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Vik Muniz
01.agosto.2003

O melhor emprego do mundo

texto Tania Menai

Sentado no sofá da sala de estar de sua casa, no Brooklyn, em Nova York, Vik Muniz, 42 anos, brinca ao dizer que “levou 17 anos de carreira para fazer sucesso da noite para o dia”. Ele trocou São Paulo por Nova York em 1983. Mas foi em 1995, quando apresentou seis fotografias “minúsculas”, intituladas Crianças de Açúcar, na parte de trás de uma galeria no SoHo, que tudo mudou.

De lá para cá, seu trabalho é visto nas melhores galerias e museus de arte moderna do mundo, passando por Brasil, Itália, Alemanha, Holanda, Espanha, França, Japão e Estados Unidos. Inclui-se aí o MoMA e o Whitney Museum of American Art, de Nova York. Um de seus trabalhos também foi exposto na Bienal de 500 Anos do Descobrimento, que ocorreu no Parque Ibirapuera, em São Paulo, seguido do Guggenheim nova-iorquino. Muitas de suas obras ainda estão reunidas no livro Seeing is Believing. Desenhista, escultor e fotógrafo, é ele quem assina a capa do CD Os Tribalistas. Seu próximo trabalho revelará uma série de fotos a serem montadas com recortes de revistas, que Vik tirou de rostos brasileiros, como Joãosinho Trinta, João Ubaldo Ribeiro, Seu Jorge e Camila Pitanga.

Todas as idéias viram realidade no amplo ateliê do artista, que fica em casa e é revestido de livros e imagens de cima a baixo. Vik Muniz recria de memória obras de arte com diferentes materiais e dimensões e a fotografia desses trabalhos se torna a obra de arte em si. Além disso, o artista e sua mulher, Janaína, apaixonados por crianças, ajudam em projetos sociais, incluindo os Médicos sem Fronteiras. Divertido e falante, Vik bateu um delicioso papo com Ícaro Brasil.

O que há de brasileiro na sua arte?
Eu. Minha arte tem pouca influência brasileira. Mas há uma pessoa do Brasil fazendo essa arte. Isso implica uma quantidade de atitudes em relação ao mundo e à maneira de viver que só o brasileiro tem.

Como é o mercado internacional para artistas plásticos brasileiros?
Sou mais internacional e mais pluralista. Tanto que, até sair do Brasil, meu convívio com a arte nacional era muito pouco. Comecei a amenizar mais a minha ignorância sobre a arte brasileira depois que me mudei para Nova York. Passei a ter mais contatos com artistas brasileiros do que tinha no Brasil. Geralmente, aqueles que expõem suas obras em Nova York já foram testados, já passaram por uma espécie de filtro, são seguros de si. A necessidade que eles têm de propagar seus trabalhos os fazem pessoas mais abertas do que são quando estão no Brasil. Nova York é um campo neutro para eles, tive mais oportunidade de firmar diálogos e conheci quase todos os artistas brasileiros que passaram por aqui. Hoje, existem muito mais artistas brasileiros competindo no mercado internacional do que franceses, italianos, finlandeses ou dinamarqueses. O Brasil tem forte presença no mercado internacional da arte. Não só homens, mas mulheres. Tenho muito orgulho de ver essa gente. De dez ou 15 anos para cá, esse processo tem se acelerado. Acredito até que a educação artística no Brasil tem se guiado pelo sonho de participar desse mercado internacional.

O que o fez vir para Nova York?
Nasci de uma família humilde de São Paulo – meu pai é garçom e minha mãe, telefonista aposentada. Quem nasce nesse cenário não imagina ser capaz de ganhar dinheiro como artista, viver de arte, de idéias. A vinda para Nova York possibilitou-me viver de idéias. Minha intenção inicial era estudar inglês na cidade por seis meses e, na volta, arrumar um emprego melhor em São Paulo. Mas acabei ficando. Isso tem 20 anos. Hoje, vejo que essa foi a minha melhor decisão. Aqui, não importa a classe social da qual viemos, temos o panorama de onde podemos chegar. Para mim, no Brasil dos anos 70, isso não era possível. Cheguei em Nova York num domingo de verão. Andando pelas ruas, encontrei, sem querer, o Museu de Arte Moderna (MoMA). De lá, fui para o Central Park, onde havia um concerto de Brahms Overture, seguido de fogos de artifício. Nunca tinha visto algo tão lindo. Naquele dia, decidi que iria morar aqui.

Como a arte moderna entrou na sua vida, e vice-versa?
Em São Paulo, estudava teatro e sempre desenhei muito bem. Dava aula de desenho acadêmico, mas não tinha interesse em arte contemporânea – achava que isso era coisa de quem tinha dinheiro e não tinha o que fazer. Em Nova York, fiz cursos dep fartes cênicas. O teatro dava a liberdade de usar várias técnicas e colocá-las todas no mesmo formato. Isso veio acontecer mais tarde no meu trabalho em fotografia – pude colocar na fotografia e no teatro tudo o que gosto. Estou sempre falando da relação entre os diversos meios. Minha fotografia vem do desenho. Comprei minha primeira câmera em 1990 – já tinha 16 anos de carreira. Ou seja, trabalhei primeiro com esculturas e, depois, com fotografia. Ainda tenho vontade de trabalhar com teatro e, principalmente, com cinema. Ainda não tive coragem, sou muito duro comigo mesmo. Por enquanto, estou apenas aprendendo.

Como é seu processo de criação?
Completamente caótico. Não anoto as idéias para que elas fiquem mudando dentro da minha cabeça até o momento certo de executá-las. Isso pode durar dois ou três anos. Geralmente, executo os trabalhos à noite – nessa hora, o telefone não toca, minha mente já está cansada e posso dedicar minha atenção, que já é mínima, ao trabalho manual. Por outro lado, trabalho com pesquisa e desenvolvimento de idéias que borbulham constantemente. No momento em que escrevemos uma idéia, a matamos, podamos, a tiramos do canteiro e colocamos num vaso com água. Vou gerando as coisas como num jardim: algumas morrem, outras vou cultivando até ficarem bonitas. Outras idéias passam pela cabeça de forma completamente acidental.

Por exemplo...
Quando fui ao Centre Beaubourg (museu de arte moderna), em Paris, em 1991, ocorria uma greve de manutenção. Todas as peças modernas estavam empoeiradas. Dez anos mais tarde, fiz uma exposição no Whitney Museum em Nova York nesses moldes. Uma idéia que demorou muito tempo, uns nove anos, para florescer.

Para um artista, é complicado ter de lidar com o lado business da arte?
Não existe ocupação humana que não tenha o lado chato. E a venda de arte é a parte chata do nosso trabalho. Contudo, seria mais chato se entrássemos naquele regime de hipocrisia, que aflige alguns artistas, que é fazer trabalho para si mesmo. Dentro da história da arte e de mercado, o merchand sempre teve um aspecto decisivo. Imagine se Michelangelo não tivesse sido amigo do papa. Rembrandt, Rubens, Velásquez – todo esse mundo era ligado ao poder da influência, negociação, amizades, patronos e do mecenato. A história da arte não tem só a ver com o que o artista fez, mas o que ele foi, como viveu, como chegou a executar sua obra. Vincent Van Gogh criou a imagem do artista sem orelha, que nunca vendeu nada. Sou contra essa idéia. Prefiro ser como Velásquez. Artistas são como qualquer outra pessoa – gosto de voar em primeira classe e hospedar-me em bons hotéis. Por ter uma origem humilde, gosto de citar aquela frase de Joãosinho Trinta: “Quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo”. Artistas ganham dinheiro para fazer mais arte – eu compro livros, CDs, DVDs e viajo. Certa vez, um funcionário do banco me perguntou o que vou fazer quando me aposentar. Respondi que farei o mesmo que estou fazendo agora. Faço hoje o que as pessoas deixam para fazer quando se aposentam. Tenho o melhor emprego do mundo.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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