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Meu nome não é Fernééénda
02.junho.2008
Tania Menai
“Não tenho mais dúvidas: vou para o céu. Só hoje conversei com um rabino e com um mosenhor!”, comemorava a repórter baiana Fernanda Santos, 34 anos. De religiosa, ela não tem muito – apenas relatava um dia de trabalho no caderno metropolitano do mais importante jornal do mundo, The New York Times, onde atua desde setembro de 2005. A primeira história tratava de um episódio em Monsey, cidadezinha do estado, onde uma comunidade judaica ortodoxa conseguiu banir a abertura da loja de departamentos Wal-Mart. O segundo artigo, contava sobre uma igreja em expansão, na cidade LaGrangeville, indo contra a maré das demais do país, que andam falindo.
Com vestido azul marinho estampado sobre um corpo esguio, óculos de aro rosado, uma presília lateral prendendo parte de seus cabelos longos e ondulados, Fernanda não esconde sua brasilidade: com um sorriso larguíssimo, ela cumprimenta todos pelos elevadores, lobby e café do prédio do jornal – por sua vez, a recém inaugurada obra arquitetônica do arquiteto italiano Renzo Piano, que esbanja espaço e clareza, na Oitava Avenida, entre as ruas 40 e 41. Mas nem sempre ela está lá. Munida com o carro da redação, ela dirige pelo estado inteiro cobrindo aspectos peculiares de comunidades nem sempre em evidência. “Adoro dirigir aqui – o trânsito é tão maluco quanto o do Rio de Janeiro”, diz ela, que passou a adolescência na cidade – onde chegou a surfar de bodyboard.
Fernanda é a única brasileira da equipe, cuja redação emprega cerca de mil profissionais entre jornalistas, fotógrafos, secretárias e pessoal de internet. Apesar de alguns repórteres terem nascido no exterior, eles se criaram nos Estados Unidos. Outros, são filhos de imigrantes, e têm nomes estrangeiros. Ela é a única que veio para o New York Times com mais de trinta anos, nascida num país onde o idioma nativo não é o inglês. Suas matérias sempre buscam algum ângulo social – uma delas, sobre uma operação de gêmeos siameses presos pela cabeça, gerou uma ajuda de leitores de mais de 30 mil dólares para a família das crianças.
“Certa vez, participei do programa do próprio jornal, Ask a Reporter (ou Pergunte a um Repórter), no qual respondemos perguntas online a estudantes secundaristas”, conta ela, sentada na cafeteria no jornal. “Uma professora de inglês de Mogi das Cruzes me achou e pediu que eu escrevesse uma mensagem para seus alunos sobre a importância de estudar inglês”. Fernanda escreveu e recebeu 50 e-mails dos estudantes como resposta. Muitos achavam de que ela não existia. Outros, diziam se orgulhar de sua conquista. “Nunca pensei em mim desta forma, gosto de manter meu pé no chão”, diz ela, que chegou nos EUA em 1998 para cursar mestrado em jornalismo na Universidade de Boston.
Ela trabalha de domingo a quinta. Apesar de elétrica, recusa-se a usar blackberry, optando ainda por morar num bairro tranquilo do Brooklyn. Sua primeira experiência jornalística foi na revista da Odebrecht, sediada na capital carioca, para onde se mudou com a família, de Salvador, quando tinha 11 anos.Encantou-se pela profissão ao cobrir matérias em cantos do Brasil como Bom Jesus da Lapa, no interior de sua Bahia. Sua carreira americana teve indício depois do mestrado em dois jornais do estado de Massachussetts. No primeiro, Fernanda cobria uma comunidade quase rural, onde um representante dizia que todos ali eram “cor baunilha”, característica que a tornava diferente – experiência que ela também vivenciou no Rio de Janeiro ao ganhar o apelido de “baiana” na escola.
No segundo jornal, Fernanda foi abençoada com um editor que resolveu apostar em seu talento, dando atenção necessária à edição de seus textos. Foi neste emprego, que ela escreveu um obituário sobre uma jornalista suicida, que lhe renderia um emprego em Nova York, no jornal The Daily News. “Há de ter muita humildade; compito com gente que nasceu falando inglês”, ressalta ela, que confessa sempre confundir as preposições in e on. “Meu medo era que em algum ponto alguém iria falar: “não dá, você não consegue descobrir o que é on, o que é in”, conta. “Mas os americanos também erram. Quem aprendeu as regras num curso, como eu, ganha vantagem”.
No entanto, Fernanda ostenta um sotaque perfeito. Sua fluência na fala, escrita e leitura veio ao longo do tempo, vendo televisão e devorando livros e jornais.“Não tenho mais talento que os outros, mas acho que me esforçei mais do que alguns nativos que estão em jornais de pequeno ou médio porte. Não há nada de errado nisso, mas muitos se fazem esta pergunta – e também fazem esta pergunta a mim,” diz. Fernanda não se identifica com os estilo de matérias curtas e superficiais do Daily News. Ainda assim, foi lá que ela construiu um portófio, escolhendo as matérias mais sérias para enviar ao New York Times.
Depois de meses de insistência e um fellowship em jornalismo cobrindo a queda da criminalidade na Colômbia, o emprego era seu. “Várias vezes cheguei em casa chorando. Mas fui eu quem escolhi este caminho - resta-me aguentar e provar aos que nunca me ajudaram ou sequer responderam ao envio do meu currículo, que eles estavam errados”, diz Fernanda, sem rancor. No Brasil, ela tinha três sobrenomes: Lacerda Saraiva Santos. A família sempre usou Saraiva. Mas os americanos não perdoam: adotam apenas o primeiro e o último. “Recussitei a dinastia Santos, do meu avô paterno”, diz ela, que ainda agregou Saucier, sobrenome do marido, um jornalista americano, com quem é casada há oito anos. “Quando me chamam de Ms. Santos, peço pra me chamarem de Fernanda”, diz.“Mas eles me chamam de Fernééénda. E eu corrijo: FerNÃnda!”. Ela acrescenta que ao falar português, nunca solta um óxente. “Mas vivo falando ôxi (um óxente abreviado). Até o meu marido, que está aprendendo português, fala ôxi!”. Hoje, ele trabalha na área de relações pública da prefeitura de Nova York - mas já avisou à esposa que não se incomodaria em fazer as malas e se mudar para Salvador.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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