Freegans - o lado gourmet do lixo
01.abril.2008
Tania Menai, de Nova York
Era uma noite gelada de sexta-feira, em março passado. O relógio marcava nove horas quando um grupo de 35 jovens se aglomerou na porta do Balducci’s, uma delicatessen finíssima, na esquina da rua 14 com a Oitava Avenida, em Manhattan. Mas ninguém estava ali para comprar caviar russo ou croiassant francês. O objetivo era vasculhar, revirar e dissecar o lixo jogado fora pelo estabelecimento - e recuperar os alimentos que ainda poderiam ser consumidos. É esta a filosofia dos chamados freegans – o nome que casa vegans, seguidores de uma dieta que rejeita derivados de animais – e free, liberdade.
“Há quem pense que a comida encontrada não passa de restos”, diz a professora nova-iorquina Janet Kalish, adepta ao moviento há quase quatro anos. “Que nada – o que se joga fora é de primeiríssima qualidade”. À medida em que crescem o consumismo mundo afora e, simultanemente na contra-mão, a preocupação ambiental, multiplica-se também o número de pessoas que se opõe à esta realidade global – e os freegans são o exemplo mais genuíno. Eles querem que suas vidas impactem o planeta o mínimo possível. Desde que se afiliou ao movimento, Janet tem visto cada vez mais simpatizantes e voluntários.
O movimento surgiu na metade dos anos noventa e, como toda iniciativa papo-cabeça, inspira-se na Califórnia dos anos 60, onde um grupo teatral anarquista chamado Diggers (Garimpeiros) doava comida e serviços gratuitamente. Hoje, a maior parte dos adeptos são universitários, muitos de esquerda – até porque, esta é a época da vida em que, supostamente, o pessoal não tem dinheiro para nada. A onda tem se espalhado por vários países da Europa e já ganhou adeptos até no Brasil.
Mas é em Nova York, a meca do consumo, que, digamos, os freegans se dão melhor. Esta cidade produz lixo sem paralelos. Há quem mobilhe uma casa inteira só com móveis e quadros achados nas calçadas. E há os trash tours, os passeios pelos lixos, como o do Balducci’s, organizados semanalmente pelos freegans da cidade. “Nosso objetivo não é só catar comida para a própria subsistência; queremos divulgar o disperdício e educar as pessoas a fazerem isso sempre precisar vir a um trash tour”, diz Janet. Durante um ano, ela doava esta comida para uma casa de reabilitação de drogados. Além disso, Janet ajuda a organizar os jantares semanais que aglomeram freegans para cozinhar os achados.
Festinhas gourmets do gênero viraram um must. Sim, porque nos restaurantes da cidade, o que não se come no dia, é jogado fora. Principalmente os lugares que produzem pães ou alimentos que estragam facilmente. Certa vez, ela vasculhava o lixo de uma padaria – e o dono viu. O resultado? “Ele disse que em vez de eu catar no lixo, ele se comprometeria de me dar os restos diretamente”. A coisa é tão badalada que o site FreeganKitchen.com dá quatro dicas de como fazer um belo dumpster diving, ou, mergulho no lixão. Vamos a elas: 1) Vá bem tarde da noite ou bem cedinho. 2) Faça tudo em silêncio e discretamente. 3) Fazer um mergulho pelo menos uma vez bêbado, pode resultar em ótimos achados e garantir uma noite na cadeia. 4) É mais fácil conseguir perdão do que permissão.
A iniciativa começou em 2004 por um grupo de artistas intulado DoAll Collective (Faça Tudo Coletivamente), que tinha como objetivo divulgar o desperdício na cultura americana.Há também o movimento Food Not Bombs, que há 25 anos coleta comida para doar para mendigos, e países em guerra e sobreviventes de terrorismo ou desastres naturais. Segundo o site do grupo, a filial de San Francisco já foi preso mais de mil vezes. Mas continuam na ativa, sem perder a ternura, nem o apetite. Jamais.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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