Todas as reportagens
Outras reportagens de: Lola Magazine
- Tudo `as claras
- A Moeda da Boniteza
- O Discreto Charme de Laurene
- A Casa no Divã
- Os Bonzinhos Rodopiam
- Dona Liz e seus dois maridos
- O dinheiro de Marilyn Monroe
|
Cinco da Tarde
01.setembro.2012
Tania Menai, de Nova York
Aos 37 anos, e um patrimônio liquido avaliado em 300 milhões de dólares, a americana Marissa Mayer acaba de deixar um dos cargos de mais prestígio na Google para se tornar a CEO da Yahoo, empresa que vem sangrando financeiramente, e, portanto ávida por uma intervenção de emergência. O desafio é grande. Ainda sim, a nova labuta é fichinha perto do que lhe aguarda a partir de outubro: a maternidade. Diplomada em engenharia pela Universidade de Stanford, Marissa é primeira mulher a assumir a chefia de uma das 500 empresas mais importantes dos Estados Unidos enquanto sente a barriga crescer. Mas não foi essa a notícia que mais abalou o mundo corporativo. Marinheira-de-primeira-viagem no quesito fraldas e mamadas noturnas, a loirinha de sorriso largo chacoalhou não só o Vale do Silício, como o país inteiro, ao declarar publicamente, no auge de seus hormônios, que só vai tirar duas semanas de licença maternidade em troca de sair do escritório `as 5 da tarde. Em ponto.
A repercussão foi imediata na blogosfera e entre os colunistas mais proeminentes da imprensa local. “A contratação de Mayer é uma notícia inquestionavelmente boa para mulheres que querem escalar a escada corporativa”, escreveu Una LaMarche, no jornal New York Observer. “Mas sua atitude em relação `a licença maternidade abre um terrível precedente”, acrescenta. “Isso sugere que o tempo que se dá para a recuperação de um parto é uma espécie de férias, onde você pode comer sushi, beber álcool e usufruir de outros luxos proibidos durante a gravidez”. Una argumenta que ela mesma renegociou sua posição no jornal depois que seu filho nasceu, há um ano, abrindo mão do cargo de editora executiva para trabalhar de casa, como colunista. Ela lembra, ainda, que nos EUA as mulheres ganham 12 semanas de licença, sendo que não há obrigatoriedade de as empresas pagarem as funcionários por este tempo.
Deixar o escritorio `as 5.30 da tarde em pleno Vale do Silício, onde trabalhar noite adentro é tão clichê como dispensar a gravata, é um conceito inexistente. No entanto, esta virou uma das bandeiras de Sheryl Sanderberg, a número 2 do Facebook, abaixo apenas de Mark Zuckerberg. Mãe de dois filhos pequenos, em San Francisco, Sheryl janta com a família todos os dias `as 6 da tarde, sem se importar se os colegas “curtem” ou não. Claro, depois de contar a história do Ursinho Pooh e colocar a prole debaixo das cobertas, ela volta para o computador para finalizar a jornada. Não é a toa que seu salário no ano passado foi de 31 milhões de dólares. Digamos que pagar babá não chega a ser um problema, mas também não é uma solução para quem almeja ser uma boa mãe. Sheryl, simpática e calorosa, virou uma espécie de guru ao promover o papel das mulheres no epicentro da tecnologia, discursar em formaturas e no Ted Talk sobre a sorte de mulheres desta geração em optar por grandes carreiras, se comparadas `as suas mães e avós. Diz que apenas 16% dos CEOs ou CFOSs usam saia, número que não aumenta desde 2002. E que para tal sucesso, é preciso de um marido e pai participante. Sheryl lembra ainda que não começou a carreira desligando o computador `as dezessete horas: ela teve de se provar o boa suficiente para se dar ao luxo de fazer isso. Pois hoje ela vale mais de um bilhão de dólares. E pode.
Ainda assim, Sheryl não deixa de ser criticada por alguns. O New York Times lembra que ela talvez tenha esquecido que nem todas as mortais usufruíram de um passado privilegiado e de mentores de primeira como ela. Diplomada em Harvard, ela foi fisgada por um ex-orientador da faculdade para trabalhar na Secretaria de Tesouro, anos antes de decidir mergulhar no mundo tecnológico. Uma matéria da revista Forbes ataca a executiva, citando uma pesquisa feita pela Universidade Bentley, perto de Boston, com mil mulheres em começo de carreira: 84% delas sabe identificar uma boa líder em suas empresas. Mas nenhuma quer seguir este caminho. O estudo conclui que o que foi e é importante para estas lideres, não é mais para estas jovens: sim, elas pretendem trabalhar duro e serem leais `as empresas. Mas em troca, querem suas vidas pessoais respeitadas.
“O problema não é sair `as cinco da tarde”, diz a publicitária carioca Alessandra Lariu, 40 anos, co-fundadora e diretora do SheSays, organização em Nova York que incentiva carreiras de mulheres no mundo da mídia digital. “As mulheres ainda não pararam para analisar a raiz do problema: o sistema de trabalho foi criado pelos homens. As mulheres apenas tentam se encaixar nele”. Ocupando a 29a posição entre “as 100 pessoas mais criativas de 2010”, segundo a revista Fast Company, Alessandra, acompanha o dilema de perto nos workshops que promove – especialmente porque também será mãe pela primeira vez no final deste ano. “Tanto esta licença maternidade como todas as outras regras foram criadas por homens. Quero ver a Sheryl e a Marissa erguerem suas próprias empresas, com regras femininas, e não feministas,” desafia. Alessandra argumenta que em companhias fundadas e lideradas por mulheres – em vez de elas serem CEOs de empresas formadas sob o paradigma masculino – as regras do jogo automaticamente favorecerão mulheres que querem dedicar parte de suas vidas `a família. “Tenho certeza que se as mulheres desenhassem carros, os veículos seriam diferentes – o mesmo vale para o mercado de trabalho”. Ela reforça que o modelo criado pela ala masculina não está errado. Mas como ele é único, as mulheres ficam sem escolhas. “Hoje não temos alternativa para o sistema tradicional”, ressalta.
Colocando mais lenha na fogueira, a professora de política e relações internacionais Anne-Marie Slaughter, 53 anos, oferece seu conselho de quem já viveu tudo isso, e explica em voz alta na capa da revista Atlantic de junho passado que “Por Que Mulheres Ainda Não Podem Ter Tudo”. Por “tudo”, ressalta ela, entende-se exercer o emprego do sonhos e dedicar-se aos filhos com qualidade. Em 14 páginas ela conta que largou um dos cargos mais cobiçados do governo Obama quando seu filho mais velho, de 14 anos, começou a apresentar problemas emocionais, que afetaram o desempenho escolar. A causa? Ausência materna. Anne-Marie mora em Princeton, Nova Jersey, com o marido e os dois filhos, o mais novo com 12 anos. Desde 2009, quando assumiu o cargo, ela pegava semanalmente o trem das 5.30 da manhã rumo a Washington DC para trabalhar até sexta, quando voltava para o lar, ao cair do sol. Os meninos ficavam com o dedicado pai, um acadêmico com horário flexível. A saga durou dois anos até ela se dar conta de que, mesmo tendo uma chefe mulher e compreensiva, chamada Hillary Clinton, a pancada trabalhista no governo extrapola qualquer limite: todas as mulheres que penduraram seus saltos altos, foram substituídas por homens.
Os EUA não estão sozinhos: de 190 chefes de estado, 9 são mulheres. Nos parlamentos elas são 30% mundialmente. Anne-Marie, que voltou a lecionar na Universidade de Princeton e dá cerca de 45 palestras por ano, diz que para acomodar mulheres no mercado de trabalho toda a sociedade deve mudar. Ela repara que nas últimas décadas, mais homens americanos tem se envolvido mais na vida dos filhos; uma colega sua, da Universidade de Harvard, nota ainda que a mais nova geração de estudantes masculinos daquela faculdade já questiona o equilíbrio entre trabalho e família. Só assim, segundo ela, a atual realidade poderá mudar. E quando o relógio bater cinco horas, todos poderão virar abóbora. # # #
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
---
voltar |



|