David Brooks
01.junho.2001
Sem tempo para pensar
Para o jornalista americano, autor de um dos mais incensados livros dos últimos tempos, a sociedade da Era da Informação está viciada em tecnologia. E o custo disso pode ser o fim da criatividade
Tania Menai, de Nova York
O jornalista David Brooks é uma espécie de cronista da sociedade americana e de suas transformações. No ano passado, Brooks, um ex-correspondente do The Wall Street Journal na Europa, na África do Sul e no Oriente Médio, escreveu Bobos in Paradise, the New Upper Class and How They Got There (em português, Burgueses boêmios no paraíso, os membros da nova classe alta e como eles chegaram lá). O livro, um retrato das aspirações, comportamentos, visões de mundo e incongruências da sociedade americana na década de 90, logo se transformou num best-seller. Um de seus assuntos prediletos, nos últimos tempos, tem sido a dependência cada vez maior da alta tecnologia. Segundo ele, o e-mail, os telefones celulares, os computadores portáteis, ao mesmo tempo que prometem tornar nossas vidas mais práticas e rápidas, cobram um preço alto de indivíduos e corporações.
"O problema com toda essa velocidade, e a frenética energia que é usada para gastar o tempo de maneira eficiente, é que isso solapa a criatividade", escreveu em um recente artigo para a revista Newsweek. Atualmente, Brooks é editor sênior da revista política Weekly Standard. Mas seus textos, sempre bem-humorados, aparecem freqüentemente em publicações como The New York Times Magazine e Atlantic Monthly. Como ele arranja tempo? Aos 39 anos, Brooks diz que escreve muito rápido. Mas a tecnologia não é a principal razão de sua vida acelerada. "Quando você tem três filhos - de 10, 7 e 2 anos -, o ritmo não pode ser diferente", afirma ele, que viaja o país inteiro e, por isso, depende do telefone celular. Há alguns dias, Brooks conversou com EXAME em Nova York. Logo depois, voou para Bethesda, nos subúrbios de Washington, onde mora com a família. Em plena tarde de terça-feira, não queria perder a partida de beisebol do filho.
A dependência da tecnologia está interferindo nas relações humanas?
Antes de mais nada, ela está afetando a mentalidade das pessoas. Não muito tempo atrás, era normal dirigir por 2 ou 3 horas e não falar com ninguém. Mas, com o telefone celular, as pessoas passaram a sentir a necessidade de se comunicar a todo instante. Não fazer ou receber ligações as deixa em pânico, como se estivessem perdendo alguma coisa. É como ter três filhos pequenos: a cada 15 segundos há alguma novidade. O vício de receber informações a cada 15 segundos acabou com os momentos de distração e reflexão. É como um vício, e a compulsão pelo uso do telefone celular é seu principal sintoma.
E nas relações corporativas, o que mudou?
Os americanos se vêem como pioneiros do mundo ocidental. Hoje, o que temos é o pioneirismo na exploração da floresta das comunicações - recebemos um número imenso de e-mails, livros, artigos, indicações de websites. A sociedade está se aprimorando em selecionar o que presta e o que deve ser jogado fora, e um novo tipo de percepção vem se desenvolvendo. Cada vez mais as pessoas pensam: "Meu tempo - e não meu dinheiro - é a coisa mais preciosa que possuo. Vou protegê-lo daqueles que pretendem roubá-lo de mim". Isso afeta a vida das empresas. Elas devem ter certeza de que não estão fazendo ninguém perder tempo. Outra coisa importante é saber ultrapassar os filtros impostos pela sociedade. Ou seja, como ser um Pablo Picasso ou um Andy Warhol, capazes de brilhar em meio a esse bombardeio de informação e imagens. As empresas precisam desenvolver suas marcas - a maneira corporativa de chamar a atenção de quem está a sua volta.
Isso não fica mais difícil num mundo no qual boa parte das empresas e de seus profissionais tem acesso às mesmas informações?
Sim. Há alguns anos, um profissional que ficasse longe da sede de sua empresa por algum tempo conseguiria desenvolver uma cultura própria. Hoje, todos estão conectados a algum lugar. Fazemos parte do mesmo barco. Há um problema nisso: estamos envolvidos com o mesmo fluxo de informações, recebemos os mesmo e-mails, somos alimentados com as mesmas fontes. Assim, fica muito difícil aparecer alguém que veja o mundo de forma diferente da de seus colegas, que pense em soluções nas quais ninguém pensou antes. Nosso desafio é encontrar tempo para ler o que os outros não estão lendo ou buscar fontes de informação que as outras pessoas não têm. Assim, poderemos nos diferenciar e trazer algo novo para a empresa, em vez de apenas reciclar o que todos já sabem.
Como esse círculo vicioso afeta a atuação diante do mercado?
Se você dirigir 2 horas em direção ao Nordeste dos Estados Unidos, chegará ao centro do Estado da Pensilvânia. Lá não há The New York Times, Wall Street Journal ou Starbucks. Algumas pessoas têm telefones celulares, mas não muitas. Trata-se de uma realidade completamente diferente. Isso nos faz perguntar se essas pessoas estão vivendo no mesmo mundo que nós. Como nos comunicar com elas, se vivemos num ambiente no qual todos têm telefones celulares e lêem os mesmos jornais? Diante de questões como essa, as empresas podem simplesmente acabar se afastando de muitos de seus consumidores potenciais. E ainda há, é claro, o problema da diferença de renda. Sempre digo que há, hoje, duas grandes tendências, e elas estão interligadas. Uma é a economia global. A outra é a purificação da meritocracia. A sociedade está cada vez mais afiada na seleção dos melhores. Estamos nos aprimorando em escolher a dedo os melhores entre os "quase bons", seja nas faculdades ou nas empresas. Isso pode destruir a qualidade. À medida que elevamos os excelentes, eles ingressam num mundo isolado, onde quem não for tão inteligente nem possuir um bom diploma ou habilidades profissionais compatíveis com as suas nunca terá chance de entrar.
Como o ritmo frenético da tecnologia está transformando o mercado?
As tendências estão mudando numa velocidade inédita. Estive recentemente em Hendersen, no Estado de Nevada, a cidade que cresce mais rápido nos Estados Unidos. Não tenho os números precisos. Mas há dez anos havia algo como 8 000 habitantes naquela cidade. Hoje são 400 000. Todas as grandes redes de lojas do varejo - Toys R Us, Office Depot, Home Depot - já fincaram suas bandeiras por lá. As empresas grandes têm dinheiro para inovações supersônicas, como abrir lojas no meio do deserto, além de detectarem mudanças geográficas e altas concentrações demográficas. Hoje, não há loja em Hendersen que você não encontre em Nova Jersey ou em qualquer outra grande cidade americana. Pequenos empresários dispostos a abrir uma filial em Hendersen estão perdidos. Todos os gigantes já chegaram primeiro.
Recentemente, o senhor passou alguns dias analisando alunos no campus da Universidade Princeton, de onde saem muitos dos melhores profissionais do país, os líderes dos negócios do amanhã. Como eles se comportam?
Os jovens de Princeton são produtos dessa purificação da meritrocacia que mencionei antes. Eles encaram tudo com uma postura profissional, estão ávidos por agarrar cada oportunidade e subir na vida. Conversando com você, vejo que seria uma ótima idéia se esses jovens passassem uma temporada no Rio de Janeiro para experimentar um pouco de prazer, em vez de viver essa obsessão pelas grandes realizações. No curto prazo, eles darão uma injeção de produtividade na economia americana, já que trabalham pesado. Mas, no longo prazo, vão sentir necessidade de buscar um pouco de encantamento na vida e em suas idéias.
Essa busca pelo encantamento da vida não faz parte do comportamento dos "bobos", os burgueses boêmios descritos em seu livro?
Os "bobos" são os americanos que fundiram os valores dos boêmios dos anos 60 com os dos burgueses da década de 80. Eles procuram mesclar alta renda e ideais nobres e parecem ter absorvido bem a dança do mercado de ações. O maior estímulo que os "bobos" têm é saber que quem tiver uma boa educação acadêmica terá uma grande possibilidade de ser recompensado com bons salários.
A indústria tecnológica não pára de inventar novos aparelhos, que supostamente vão facilitar nossas vidas. Há um limite para o consumo desses equipamentos mirabolantes?
Os "bobos" têm uma postura social mais anticonsumista do que as pessoas tinham há 30 anos. Mas a verdade é que eles estão comprando cada vez mais. Sempre há um celular melhor ou menor. Isso não pára.
Hoje há vida sem telefone celular?
Atualmente o novo símbolo do status social é não ter telefone celular. Isso mostraria que "você é tão importante que nem liga para o fato de que há gente o procurando". As pessoas estão tentando chegar lá, mas continuo vendo cada vez mais gente com BlackBerries (pagers que enviam e recebem mensagens eletrônicas) nas mãos, que elas plugam nos computadores para checar seus e-mails remotamente. Presenciei uma cena como essa outro dia, durante um vôo. Os passageiros ficaram amarrados aos seus celulares até o último minuto possível. Mesmo com o avião prestes a decolar, eles falavam freneticamente, ávidos para obter a última gota de informação disponível. Ao desligar os aparelhos, passaram a se comportar como se estivessem famintas ou no fundo do oceano, sem poder respirar.
Com essa obsessão, como fica a questão da privacidade?
Falta de privacidade é algo com que teremos de conviver. O conceito de privacidade não existia na História humana. É algo que começou a ser disseminado nos últimos 100 anos. Ou até menos. Até pouco tempo atrás, pessoas de uma mesma família dormiam no mesmo quarto e andavam nuas em casa. Na Rússia, toda a população de algumas cidades tomava banho junta. Todo mundo sabia sobre a vida de todo mundo. Entramos nesse mundo de privacidade à medida que fomos enriquecendo. Mas a tecnologia garantiu às empresas formas de saber uma série de coisas sobre nós, e não há como controlar isso. Veja a Amazon.com: se você compra este ou aquele livro, eles já sabem quais os temas que lhe interessam. A Clareton, uma empresa localizada no Estado de Virgínia, faz relações do tipo "se você gosta deste carro, é provável que adore este par de sapatos".
O senhor também diz que Palo Alto, na Califórnia, onde se concentram as empresas de alta tecnologia, tornou-se o epicentro da década de 90, assim como Woodstock foi o dos anos 60 e Wall Street dos 80. Hoje, onde está esse epicentro de mudanças?
Um ou dois anos atrás, o pessoal de Palo Alto acreditava que estava escrevendo a história do mundo e que ninguém mais no planeta entendia de história ou de futuro. Outros grupos, em outros países e em outras épocas, já pensaram assim - incluindo Washington no campo da política. Diria que hoje quem está no epicentro do mundo é a turma da biotecnologia.
As grandes invenções do último século nasceram em Palo Alto?
Não. As duas invenções de maior impacto nos últimos 100 anos foram a televisão e o ar-condicionado, que fizeram com que as pessoas ficassem em casa à noite. Eles também permitiram que profissionais e empresas migrassem da costa leste americana para lugares mais quentes, como o Texas. Outro grande invento foi a geladeira, que veio antes do ar-condicionado e permitiu a venda de produtos perecíveis.
E qual será o próximo aparato tecnológico sem o qual não poderemos sobreviver?
Boa pergunta... Alguém (o inventor americano Dean Kamen) ganhou milhões de dólares escrevendo um livro chamado Ginger, sobre uma invenção ainda secreta que, supostamente, revolucionará o mundo. Sabemos que é algo relacionado a transporte. Esse mesmo autor desenvolveu uma cadeira de rodas que sobe degraus. Num recente artigo, mencionei um invento meu: um aparelho fictício, feito de placebo, que seria usado para checar mensagens. Ele nem precisaria de pilhas para funcionar. A vantagem é que o usuário nunca encontraria recados novos. Assim, ele se acostumaria a não ter acesso a novidades a cada 15 segundos e aprenderia a experimentar a vida, em vez de gastar todo o seu tempo em busca de informação. Isso não seria ótimo?
O senhor escreveu que "grandes impérios deixaram para o mundo grandiosidades como o Coliseu ou o Panteão, em Roma. Já os americanos deixam detritos de um entusiasmo insustentável". Ou seja, um amontoado de computadores obsoletos. Seria isso uma vazia adoração pela tecnologia?
Na Europa, os turistas procuram lugares como Veneza, Paris ou Bruxelas. Isso nos faz perguntar o que, no futuro, as pessoas vão ver dos 500 anos da história americana. Devemos lembrar que aquelas civilizações européias foram aristocráticas - produziram culturas de alto nível, construíram grandes catedrais, pinturas e estilos de vida luxuosos. Em nossa época, e especialmente nos Estados Unidos, o que produzimos são subúrbios e produtos para tornar a vida mais prática: seriados de televisão, filmes e prédios altos. Nos entusiasmamos ao pensar que nossas invenções vão mudar a História. Depois de inventarmos o automóvel ou a Internet, percebemos que eles fazem parte de um conjunto de criações legais, mas que não mudaram o mundo. Então partimos para outra coisa que nos entusiasme, deixando para trás uma parafernália em forma de lixo.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
---
voltar |