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Lee Ielpi
05.setembro.2011

Bombeiro aposentado e pai de dois meninos e duas meninas, Lee Ielpi perdeu o mais velho, Jonathan, que seguia a mesma profissão que a sua, nos atentados de 11 de setembro em Nova York. Uma década depois da tragédia, atua no World Trade Center Tribute e, além de guiar turistas pelo local, educa as pessoas para um mundo melhor

Tania Menai, de Nova York

Era uma ensolarada terça-feira, em setembro, quando o tocou telefone na casa de Lee Ielpi, um bombeiro nova-iorquino, aposentado depois de 38 anos de experiência. Na linha, seu filho Jonathan, de 29 anos, bombeiro há sete anos. “Pai, liga a televisão”. A data era 11 de setembro de 2001 e lá estavam as duas torres do World Trade Center, em Manhattan, queimando perante o mundo. “A primeira coisa que me veio a cabeça foi perguntar ao meu filho se ele iria para lá”, relembra Lee Ielpi, dez anos mais tarde, sentado em um escritório em frente a cratera deixada pelos atentados. A resposta era sim. Jonathan, casado e pai de dois filhos pequenos, já estava preparado para enfrentar as chamas. Ele trabalhava na unidade especial de resgate dos corpos de bombeiros da cidade de Nova York. “Conversamos por um minuto e ele falou: ‘pai, estamos indo para o World Trade Center’. Falei para ele ter cuidado. Ele respondeu: ‘OK, papai’. Essa foi a última vez que falei com o meu filho”, conta Lee, emocionado. “Mas foi uma boa conversa”, sorri ele, que, coincidentemente, aposentou-se forçadamente depois de se ferir quando um prédio desabou durante um incêndio.
Dentre as 2.751 vítimas fatais dos atentados `as torres gêmeas, 343 eram bombeiros. Este é o maior número de mortes de homens uniformizados num só evento na história dos Estados Unidos. “Mas eles amavam o que faziam. E isso ameniza um pouquinho a nossa dor”, aponta Lee. “Meu filho morreu fazendo o que amava. No entanto, as pessoas que estavam presas nos andares elevados daquelas torres não foram para o trabalho para serem mortas naquele dia”, pondera. “Quando meu filho me ligou naquela manhã, ele tinha uma voz energética, de desejo – ele mal podia esperar para ir ao WTC e socorrer as vitimas. Já os telefonemas que as pessoas dos prédios deram para suas famílias, amigos e para o número de emergência, foram terríveis”, lamenta ele, neto de imigrantes italianos, e nascido numa família de bombeiros. “Nos EUA, 80% dos bombeiros são voluntários, principalmente nas cidades pequenas”, aponta ele, que foi voluntário durante 12 anos antes de ser bombeiro oficial.


“Quem teme o fogo, é melhor não ir em direção a ele. Devemos respeitá-lo”, diz o bombeiro, que já trabalhou na unidade de água – o primeiro homem que chega no incêndio – e na unidade de resgate de vitimas. No dia 11 de setembro, Lee deixou o conforto de sua casa, na pacata cidade de Great Neck, em Long Island, para mergulhar no caos. “Cheguei aqui meia-hora depois de a torre norte desabar. As duas torres já estavam no chão”, recorda ele, olhando para as janelas que dão para a nova paisagem do World Trade Center. “ Ao andar pela rua, eu não conseguia ver o final do quarteirão. Vi carros em chamas, e pessoas andando. Um amigo meu procurava seu irmão; era como estar numa guerra, numa cidade que acabava de ser atacada, bombardeada. Tinha gente machucada por todos os lados - a única diferença é que elas apenas foram trabalhar naquele dia. Era gente de todas as nacionalidades e religiões. Uma cena horrível, surreal”, lembra. “A primeira vitima que vi no chão foi um bombeiro, duas quadras acima do World Trade Center. Ainda assim, nessas horas você tem de manter o foco”.

“Já estive em incêndios em prédios enormes onde aconteceram os chamados colapsos internos – por isso, logo imaginei que perderíamos gente naquele dia”, afirma ele, que apelida o fogo de “diabo vermelho”. “Logo cedo perdemos aqueles que se atiravam das janelas”. Lee conta que a missão dos bombeiros, naquela situação, era “simples”: subir as escadas, fazer com que as pessoas parassem de pular e apagar o fogo.“Sabíamos que não seria um dia fácil. Mas os bombeiros são muito unidos. Os homens sabiam o que tinham que fazer, e mostraram ao mundo a sua tarefa”, orgulha-se ele que teve quatro filho: dois meninos e duas meninas. Jonathan era o filho mais velho. Brandon, o segundo, também seguiu a profissão do pai e este ano completa dez anos de uniforme.


Nos dias que se seguiram aos atentados, as buscas por vitimas eram incessantes. No entanto, apenas homens uniformizados tinham permissão para circular pelos destroços deixados pelas torres. Lee era um deles. “Minha missão, primeiramente, era resgatar o meu filho. Depois, ela mudou para tentar encontrá-lo. Ao longo do caminho, qualquer outro corpo que eu encontrasse, sei que seria uma benção para a família da vítima”, diz ele, lembrando que ainda existem 1.122 pessoas desaparecidas. Isto significa, que nenhuma parte de seus corpos foram encontradas. “Os prédios tinham 110 andares. A torre norte tinha 1.365 pessoas presas acima da área do impacto do avião. Já a torre sul tinha 595 pessoas. Isso soma quase 2 mil pessoas só nas torres. Quando os prédios despencaram nada sobreviveu. Nunca vi uma mesa de trabalho”, diz ele, que ficou nove meses garimpando a região. Lee não estava sozinho. Ele calcula mais de trinta pais uniformizados em busca de seus filhos, todos bombeiros. Havia também colegas em busca de tios, sobrinhos, e pais. Ele mesmo trabalhava todos os dias, lado a lado com um grupo de oito pais na mesma situação. O objetivo era trazer seus filhos para casa – e enterrá-los com dignidade.

Lee não se diz religioso, mas acredita em Deus. Na gélida noite do dia 11 de dezembro, exatos três meses após a tragédia, Lee diz, brincando, que Deus falou: “ei, já está bom por hoje. Pode ir para casa”. Duas horas mais tarde, Paul, o chefe de resgate do turno da noite, telefonou para Lee. A conversa não passou de quatro frases. “Lee?”, disse Paul. “Sim”, respondeu Lee. “Nós temos Jon”, comunicou Paul. “Ótimo, Paul. Estou indo para aí”. “Foi simples assim”, relembra Lee, que voltou ao World Trade Center em companhia de seu filho, Brandon. “Na nossa tradição, a unidade do corpo de bombeiros que perde o homem, é a que vai resgatar seu corpo. Não importa quem o encontrou”, explica Lee. “Aproximei-me de meu filho, e falei o que eu tinha para falar com ele; o Brandon fez o mesmo”, emociona-se. “Jonathan estava numa cesta; o levantamos com ajuda de companheiros de sua unidade, e o trouxemos para casa”, sorri. “Fomos abençoados: neste atentado só encontraram 174 corpos inteiros. Outros familiares estão numa outra situação do que eu – Jonathan estava inteiro; ou pelo menos o que é considerado inteiro”. Dentre todos os oito pais amigos de Lee, ele também foi o de mais sorte. Lee conta que um dos pais foi comunicado 15 ou vinte vezes, a cada vez que encontravam um pedaço de seu filho. “O outro perdeu seus únicos dois filhos. Um era policial, outro bombeiro – só encontraram um deles. O filho do meu amigo Dany? Nada. Paul? Nada. George? Nada. Jack? Encontram alguma coisa”, diz Lee, que conta que dias depois encontrou o capacete de Jonathan entre os destroços.

“O que eu sinto dez anos mais tarde? Amplio a pergunta: e os amigos que cresceram com o Jonathan? E seu grupo de escoteiros? E seu time de futebol e beisebol? E seus sobrinhos e sobrinhas?”, diz Lee. “Só tenho uma resposta: não vejo o meu filho há 10 anos. Onze de setembro é um daqueles dias que eu nem quero lembrar. O dia mais importante para mim é o dia 15 de julho, dia em que Jonathan nasceu. Esse sim é um dia poderoso”, conta ele, completando que chora todos os dias. Alem de seu filho, ele perdeu naquela manhã cerca de 80 amigos com quem trabalhou ao longo da vida. “Eu podia odiar tudo isso. Mas o que adianta? Foi o ódio que causou esta tragédia e continua causando muitas outras. Não posso trazer os nossos mortos de volta, mas posso fazer algo positivo para homenageá-los”, diz Lee.

Com essa idéia ele co-fundou o World Trade Center Tribute, uma organização que educa o grande público sobre o que aconteceu no dia 11 de setembro e promove a tolerância. Alem de um museu, o Tribute organiza cinco tours diários pelo World Trade Center, guiados por voluntários que viveram a tragédia: equipe de resgate, familiares de vitimas, pessoas que escaparam dos prédios. O museu – que entre fotos e artefatos, mostra o capacete e uniforme de Jonathan - já recebeu quase dois milhões e meio de visitantes, vindos de 130 países. “Construímos o Tribute para homenagear não só as pessoas que morreram aqui, mas aquelas do vôo 93 da Pensilvânia, e as do Pentágono. Eles não tem mais uma voz, mas tenho certeza que eles diriam a mesma coisa: temos de aprender o que aconteceu aqui para fazer do amanhã um dia melhor”, ressalta. “Educação é a palavra-chave”.

OS NUMEROS de 11 de SETEMBRO:
2751 pessoas morreram - quatro eram brasileiros. Só a limpeza do local do atentado levou 262 dias para ser concluída, num trabalho de 24 horas por dia, sete dias por semana. A CNN manteve uma câmera ao vivo durante todo este tempo. A limpeza sugou 3,1 milhões de horas de trabalho braçal que resultou na remoção de quase 1,7 milhão de toneladas de entulho. O custo disso tudo foi de 750 milhões de dólares - talvez seja esta a única boa notícia desta história, pois esta quantia foi bastante inferior ao orçamento estimado inicialmente em sete bilhões de dólares. O fogo continuou a queimar 99 dias apos os ataques. Cerca de 3 mil crianças perderam pai ou mãe. Cerca de 1070 pessoas perderam esposa/marido/parceiro. Valor estimado em seguro pago no mundo todo por este atentando: mais de 40 bilhões de dólares. Idade media da maioria dos mortos era entre 35 e 39 anos. Numero de partes de corpos achadas: quase 20 mil.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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