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Richard Wagoner Junior
20.fevereiro.2002

"Só gigantes sobrevivem"

O presidente da General Motors, líder mundial na fabricação de carros, diz que as multinacionais não querem dominar o mundo, mas a tendência é que elas se tornem cada vez maiores

Tania Menai, de Detroit

Aos 49 anos, Richard Wagoner Junior ocupa o posto de principal executivo, CEO, da maior empresa de automóveis do mundo, a General Motors, que emprega 363 000 pessoas no mundo – 19 000 delas no Brasil. A promoção, ocorrida em junho de 2000, coroou uma carreira ligada a automóveis desde a adolescência. Em pouco tempo de trabalho, Wagoner recolocou a GM na liderança do setor e trouxe de novo para a marca a imagem de inovação tecnológica que ela perdera para os fabricantes japoneses. Contrariando uma das mais caras tradições da empresa, buscou talentos no mercado e colocou-os em postos-chave na GM. Wagoner aparece hoje em todas as listas dos presidentes de empresa mais eficientes dos Estados Unidos. Casado, pai de três filhos, de 18, 16 e 11 anos, Wagoner é um velho conhecido dos brasileiros ligados ao setor automobilístico. Entre 1981 e 1987, ele ocupou diversos cargos na GM do Brasil. Em 1991 voltou ao país como presidente da subsidiária brasileira. Os dois filhos mais velhos nasceram em São Paulo, e Wagoner ainda fala português. Na semana passada, ele recebeu VEJA em seu escritório no 39º andar do imponente Renaissance Center, a lendária sede da empresa em Detroit.

Veja – O escândalo de corrupção da megaempresa de energia Enron não o assusta quando o senhor pensa que como chefe não tem controle sobre o que ocorre em todos os departamentos da empresa?
Wagoner – Sendo realista, tenho de admitir que não dá para saber de cada detalhe que acontece nas diversas unidades da empresa em todo o mundo. Mas isso talvez não seja tão decisivo. É vital para uma empresa gigantesca como a GM ter princípios consistentes de gerenciamento, bom controle financeiro e práticas sadias de auditoria. E o mais importante é estabelecer regras culturais de comportamento que sinalizem para cada funcionário claramente como agir. É simples. Funciona exatamente como o sistema mental que nos obriga a obedecer às leis dos países nos quais estamos presentes. Essa cultura define como nos relacionamos com as pessoas no trabalho – sejam fornecedores, distribuidores ou clientes. Parte do meu trabalho é justamente manter essa cultura. O sistema tem de funcionar de forma que, quando os erros são detectados, eles precisam ser corrigidos imediatamente. Não se pode tentar escondê-los. Isso é o fim.

Veja – Quando abre os olhos de manhã, em quem o senhor pensa primeiro: nos consumidores, nos funcionários ou nos acionistas?
Wagoner – A primeira coisa que faço quando chego ao escritório é checar no computador como vão as vendas. Essa é uma conexão direta com o consumidor – e os números falam por si. Isso é básico. Depois de nos certificarmos de que eles estão comprando nossos carros, devemos nos perguntar se eles estão satisfeitos com a compra, se estão tendo problemas com a garantia e se estamos respondendo a suas chamadas telefônicas com prontidão. Se não tivermos consumidores, não teremos um negócio. São eles que fornecem a receita que paga tudo o que acontece na empresa, incluindo nossos benefícios e a remuneração dos acionistas. Se alguma vez nos pegarmos preocupados demais com a parte interna da companhia ou com os acionistas de Wall Street e nem tanto com os consumidores, provavelmente estaremos enveredando para o lado errado.

Veja – Alguns economistas dizem que os acionistas poderiam ter salvado a Enron se tivessem tido acesso às informações sobre como a empresa estava sendo administrada. O senhor acredita nisso?
Wagoner – Sim. Parte do problema da Enron foi justamente não fornecer informação precisa sobre seu desempenho. Os acionistas sofreram grandes perdas. Isso serve para reforçar a importância de servir os acionistas não apenas com lucros e alta nas vendas, mas em prover comentários claros, compreensíveis e consistentes sobre os resultados financeiros e as diretrizes estratégicas da companhia. Uma grande empresa é aquela que cria riqueza para todos, clientes, acionistas e funcionários. Podemos ter uma grande tecnologia, grandes processos de fabricação, mas no fim isso tudo pode acabar em trinta dias por invigilância. Pode acabar em dez anos se o sistema for copiado por outra empresa. Num mundo competitivo como o atual, acontece a todo momento. Portanto, para funcionar com solidez a empresa precisa que seus funcionários tenham compromisso de trazer novas idéias, apontar caminhos para realizar projetos de forma mais rápida, melhor e mais barata. Cabe a nós, executivos, captar essas idéias e mostrar aos acionistas que elas funcionam. Assim eles fornecem o dinheiro que nos deixa investir, vender e empregar gente.

Veja – Como o senhor avalia o poder das multinacionais atualmente? Elas realmente são a força hegemônica do mundo globalizado?
Wagoner – Eu não diria que as grandes companhias mandam no mundo, mas é certo que todas querem ser cada vez maiores. O gigantismo é o caminho. A pergunta antigamente era: "É melhor ser grande?". Bem, essa questão já foi respondida. Pelo menos em nosso ramo, toda a indústria automobilística tem como objetivo crescer cada vez mais. Basta ver as fusões de grandes companhias que ocorreram nos últimos cinco anos. Eu diria que a pergunta é: "Quem pode ser grande e ágil?". A empresa que ganhar essa batalha terá enorme vantagem sobre as outras. Ser grande ajuda de diversas maneiras. A empresa consegue produzir mais gastando menos. Também fica mais barato captar recursos no mercado financeiro.

Veja – Mesmo sendo grande, a GM esteve em péssima situação até bem pouco tempo atrás, não?
Wagoner – Passamos quase toda a última década nos reestruturando. Agora começamos a colher os frutos desse trabalho. Restabelecemos a tradicional posição da GM como inovadora e líder da indústria automobilística. Hoje temos ótimos indicadores em vendas, resultados financeiros e criamos uma visão positiva da companhia. Isso tudo nos permite pensar no próximo passo. Fundamental foi voltarmos a ser vistos como uma empresa que está sempre pronta a satisfazer a busca do consumidor por qualidade. É assim que queremos ser percebidos pelos consumidores.

Veja – O senhor disse recentemente que o curso de MBA (pós-graduação em administração de empresas) que fez em Harvard não o ensinou a lidar com eventos como o de 11 de setembro. Afinal, o que se aprende na escola?
Wagoner – Não há livros nem cursos que ensinem alguém a ser líder. A se manter firme quando os outros estão vacilantes. No caso dos ataques terroristas de setembro, ficou claro que teríamos de encarar a decisão de cortar a produção, o que afetaria diretamente toda a economia. Essa era uma opção realista. Em seguida foi fundamental recuperar a confiança dos consumidores. Afinal, as vendas despencaram. O que fizemos direito, a meu ver, foi criar um programa de financiamento com 0% de juros. O sucesso foi maior do que esperávamos, pois vários de nossos competidores seguiram pelo mesmo caminho. De nossa parte, ficou o orgulho pelo pioneirismo no uso da idéia e por não ter de demitir ninguém por causa dos atentados. Isso serve para nos lembrar o papel de locomotiva que a indústria automobilística tem na economia americana. Isso também vale para a economia do resto do mundo. A indústria automobilística cria empregos, produz tecnologia e ajuda a melhorar a infra-estrutura dos países.

Veja – Ainda com relação à formação de executivos, o senhor acha que hoje em dia é concebível chegar a executivo-chefe sem ter diploma de MBA?
Wagoner – Sem dúvida. O mais entusiasmante no capitalismo e no mundo dos negócios é sua dependência da diversidade das pessoas. Convenhamos que os cursos de MBA propiciam um processo de educação adequado, mas convencional. Uma vez no mundo real, o sucesso virá como conseqüência dos próprios méritos das pessoas. Estudar nas melhores escolas não é garantia de sucesso na vida empresarial. Quando uma pessoa entra no mercado de trabalho, ela passa a ser julgada por seus méritos e resultados, e não pelos diplomas que carrega. Obviamente o diploma de uma grande universidade ajuda no começo. Mas ele não substitui a capacidade individual, a capacidade de trabalhar em grupo, única maneira hoje em dia de obter resultados eficientes.

Veja – Os números recentes americanos mostram que a economia está voltando a crescer. O pior já passou?
Wagoner – Estamos ainda passando por momentos difíceis, mas me parece claro que o estrago não chegou nem perto do que parecia inevitável há alguns meses. Em boa parte, acredito que isso se deva ao empenho da indústria automobilística em trazer consumidores de volta às compras, em restabelecer a confiança das pessoas no desempenho da economia.

Veja – Que avaliação o senhor faz do mercado brasileiro?
Wagoner – O mercado brasileiro é forte e crescente. O volume de venda de carros ainda é bastante baixo em relação ao tamanho do país e ao grau de desenvolvimento da economia. Então as projeções de crescimento doméstico são grandes. Além disso, tanto a GM quanto as outras montadoras desenvolveram uma indústria no Brasil que está apta a fabricar produtos com chance de competir no mercado internacional. Neste ano planejamos lançar três ou quatro produtos no país, a começar pelo novo Corsa. Descobrimos que o sucesso no Brasil em nosso ramo depende do lançamento de modelos. Antigamente, na época em que eu trabalhava na GM brasileira, os consumidores ficavam com o mesmo carro ou caminhão durante anos. Hoje há uma demanda muito mais elétrica por novos modelos.

Veja – O senhor acha que sua experiência no Brasil tem similaridade com a trajetória do brasileiro Carlos Ghosn, que se tornou uma celebridade no mundo dos negócios ao revitalizar a Nissan no Japão?
Wagoner – Interessante. Nunca conversei muito sobre isso com Carlos Ghosn. Mas suspeito que tenhamos aprendido algumas coisas em comum trabalhando no Brasil. O mercado brasileiro, especialmente no primeiro período em que trabalhei no país, no começo dos anos 80, não crescia muito. A concorrência era briga de verdade. O governo estava sempre mudando as regras do jogo. A inflação era alta. Esse ambiente exigia dos executivos desempenho máximo todos os dias. Nos anos 90, quando voltei a trabalhar no Brasil, dessa vez como presidente da GM, o país estava se abrindo ao exterior. Foi outra mudança drástica. Tivemos de reagir e trazer modelos do exterior. Mudanças nem sempre são ruins para as empresas. Se você está no controle, elas podem ser bastante positivas. O grande aprendizado brasileiro, portanto, foi tratar o negócio avaliando-o todos os dias. Isso me ajudou muito a reagir rapidamente às mudanças bruscas, sejam elas econômicas ou políticas.

Veja – Além dos óbvios ganhos sociais e do desejo de projetar uma imagem politicamente correta, por que as empresas americanas são tão obcecadas em contratar e promover funcionários de minorias raciais e mulheres?
Wagoner – O perfil do consumidor está cada vez mais diversificado, por isso é importante ter um time administrativo também diversificado para se identificar com o consumidor das mais diferentes maneiras.

Veja – Nas filiais estrangeiras, mesmo a brasileira, esse objetivo não é tão perseguido. Por quê?
Wagoner – Não seria apropriado implementar os padrões americanos nos outros países e culturas, mas, certamente, estamos procurando oferecer oportunidades de avanço às mulheres e às minorias em todas as nossas filiais do mundo.

Veja – Os carros atualmente poluem bem menos que no passado. Chegará o dia em que não poluirão nada?
Wagoner – O nível de emissão de poluentes dos carros diminuiu, dependendo da substância tóxica, de 96% a 99% no decorrer dos últimos trinta anos. Em média, os veículos consomem a metade do combustível que consumiam há dez anos. Houve um enorme progresso, mas a sociedade espera mais. Portanto, vamos fazer mais. A questão é: como?. Precisamos resolver essa equação, e nosso objetivo é muito claro. Queremos tirar o automóvel da lista dos problemas ambientais. Esse é um objetivo ambicioso, mas estamos investindo nisso. Dependemos da tecnologia, que felizmente é um dos pontos fortes de nossa indústria. Pela nossa avaliação, estaremos vendendo carros movidos a hidrogênio dentro de dez anos. A poluição deles será igual a zero, porém isso tem um custo. Se um cliente pode comprar hoje um veículo por 10.000 dólares, ele terá de pagar o dobro por um movido a hidrogênio. Todavia, com o tempo as dificuldades vão diminuir. Os governos têm interesse em automóveis que usem combustíveis alternativos, seja para diminuir sua dependência de petróleo importado, seja para melhorar a qualidade do ar das grandes cidades. Por isso, contamos que a indústria terá ajuda externa para construir carros não poluentes.

Veja – Seus dois filhos mais velhos, de 18 e 16 anos, já dirigem automóveis. O que o preocupa quando eles estão ao volante?
Wagoner – Nada como ter os próprios filhos dirigindo para focar o assunto. A prioridade a meu ver é treinamento. Não apenas fazer auto-escola e obter uma carteira de motorista. A questão é efetivamente saber dirigir. Nosso segundo filho acaba de tirar carteira, mas achamos que ele precisa de mais treino de direção. Então nos últimos fins de semana eu o tenho acompanhado nas auto-estradas e no tráfego urbano para ele ganhar mais confiança. Essa responsabilidade é dos pais, e não das autoridades de trânsito. É importante reforçar na cabeça dos jovens que o estéreo do carro não deve distraí-los da direção. Um ponto que enfatizo com eles é a chamada "direção defensiva". Ou seja, dirigir considerando seriamente a hipótese de os outros motoristas estarem desatentos e propensos a erros. Esse ponto é de difícil compreensão para os jovens. Nunca acredite num sinal verde. A passagem só está livre quando se olha para os dois lados da pista e não há carros desrespeitando o semáforo.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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