Nosso chorinho emociona Nova York
01.fevereiro.2005
Tania Menai, de Nova York
Do lado de fora, uma fina neve cai sobre o East Village, em Manhattan. Do lado de dentro, a noite é uma criança – por sinal, uma criança carioca. Estamos no Jules, um aconchegante bistrô francês da eclética rua St. Mark’s Place. “Vamos fazer vocês chorarem – de alegria, de amor, de nostalgia e até de tristeza”, diz a sorridente Anat Cohen, clarinetista do Choro Ensemble, grupo de chorinho que toca todas as noites de domingo no bistrô. O sucesso do grupo é tanto, que em outubro passado eles foram convidados a tocar junto à orquestra sinfônica “The New York Pops” perante a um Carnegie Hall lotado. “Nunca me senti tão brasileiro”, revelou um turista de São Paulo sentado na platéia com olhos, digamos, de cheios de choro – ele comprara ingressos para aquela noite, sem saber da surpresa.
Em Nova York quando se fala em música brasileira, pensa-se em Bossa Nova. Mas o Choro Ensemble está mudando este enredo. Tudo começou em 1999, quando o paulista Pedro Ramos desembarcou no Brooklyn atrás de Camila, seu grande amor – na bagagem, porém, ele trazia uma outra paixão: o cavaquinho. Pedro tocava choro na faculdade desde 1996 e ainda dedilhava jazz na noite paulistana. “Tocar jazz em Nova York não faria sentido algum”, diz ele, que já chegou com a idéia de trazer o choro. O desafio foi encontrar músicos adequados - um violonista capaz de fazer as linhas de baixo ou um solista que conhece as músicas. Ele explica que os anos 90 foi foram a década do redescobrimento do choro por músicos jovens brasileiros, como o grupo carioca Rabo de Lagartixa. “Faço parte da geração dos novos Jacobs do Bandolim”, orgulha-se.
Em maio do ano 2000, Pedro arrumou um parceiro – tocavam em um restaurante de Astoria, no Queens. O boca-a-boca sobre a dupla correu entre os músicos com a típica velocidade nova-iorquina. Logo, Pedro conheceu Anat, uma israelense de Tel Aviv que estudou música em Boston. “Anat sabia tocar clarinete, mas na época em que a conheci seu negócio era o saxofone”, conta Pedro. “Ela desenferrujou o clarinete para tocar conosco”. Hoje, Anat é considerada a quarta melhor clarinetista, segundo da revista americana “Down Beat”.
Pouco depois, apareceram os cariocas Zé Maurício, no pandeiro, que já tocou com Naná Vasconcelos, Paquito D'Rivera, Yo-Yo Ma e Wynton Marsalis, e Gustavo Dantas, que rodou a Europa na década de 90, tocando de reggae a funk, antes de chegar em Nova York. O último integrante é Carlos Almeida, o Carlinhos, um carioca que leva o samba e o choro na veia e na viola - já tocou com Beth Carvalho e Jorge Aragão. O Choro Ensemble tem dois violões – de Carlinhos e de Gustavo -, uma a mais do que o normal, além do pandero, do clarinete e do cavaco. Essa salada-de-fruta nova-iorquina é, certamente, uma nova influência sobre o choro.
Em 2001, convites para shows começaram pipocar – bares, restaurantes, festas particulares. “As pessoas notaram que aquela música era difrente do samba e da bossa nova - ao mesmo tempo é uma música que engloba elementos de ambos”. Quando o grupo tocou no Jules pela primeira vez, o italiano dono do bistrô não resistiu. Convidou os músicos para apresentações fixas aos domingos à noite. O local virou um epicentro de músicos e um ótimo programa para quem visita a cidade. “Os americanos adoram”, vibra Pedro. “O chorinho tem muito da música clássica e leva pitadas do samba, do baião, do maxixe e até da polka”, diz ele. Anat lembra ainda da mistura da liberdade da improvisação com as harmonias tradicionais “Este é o som de maior frescor para um músico de 2005”, diz ela.
Subir no palco do Carnegie Hall foi outra grande conquista. Depois de escutar o CD do grupo, Skitch Henderson, o carismático maestro da orquestra “The New York Pops”, foi até o Jules para ver e ouvir o grupo de perto. Apaixonou-se. Chegou no ouvido de Pedro e declarou: “fantastic!”. Pedro conta que sempre assistia concertos no Carnegie Hall – mas ficava ali, na penúltima caderia do último mezanino. “Do palco, o Carnegie Hall parece muito menor do que quando você está lá no puleiro”, garante. O grupo pretende gravar melodias românticas de choro, intituladas “Choromantics”, além de revelar em um CD músicas inéditas de Dom Salvador, mestre que vive em Nova York há três décadas – foi ele o fundador do antigo grupo Abolição, além de ter gravado mais de mil CDs acompanhando nomes como Pixinguinha. Projetos que colocam Nova York na rota do chorinho – e que nos fazem chorar.
Jules Bistro – 65 St. Mark’s Place – Entre Primeira e Segunda Avenidas - East Village
Todos os domingos as 8.30pm.
Na Internet - www.choroensemble.com
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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