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Ricardo Amorim - conexão NY e SP
03.dezembro.2008


Tania Menai, de Nova York

Camisa de manga curta rosa, com pequenos botões brancos, calça clara, e blackberry no bolso. Assim apareceu Ricardo Amorim, para jantar no restaurante japonês Yakitori, escondido na rua 55, em Manhattan. “Aqui só pisam japoneses, te garanto”, disse ele ao subir as escadarias que levam ao minúsculo refúgio oriental. Descobertas como esta fazem de Ricardo, o mais jovem integrante do Manhattan Connection, um apaixonado pela cidade que acaba de deixar, depois de oito anos bem vividos, entre vida cultural e uma bela posição no mercado financeiro. Seu jantar de despedida, no entanto, foi no premiadíssimo Gramercy Tavern, na rua 20. À mesa, apenas sua namorada, a modelo paulista Fernanda Brandão. Aos 37 anos, Ricardo diz a diversidade é a melhor qualidade da cidade; segundo ele, Nova York é “o melhor espelho do mundo”. E é disto que ele sentirá mais falta nesta volta para São Paulo, sua cidade natal.

No banco em que trabalhava, o WestLB, Ricardo passou a cuidar dos mercados emergentes – por isso, viajava intensamente para o Brasil, África, Oriente Médio e Ásia. O excesso de mudanças bruscas no fuso horário começou a pesar na qualidade de vida. Só no ano passado, ele esteve 14 vezes no Brasil. Este ano ele chegou ir cinco vezes num período de dois meses. “Cansei um pouco de tantas viagens”, confessa. “Sinto falta de morar direto no Brasil. Mas os megacongestionamentos paulistanos me assustam – e eles tendem a piorar, por causa da boa economia brasileira” revela. Já a violência, que era o que mais lhe preocupava e uma das razões que o fez morar fora por tantos anos, não lhe apavora mais com tanta intensidade. Ele lembra que a violência tende a cair com a queda da taxa de natalidade, fato que está acontecendo no Brasil. “De certa forma, morar em duas cidades era algo que já estava acontecendo”, diz ele. Apesar do cansaço que esta vida demanda, ele acrescenta que há aspectos positivos, como conviver com os amigos de cá e lá, principalmente os paulistanos, que faziam um espaço especial na agenda para acomodá-lo. “Sei que quando eu me estabelecer definitivamente em São Paulo, não será mais assim.”

Uma das razões da volta para o Brasil é o claro pessimismo de Ricardo em relação à situação econômica dos Estados Unidos e da Europa, e, ao mesmo tempo, a melhor da economia brasileira. ”Além disso, ninguém fica em Nova York para sempre”, diz ele. Ricardo explica que os bancos americanos não estão emprestando dinheiro nem para os outros bancos, um aspecto negativo para um país que só compra no crédito. Ele lembra ainda que há cinco anos que os Estados Unidos não é o motor da economia do mundo e que neste mesmo período dois terços da economia mundial veio dos mercados emergentes. Não fosse o dinheiro de regiões como a Ásia ou Oriente Médio comprando instituições americanas, a situação, segundo Ricardo, estaria bem pior. Para ele, esta é a segunda pior crise dos últimos 150 anos, atrás apenas da crise da década de 30. Ele prevê uma estagnação, de dois a cinco anos de duração; algo que lembra o Japão nos últimos 20 anos – e também uma sensação de decadência. “Mas os Estados Unidos são um país flexível, eles respondem rápido,” observa ele.

Ricardo acredita ser uma das poucas pessoas que não pensou sobre o significado de completar 30 anos. No dia de seu aniversário, naquele fevereiro de 2001, ele aterrizava em Nova York para trabalhar a convite do banco francês PNB Paribas. “Minha cabeça estava nas questões práticas da mudança”. Diplomado em economia, na época a oferta lhe pegou de surpresa. Ricardo já tinha morado em Paris entre1993 e 1994, e não pensava em sair de São Paulo. Mas, segundo ele, esta seria uma boa oportunidade de ver Wall Street de perto. Em Nova York, ele não se sente um estrangeiro, como acontecia em Paris. E, para não perder o hábito dos números, ele cita que 40% da população local vem de fora. “Esta foi uma chance de conviver com brasileiros, latinos, ter amigos judeus e palestinos, indianos e paquistaneses. Podemos olhar para os dois lados de tudo e enxergar pontos de vista diferentes e conflitantes”, define. “Não há lugar melhor para viver isso que Nova York”, diz ele.

No final de 2002, durante as incertezas e preocupações na época das eleições do Lula, Ricardo foi chamado para falar sobre o aspecto econômico da situação pela equipe do Manhattan Connection – o programa de uma hora vai ao ar na GNT nas noites de domingo. A audiência foi boa. A empatia com o resto da equipe, encabeçada pelo jornalista Lucas Mendes, também. O convite foi feito ainda mais duas vezes até que no ano seguinte, ele passou a integrar a mesa de debates. “Naquele momento o programa estava buscando alguém para atrair um público mais jovem, então tudo foi se encaixando”, conta ele. Os assuntos que vão ao ar são pautados a cada segunda-feira e estudados ao longo da semana. Na prática, a pauta final é decidida na manhã de sexta, quase na hora da gravação do programa. Na hora do almoço, Rico deixava o banco, rumo ao estúdio, na Times Square. A partir de agora, ele passa a gravar no Rio de Janeiro, ao lado de Diogo Mainardi. “A discussão é espontânea.O Lucas tenta controlar o tempo de cada um, nem sempre é fácil”, conta ele. “Muitas vezes deixo de expressar opiniões por falta de tempo”.

Ricardo vê no programa duas grandes oportunidades: a de conviver com jornalistas competentes e a de levantar assuntos que possam ajudar o Brasil a andar na direção certa. Para isso, ele passou a se aprofundar em temas fora do mercado financeiro e a descartar o economês de seu vocabulário para se comunicar com o grande público. “No fundo, este programa é uma grande exposição de opiniões sobre a maior parte dos temas possíveis – não há petulância de dar a aula sobre nada”, diz ele, acostumado a dar palestras sobre economia fora do Manhattan. Nestes moldes, ele ainda sonha em montar um programa com pessoas na platéia para estimular debate e interação. Por isso, ele adora receber feedback do telespectadores, principalmente por saber que seu público é formador de opinião. Outra novidade decorrente da vida televisiva é a popularidade. Ele diz que adora o público do programa: segundo ele, é um grupo limitado mas ultrabem selecionado. Ricardo chegou a ganhar uma comunidade com seu nome no Orkut. “Este episódio é curioso. Reações como esta me supreenderam; lidar com público é como ser uma semi-celebridade. As pessoas falam comigo na rua, no Brasil, com a intimidade de quem me conhece. Afinal, entramos na casa delas aos domingos à noite! ”, diz.

Como bom nova-iorquino, televisão não era com ele, apesar de gostar de seriados como Friends, Seinfeld, Sex and the City, e Everybody Loves Raymond. Tinha paixão por jantar fora, por museus, teatros e cinema. Na lista recente inclui-se o filme Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen. No Manhattan Connection, chegou a ganhar o carinhoso apelido de “baladeiro”. Vivia na rua 84, no Upper West Side. “O bairro é residencial, cheio de bons restaurantes, ótimos cinemas, o Lincoln Center, o Jazz at Lincoln Center, o Central Park, e os melhores supermercados da cidade, como o Zabar’s e o Whole Foods”, conta ele, que recentemente descobriu o prazer de remar barcos no Central Park. Seu dia começava cedíssimo com duas reuniões internas. Quando não ficava preso no banco até as onze da noite, ele passa o fim de tarde na academia, variando a rotina entre musculação, yoga e spinning. Quando a temperatura convida, ele opta pelo Central Park para correr ou patinar. Adepto a aventuras, ele já fez trekking no Alaska, adora raffting, asa delta e mergulho com garrafa. Ele não esquece de imersões em Fernando de Noronha e de uma jornada de trekking no Himalaia. Na época da faculdade, chegou a treinar e competir em natação durante, na mesma piscina que o campeão olímpico Gustavo Borges. Até hoje, ele segue a carreira do nadador de pertíssimo. Nas Olimpíadas de Atenas, Ricardo esbarrou com Gustavo e perguntou “Se lembra de mim?”. Gustavo respondeu “Claro, do Manhattan Connection!”. Que decepção. Das braçadas de Ricardo, Gustavo não tinha a mais vaga memória.


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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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