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Os voluntários de testes clínicos
01.maio.2010
Tania Menai, de Nova York
Em 2006, alguma coisa deu errada num experimento medico em Londres, na Inglaterra, fazendo com que um jovem de 20 anos se transformasse, segundo a mídia local, num “homem elefante”. O tamanho da cabeça e do pescoço do jovem triplicaram. Seu sistema imunológico despencou. O jovem, e mais sete voluntários, participavam de um teste independente do Northwick Park Hospital, que buscava uma droga para tratar casos de inflamação crônica e leucemia. Os voluntários chegaram ao hospital em resposta a um anúncio postado na Internet – a dois deles, foram dado placebos, portanto eles saíram ilesos. Os outros foram afetados, quatro deles seriamente, comprometendo alguns órgãos do corpo . Apesar de os médicos responsáveis alegarem que todos os protocolos para testes clínicos foram seguidos `a risca, o caso mereceu investigação imediata da agência inglesa que monitora testes clínicos no país.
Todos os seis sobreviveram - um com seqüelas - mas sem saber se terão complicações futuras.
Este foi apenas um entre milhares de testes clínicos que acontecem mundialmente envolvendo voluntários de diversas as idades, etnias e motivos. Eles são selecionados obedecendo o critério estipulado para cada teste: de perda de memória a remédios para câncer. Sim, algumas vezes estes experimentos falham. Mas quando dão certo, acabam por salvar vidas, ou até uma mera dor de cabeça.
“Precisamos de pacientes voluntários, que assinam contratos de confidencialidade e tem seus nomes protegidos. Sem eles, os testes não podem ser feitos e não haverá progresso na área médica,” explica `a Super o medico nova-iorquino Thomas Lehman, diretor da divisão de reumatologia pediátrica e professor de clínica do Weill Medical Center da Universidade Cornell. O processo de criação de uma droga passa por diferentes fases, a começar pela fase piloto. “Remédios são sempre testados em animais antes de serem dados a humanos. Mas ninguém pode afirmar que os efeitos do remédio em humanos serão os mesmos que nos bichos”, aponta ele. “Estes testes obedecem etapas para determinar se eles podem ser usados com segurança, em qual dosagem, e com eficácia”, diz ele.
Dr. Lehman explica que a maior parte dos pacientes é recrutada pelos próprios médicos envolvidos em pesquisas. “Nos EUA, em geral, são pessoas com esperança em obter o melhor medicamento para suas doenças. Raramente, elas se disponibilizam em troca de ajuda financeira”. Por outro lado, o teste de uma nova droga pode ser uma única saída para quem tem a esperança de sobreviver a uma doença hoje incurável. “Talvez estes pacientes não tivesse condições de se medicar: seja por causa do custo do remédio ou pelo fato de alguns medicamentos ainda não estarem disponíveis no mercado”, explica Dr. Lehman. “É mais raro alguém ser recrutado por meio de anúncios em jornais e rádios,” afirma. As leis que protegem esta gente, varia entre países, pois há possibilidade de o voluntário receber drogas ou testes que ainda não tem garantia de segurança e eficácia no longo prazo. Em todos os casos, alguns dos voluntários recebem placebo – e eles nunca sabem quem recebeu a droga real ou não. “Em alguns casos, o remédio não é tão eficaz como o esperado, ou pode apresentar efeitos colaterais inesperados.
No entanto, todos os remédios novos para todos os tipos de doença tem de ser testados. A medicina moderna não pode andar para frente sem o desenvolvimento de drogas novas e mais potentes”, diz ele.
Certamente, todos os testes que envolvem novos medicamentos apresentam riscos; e os voluntários sabem disso. Um caso divulgado nos EUA em dezembro passado revela um experimento clínico envolvendo 9.385 mulheres de Uganda, Zâmbia, Tanzânia e África do Sul, que, simplesmente, falhou. Tratava-se de um gel vaginal que preveniria a infecção de HIV durante a relação sexual, para casos de homens que recusassem usar preservativos. Em fevereiro de 2009, tudo indicava que o gel reduziria o risco de contaminação em 30%. Dez meses mais tarde, depois de mais casos testados, comprovou-se que o gel em questão (que contém polimero de sulfonato de naftaleno, substância que, em teoria, preveniria o vírus a se juntar `as células vaginais) não oferecia nenhum beneficio a mais do que o placebo. Pior: 4,1% das 3.156 mulheres que usaram o gel, foram infectadas. No caso das 3.112 que receberam o placebo, 4% contraíram o vírus. Vale lembrar que todas receberam preservativos a serem usados juntamente com o gel.
Diferente deste caso, mas tocando no mesmo tema, o filme “O Jardineiro Fiel” (2005), dirigido pelo premiado diretor brasileiro Fernando Meirelles, trata do assunto, mostrando testes clínicos realizados ilegalmente na África por empresas farmacêuticas. Mas a Índia supera em quantidade – o país atrai centenas dos experimentos realizados por países de primeiro mundo. Tanto, que neste mês de maio, acontece em Nova Deli uma conferência sobre o assunto, para discutir inovações e procedimentos executados na região. Só em 2008, calculava-se 400 testes no pais, totalizando cifras entre um bilhão e 1,5 bilhão. A escolha é óbvia: os indianos falam inglês, têm excelentes médicos (o país soma 600 mil, mas apenas uma pequena fração estudou em universidades internacionais) e uma mão-de-obra barata, o que torna os experimentos até 60% mais em conta que os realizados em países como os EUA e a Inglaterra. E mais: os indianos carecem de seguro saúde, o que faz dos experimentos clínicos uma boa opção para muitos. Por outro lado, a maior parte deles são analfabetos, portanto correm um enorme risco de “assinar” contratos perigosos com empresas farmacêuticas. Em certos casos, eles sequer são avisados de que estão enroscados em testes clínicos.
A Europa do Leste é outra região que tem visto o número de experimentos crescer. As vantagens: uma população de 213 milhões, que dispõem de um sistema de saúde centralizado, o que torna mais fácil a ligação entre pesquisadores internacionais e pacientes locais. Eles registram um pequeno numero de desistências durante os testes, e ainda custam 28% mais baratos que os procedimentos feitos na Europa Ocidental e 47% dos realizados na Inglaterra. No entanto, países como os EUA, tem um fator importante: a transparência.“Os hospitais mais famosos dos Estados Unidos – como o Sloan-Ketterine, em Nova York ou o John Hopkins, em Baltimore - tem boa reputação justamente por estarem constantemente testando novos remédios e recursos, principalmente na área de câncer”, diz o hematologista goiano Rodrigo Calado, médico e pesquisador do National Institutes of Health (NIH), em Maryland. Ele explica que para ser admitido nestes hospitais, o paciente precisa ter seguro saúde – muitos experimentos inéditos são assegurados desta forma; os pacientes não recebem recompensa financeira, mas tem a oportunidade de participar dos estudos que podem beneficiar sua saúde. “Por mais que alguns destes testes recebam, parcialmente, ajuda de farmacêuticas ou de algum fundo, a logística tem de ser coberta da mesma forma, por isso é crucial ser conveniado”, nota Calado.
Já em testes clínicos onde as pessoas são saudáveis e participam com amostras de sangue, por exemplo, elas costumam ser recompensadas financeiramente. “Onde trabalho, paga-se 30 dólares por um vidrinho de sangue e 25 mil dólares por um rim”, conta ele, lembrando que este tipo de teste atrai pessoas mais humildes, como pessoal de construção civil ou estudantes, que buscam 100 ou 200 dólares a mais para reforçar orçamento. Nestes casos, eles são recrutados via anúncios. De qualquer forma, todos os experimentos são registrados oficialmente no NIH, que pertence ao governo americano. Esta é uma forma de controlar o que está sendo feito no país e prevenir falcatruas das farmacêuticas. No Brasil, a realidade é outra. Segundo Calado, a constituição brasileira proíbe qualquer remuneração. “Quando se fala em doação de sangue, o nome já diz: é para doar. E faz-se por amor `a ciência”, repara. “Já os testes com pacientes doentes são, em sua maioria, feitos em hospitais públicos, financiados parcialmente por instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Raramente pessoas que tem convênio se submetem a testes clínicos, até porque os hospitais particulares brasileiros não costumam oferecê-los”.
Um dos casos de voluntário é o do nova-iorquino Nate. Ele conta `a Super que aos 37 anos, ele era um arquiteto nova-iorquino, que vivia o auge de sua carreira em Manhattan. O ano era 1998, e ele não tinha do que reclamar até receber o resultado do exame de sangue que mudaria a sua vida: Nate (que não pode revelar o sobrenome nesta reportagem) era HIV positivo. Hoje, aos 49 anos, ele ainda vive em Nova York, assistido clínica e psicologicamente pela instituição Village Care; seus momentos de festa, trabalho e criatividade, ficaram no passado. Prolongando a vida por meio de medicamentos que provocam inúmeros efeitos colaterais, Nate sabe que não tem muito o que fazer para si. No entanto, há muito ainda a realizar pelos outros: além de dar palestras em escolas, ele participa de uma pesquisa clínica cujos resultados podem beneficiar outros pacientes de AIDS no futuro. “Nas escolas, não tenho muito o que falar, basta as crianças olharem para mim. E a pesquisa também não vai me beneficiar – mas pode salvar alguém no futuro”, disse ele `a Super. São voluntários como ele, que fazem a medicina andar para frente.
Por decorrência da AIDS e do uso de medicamentos, Nate sofre de neuropatia, uma doença que afeta cerca de 30% dos pacientes e atinge os nervos periféricos, afetando a área motora, pernas e pés. E provoca muita dor. Nate não pode mais andar. No ano 2000, enquanto ele tomava café-da-manhã no hospital Beth Israel, em Nova York, onde estava internado, ele foi abordado por uma equipe médica que o convidou para participar em uma de longo prazo sobre a doença chamada “Brain Bank”, ou banco de cérebro. Sua esperança: poder caminhar melhor. Não tive de tomar nenhum medicamento novo. Caso contrário, não participaria. Os remédios que tenho que tomar diariamente já provocam tantos efeitos colaterais, que eu não suportaria qualquer nova droga que ainda não promete resultados”, diz ele, com voz fraca. A pesquisa na qual ele participou por cerca de oito anos, no entanto, requer a constante coleta de sangue e urina, e doação do liquido cérebro-espinhal – “e olha que eu tenho pavor de agulha!”, confessa.
Também é preciso participar consultas que testam reflexos do joelho e calcanhar, além de habilidades neurológicas, como um teste onde o paciente recebe cinco palavras em uma determinada ordem, e uma série de perguntas orais em seguida. No final, ele tem de lembrar as cinco palavras em ordem. Também pergunta-se questões que podem parecer básicas como “quem te vestiu hoje?” ou “quem fez o seu café da manhã?” – mas que nem todos conseguem responder, seja por causa de efeitos como depressão ou demência causados pela AIDS. Os pacientes são divididos por sexo, idade e etnia; cada um é acompanhado individualmente ao longo de anos e os resultados não são comparados entre si, tampouco revelados aos pacientes. “No começo não me ofereceram nenhum benefício financeiro; anos depois, os pesquisadores ganharam um incentivo monetário e passaram a pagar os pacientes: algo que variava de 25 a 150 dólares por teste”, lembra. Nate acredita que recompensa em dinheiro atrai muito mais gente, mas não retém pacientes no longo prazo. É preciso haver compromisso. “Em casos de testes com medicamento, os pacientes costumam receber dinheiro – mas eles nunca sabem se estão recebendo uma nova droga ou apenas o placebo”.
No ano 2000, o congresso americano autorizou o chamado Estudo Nacional de Crianças, a maior pesquisa a ser realizada no país a fim de acompanhar o desenvolvimento de crianças do ventre materno até os 21 anos. A iniciativa, sem precedentes, só teve início em janeiro passado, sugando 6.7 bilhões de dólares do governo e mais um voluntariado de cem mil mulheres grávidas de várias partes dos Estados Unidos. Ao longo destes anos, os pesquisadores vão colher destas mulheres amostras como fluidos vaginais, sangue, cabelo e leite materno, além de catalogar seus hábitos e problemas como uso de remédios ou depressão. Também participam com amostras seus parceiros e os bebês. Este material ficará armazenado por anos em laboratórios e, por meio de análises de genes, infecções, exposição a metais e produtos químicos, pesquisadores pretendem acompanhar o desenvolvimento infantil. Ao longo dos anos, serão garimpadas também informações sobre comportamento, condições médicas e desempenho escolar. Estes dados serão cruzados gerando os resultados esperados. Há quem esteja participando por saber que trata-se de uma pesquisa histórica. E há quem ache que 21 anos é tempo demais. A escolha é sempre do freguês.
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Fonte: U.S. National Institutes of Health
O que perguntar antes de tornar-se voluntário:
Qual o propósito do estudo?
Qual o perfil dos participantes?
Por que os pesquisadores acreditam que o experimento pode ser eficaz?
Ele já foi testado antes?
Quais os tipos de testes e experimentos envolvidos?
Como possíveis riscos, efeitos colaterais e benefícios deste estudo se
compara ao meu tratamento atual?
Como este teste poderá afetar meu cotidiano?
Quanto tempo ele levará?
Será necessário se hospitalizar?
Quem pagará pelo teste?
Serei reembolsado por possíveis gastos?
Qual tipo de acompanhamento a longo prazo faz parte deste estudo?
Como saber se o experimento está, de fato, funcionando? Terei acesso
aos resultados?
Quem será o responsável pelo meu caso?
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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