. Eram garçons, arquitetos, médicos. De vez em quando, cortejos fúnebres tomavam algumas ruas, contrastando com restaurantes, galerias e floriculturas que reabriam suas portas. Nas partes atingidas, vi casas que pareciam panquecas, vidros quebrados, vidas inteiras nas calçadas, e a marca em cada parede deixada pelas equipes de resgate: indicavam a data da inspeção, a equipe, e o número de mortos encontrados na casa. Uma delas dizia: um cachorro. O bairro mais atingido foi o Lower Ninth Ward, certamente o mais pobre. Em uma das casas que entrei restou apenas um quadro de Jesus Cristo na parede. Não sou cristã, mas a imagem me chocou. Alguém tirou uma foto minha na porta dessa casa, e disse: “sorria”. Tentei. Na porta do Café du Monde, lia-se Beignets are back. Não só as beignets, mas o entusiasmo, pude sentir, também estava de volta. Os garçons eram novos- dos 50, apenas 15 puderam continuar. Eu sentava lá, lia o The Times-Picayune, jornal local, conversava com o povo, incluindo o Carlos e o Miguel, da CNN de Atlanta. A notícia boa é que dois anos depois New Orleans está a todo vapor. E mais amada do que nunca.
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Hotel – Place d´Armers – 625 St Ann Street tel. (504) – 524-4531 www.placedarmes.com
*Restaurantes –
Café du Monde – 800 Decatur Street
Dickie Brennan´s Bourbon House – 144 Bourbon Street tel –(504) 522-0111
Muriel’s - 801 Charter Street tel. (504) 5681885 www.muriels.com
* Visite – as lojas e antiquários da Magazine Street, as casas de jazz da Bourbon Street, as galerias do French Quarter e o Audubon Park.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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