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David Gertner
13.janeiro.2006

O Fiasco da Marca Brasil

Tania Menai de Nova York


O carioca David Gertner conheceu o guru americaano de marketing Philip Kotler em1989, quando trocou o Rio de Janeiro por Chicago para fazer doutorado em marketing de lugares na Northwestern University. Desde então, a dupla tem trabalhado junto. Na época, Gertner assistiu Kotler em um livro sobre o assunto lançado em 1993, onde ele incluiu vários exemplos brasileiros. O livro foi adaptado posteriormente para o contexto europeu e asiático. Há poucos anos, Kotler convidou Gertner para adaptar o livro para a América Latina. Recém lançado no Brasil “Marketing de Lugares” (editora Pearson Education) é resultado de mais de dois anos de intensa pesquisa. Eles ainda têm diversos artigos escritos a quatro mãos como o “Países como Marcas e Produtos” originalmente publicado no Journal of Brand Management na Inglaterra, e em 2004 no Brasil pela revista HSM Management. Há 17 anos, Gertner pesquisa, escreve e acompanha de perto a “marca Brasil”. Desde 1999 ele fixou residência em Nova York , onde já lecinou em várias universidades. Desde 2001 ele é professor associado de marketing da Pace University. Em pleno dia de greve de metrô, Gertner falou com a Exame, depois de voltar para casa de táxi.

No livro vocês citam que o Brasil, pela sua economia e tamanho, é tido há décadas como o país do futuro. Mas que hoje, mesmo um país pequeno pode ter uma imagem grandiosa se souber investir em sua imagem. Ou seja, tamanho não é mais documento?

Tamanho ainda pode ser uma vantagem competitiva, se bem utilizada. No entanto, novas tecnologias de telecommunicações e transporte permitem a qualquer comunidade ou país competir globalmente, independentemente de sua localização e tamanho. A pequena ilha de Cingapura, com vizinhos muito maiores e com muito mais recursos naturais, se tornou um dos mais importantes hubs de serviços e negócios do planeta e possui uma das mais altas rendas per capitas do mundo. Há também bons exemplos na América Latina. Em 1996, a Intel escolheu a Costa Rica para sua nova fábrica de microprocessadores na região, um investimento superior a meio bilhão de dólares, e que provavelmente seria acompanhado por outras empresas de alta tecnolgia. Este país na América Central, com cerca de 4 milhões de habitantes, venceu concorrentes muito mais fortes que seriam escolhas quase que naturais, como o México e o Brasil, devido à sua estabilidade política, seu sistema educacional e um forte trabalho de marketing, que envolveu inclusive uma visita do presidente da Costa Rica à sede da Intel para conduzir as negociações. A Costa Rica também é muito bem posicionada internacionalmente em termos de turismo sustentável. Comunidades, cidades, estados, podem também competir globalmente mesmo estando dentro de um país muito pobre, como demonstra Bangalore, na índia que é um líder mundial no setor de serviços de desenvolvimento de software. Hoje empresas com a Intel e a Microsoft estão fazendo investimentos multibilionários em Bangalore.

Muitos brasileros reclamam que a imagem no Brasil no exterior é apenas samba, mulher e futebol. O quanto o próprio Brasil tem culpa nisso?

O Brasil tem responsabilidade na medida em que não gerencia a sua imagem. Quando isto não acontece, a imagem do país passa a ser determinada pelo que é mais saliente ou fica a mercê da forma como a mídia e a indústria de entretenimento retratam o país. Nove entre dez bandidos do cinema americano elegem o Rio de Janeiro como o lugar de aposentadoria dos seus sonhos. É o local da permissividade total. Além disso, a produção do cinema nacional que chega aos circuito internacional retrata um lado do Brasil pobre e violento, como nos casos dos filmes Central do Brasil, Pixote, Cidade de Deus e Carandirú. Para o Brasil competir sériamente por investimentos, negócios e turismo, é preciso gerenciá-lo como uma marca ou produto. Os políticos e autoridades brasileiras, incluindo o presidente e todo o pessoal ligado a agências de promoção econômica, de investimento e de turismo, precisam entender que cada vez que o nome do Brasil é mencionado, existe uma oportunidade para adicionar ou subtrair ao valor da marca Brasil. Me parece que hoje não haja alguém do governo brasileiro que saiba responder quem gerencia a imagem do Brasil e qual o posicionamento de mercado desejado junto aos diversos públicos-alvo?

Outro fator importante citado no livro é a evasão de cérebros para países de primeiro mundo. O quanto temos perdido com isso?

Um dos aspectos mais importante do marketing de lugares são as pessoas – pessoas famosas, pessoas competentes, pessoas com liderança, e pessoas empreendedoras. A evasão de cérebros é um problema que deve ser enfrentado através de incentivos para sua fixação no país. A China hoje investe maciçamente para atrair de volta seus pesquisadores. A Índia deixou de perder cérebros para outros países quando passou a oferecer condições de trabalho atrativas no próprio pais. É notável como as pessoas são um traço comum nas estratégias de vários lugares da ALC que têm obtido sucesso de mercado, como Monterrey e Guadalajara, no México, Santiago e Valparaíso, no Chile, Curitiba e Campinas, no Brasil e San José na Costa Rica. Estas cidades abrigam importantes centros de educação que servem como forte fator de atração para investimentos em negócios de alto valor agregado. Veja o caso de Itajubá, uma cidade com cerca de 100 mil habitantes na fornteira de Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde se localiza a fábrica de helicópteros Helibrás. Itajubá erradicou o analfabetismo e possui a maior densidade de Ph.D.’s por habitantes no Brasil. Em consequência, a cidade se destaca em termos de crescimento econômico e possui um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano no país segundo a ONU. Estas características têm atraído muitas empresas de alta teconoligia para Itajubá e encorajado o empreendorismo local. Como discutimos tamanho pode não ser documento no caso do marketing de lugares.

O senhor acaba de dizer que um dos aspectos mais importantes do marketing de lugares são as pessoas. O Rio de Janeiro, cidade mais famosa do Brasil, é representado no exterior pelo presidente da Riotur Luiz Felipe Bonilha - ele não fala inglês e sequer entende de museus. O que nos falta para melhorar nossa imagem além de investimento em pessoal?

O Rio de Janeiro precisa primeiro enfrentar e resolver o problema da segurança pública que atinge não só o visitante como todo o cidação. Tentar minimizá-lo é um grande erro. É incorreto o argumento de que toda a cidade grande no mundo é violenta e que todo o destino turístico é perigoso. New York apresenta hoje uma das menores taxas de criminalidade dos Estados Unidos graças a vontade política de seus dirigintes em resolver os problemas de segurança pública . O Rio de Janeiro precisa também desenvolver uma cultura de serviços e investir em novas atrações para se tornar mais competitivo. O Museu Gugenheim, por exemplo, recolocou Bilbao no mapa turístico e hoje é um ícone e um forte elemento positivo na imagem da cidade. Além disso, o Rio de Janeiro necessita de um plano estratégico de marketing que inclua uma visão de longo prazo e a definição de objetivos de marketing, de públicos-alvo e de posicionamento de mercado. Este plano, embora deva ser constatemente reavaliado, deve ter sua continuidade assegurada. Sua efetividade será tanto maior quanto for a capacitação e competência dos responsáveis pelo desenvolvimento e implementação do plano.

Quais os pontos positivos do país que poderiam ser melhor explorados por gente especializada?

O Brasil é um país excepcional com grandes histórioas de sucesso, uma cultura ríquissima e variada, e setores muito competitivos como o agroindustrial. Histórias sobre o desempenho de algumas empresas brasileiras como a Embraer, Gerdau, Marcopolo, Havaianas, Mundial deveriam ser explorados para posicionar e construir novas associações com a marca Brasil. O mesmo deveria acontecer com programas de sucesso como o do do alcool combustível e os carros híbridos nacionais - gasolina, álcool e gás natural. Há inúmeros lugares no Brasil com fantástica beleza naturais totalmente desconhecidos no estrangeiro. Há muitos projetos de sucesso no que tange à conservação ambiental no Brasil, mas as histórias de degração prevalecem na mídia por falta de uma ação mais agressiva de marketing de lugar. Deveria haver mais incentivo para que a indústria de entretenimento retratasse também o lado cosmopolita e sofisticado da sociedade e cidades brasileiras, e não só o seu lado exótico.

A tecnolgia da informação é a grande aliada da comunicação, mas também cria maior concorrência entre os países. Como está o Brasil em termos de marketing de si mesmo em comparações aos demais países de economia emergente - e, principalmente, com países de apelos turisticos como a Jamaica?

Todo lugar tem inúmeros concorrentes e a competição é cada vez mais intensa e mais profissional. Na área de marketing de lugares o Brasil tem tido um desempemho que deixa a desejar, quando comparado a concorrentes bem menores, como o Chile, a República Dominicana e a Colômbia. A Jamaica, que você mencionou, é uma ilha de 2,5 milhões de habitantes, com problemas semelhantes aos do Brasil e com bem menos recursos. Sua imagem, como a do Brasil, é muito pautada em sua música , natureza e outros aspectos hedônicos. Uma diferença fundamental é que a cerca de duas décadas a Jamaica investe consistentemente no produto e na marca Jamaica. Ao contrário do Brasil, a Jamaica tem claro qual o seu público-alvo e qual o seu posicionamento de mercado. Os esforços de marketing têm sido consistentes e hoje a Jamaica é uma marca familiar aos consumidores americanos. No início da década de 90, a Jamaica já investia cerca de 25 milhões de dólares por ano em marketing do país no mercado americano, seu principal alvo, tendo em vista a proximidade física e a língua. Nesta época, este investimento era cerca de 5 vezes maior que o total gasto pelo Brasil em campanhas de propaganda no exterior. Deve se lembra que o Brasil é dezenas de vezes maior que a Jamaica. Embora de forma geral o marketing de lugares no Brasil deixe a desejar, há inúmeras indústrias, como a aeronáutica, cidades, como Curitiba, e estados, como a Bahia, que vêm adotando o planejamento estratégico de marketing com sucesso. É também bom lembrar que a Internet permite a qualquer pessoa, organização ou lugar promover sua oferta junto a centenas de milhões de pessoas em qualquer lugar do planeta, a qualquer hora.

O quanto a violência do país e o turismo sexual prejudicam a nossa imagem?

Quando os problemas de imagem de um lugar se baseiam em problemas reais, é preciso resolvê-los antes de tentar corrigir a imagem ou investir em marketing e em propaganda e promoção. A segurança é uma das necessidades mais básicas do ser humano e é particularmente importante no mercado de turismo. Belezas naturais e grandes atrações de nada adiantam se a integridade e a segurança do turista não puder ser assegurada. É um grande erro pensar que a segurança custa caro. Muito mais oneroso são os prejuízos econômicos e sociais causados pela falta de segurança. Já a permisisividade em relação ao turismo sexual demonstra uma visão de curto prazo de negócios. O turista sexual infla as estatíticas do setor mas compromete sua sustentabilidade no longo prazo. O impacto econômico de um turista que compra uma passagem no exterior, se hospeda em um conjugado em Copacabana por uma semana, toma chope em um bar em frente a praia e contrata os serviços de uma prostituta é quase nenhum se comparado ao do turismo familiar ou do visitante a negócios. Além disso, o turista sexual traz prejuízos à sociedade e à imagem do local, comprometendo resultados futuros. O sucesso no mercado de turismo não deve ser medido apenas pelo número de visitantes, mas pela qualidade dos mesmos.

Quais os setores que deveriam investir sistematicamente em marketing do Brasil e quais os benefícios que você calcula (e em quanto tempo) que o Brasil poderá obter com isso?

O marketing de lugares engloba atividades diversas como a atração de investimentos, retenção de negócios, promoção de exportação de produtos, turismo, atração de residentes e gerenciamento da imagem e da marca do lugar. O impacto econômico de todas estas áreas para um país como o Brasil é quase que intuitivo. No livro, nós defendemos que o plano de marketing estratégico de um lugar deve incluir uma visão de longo prazo, num horizonte em torno de vinte anos. Este esforço depende inclusive de investimentos maciços em educação que podem tomar uma geração. Embora o plano deva ter sua continuidade assegurada quando da mudança de governos, o planejamento estratégico é um processo, e os objetivos e estratégias devem ser constantemnte revistos, uma vez que o mercado é dinâmico e muitas de suas forças estão fora do controle do lugar.

Alguns bons exemplos?

Há inúmeros exemplos de países do sudeste asiático que eram tão ou mais pobres que o Brasil e hoje crescem a taxas muito mais acentuadas, graças a investimentos em educação e à adoção dos conceitos de marketing estratégico. Há bons exemplos também na América Latina. O Brasil produz oito vezes mais café que a Colombia. No entanto, o Café da Colômbia é percebido como o melhor café do mundo pela grande maioria dos consumidores americanos, graças a um execepcional trabalho de marketing desenvolvido há mais de duas décadas. O livro está recheado de exemplos de sucesso de marketing de lugares, inclusive de comunidades muito pequenas e isoladas, localizadas em diversas regiões do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe. Outro excelente exemplo é o Chile, um país muito menor que o Brasil e relativamente isolado por uma cordilheira, um deserto e um oceano. Mesmo assim, o Chile lidera há vários anos o ranking de melhor lugar para negócios na região, à frente de Miami e São Paulo. Em anos recentes, várias empresas globais têm transferido suas divisões latino-americanas de São Paulo para Santiago. O Chile têm apresentado um crescimento muito menos volátil a a taxas muito superiores às do Brasil. Por trás do sucesso do Chile está a agência CORFO, responável pelo markering do país. Além do CORFO há outras outras agências nacionais que têm feito um bom trabalho de marketing do seus países, como Coinvertir da Colômbia, OPI da República Dominicana, Cinde da Costa Rica e JAMPRO da Jamaica. O Brasil deveria fazer o benchamrk destes trabalhos.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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