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Joel Sartore
10.agosto.2005

Só o turismo salva o Pantanal

Tania Menai

“Há vida em todas as direções. Este lugar molhado alimenta-se de si próprio. No Pantanal, é vida e morte, o dia todo, a noite toda”, escreveu o fotógrafo americano Joel Sartore em seu diário de bordo. Autor das fotos que inundam 26 páginas da edição de agosto da revista “National Geographic” e da sua versão brasileira, Sartore fez quatro expedições ao Pantanal Mato-grossense em 2003, cada uma de três semanas. O objetivo era captar a exuberância da região, que já foi declarada Patrimônio Natural da Humanidade por ser uma das áreas de maior biodiversidade do mundo. Dos mais de novecentos rolos de filme usados, quinze fotos foram selecionadas para acompanhar o texto da jornalista Susan McGrath, que lá esteve separada de Sartore.

Natural do Nebraska e pai de três crianças, Sartore brinca de Indiana Jones fora de casa. Fotógrafo da revista há 16 anos, é um convicto defensor do meio-ambiente, acha que tudo o que se move é sagrado e, acima de tudo, respeita a fauna e a flora que fotografa. Mas não mede esforços por uma boa imagem. Já correu de ursos imensos, de lobos e de um lenhador bêbado. Já passou maus bocados em pequenos aviões e helicópteros. Também já viu um pedaço de penhasco cair sobre si, estilo Papa Léguas. Em fotos do Pantanal, nosso herói mostra os pés tomados por bolhas e aparece inclinado em direção a jacarés que, a poucos centímetros de distância, “sorriem” para sua lente. Quase virou almoço de uma simpática sucuri. Por sorte, o réptil preferiu uma garça-branca, imagem captada por ele e estourada em duas páginas da revista.

As emoções pantaneiras do fotógrafo de Nebraska foram acompanhadas de perto pelo biólogo paulista Daniel De Granville, que trabalha na região desde 1994. Foi ele quem bolou a viagem e guiou o fotógrafo nas quatro expedições, merecendo elogios públicos do americano num texto sobre os bastidores da reportagem. “Quando se fala em natureza, os estrangeiros pensam na Amazônia, mas o Pantanal é o melhor lugar das Américas para se ver diversidade de fauna”, diz Daniel, que trabalhou dez meses para a revista – seis meses na preparação e quase quatro em expedições - e auxiliou na revisão final dos textos e legendas. “Ainda assim, tivemos de nos apressar. A revista cobra muito do fotógrafo, é muita pressão. Hoje, não se pode mais fazer uma foto normal. Todas têm de ser espetaculares”, conta o biólogo. “E o Sartore não pára um minuto.”

Daniel fez de tudo: ensinou a Sartore que o sinal de OK no Brasil se faz com o dedão para cima, ligou para fazendas e escalou árvores em busca de ninhos de tuiuiús até encontrar o cenário ideal para uma foto, plantou-se com Sartore por 40 horas – em diferentes períodos, somados, é claro - numa plataforma de dois metros por dois, em silêncio, na espera paciente de que um macaco bugio desse o ar da graça. Daniel chegou a andar com água até o joelho, cercado por jacarés, para segurar a caixa com a câmera de Sartore, que usava controle remoto para fotografar cenas debaixo d’água.

“Nos demos muito bem. O Sartore sabe respeitar os pantaneiros e as pessoas de que precisamos. Caso contrário, nada teria dado certo”, diz Daniel. “Fotógrafos de outros veículos, que se acham estrelas, já deixaram todo mundo infeliz e acabaram prejudicando seu próprio trabalho”, lembra o biólogo brasileiro. A dupla foi acompanhada por Vavá, motorista para todas as horas e lamas. Em lugares fechados para carros, Sartore e Daniel apelaram para avião, barco, cavalo, canoa e o que mais estivesse disponível. “Visitamos fazendas fechadas ao turismo; algumas recebem pesquisadores, outras nem isso”, explica Daniel.

Além de guia, Daniel também é fotógrafo de natureza e chegou a escrever um texto no site da revista
alertando sobre os perigos de atropelamento dos animais no Pantanal. É ele o autor das belas fotos de nossa reportagem, pois as imagens da “National Geographic” têm embargo de 90 dias antes de serem publicadas fora da revista. O elétrico Sartore, por sua vez, conversou com NoMínimo de um orelhão em Walker, cidade de Minnesotta, onde sua família passava férias. Apaixonado e falante, acabava de chegar do Alaska, onde prepara mais uma matéria para a sua amada revista.

Por que a “National Geographic” escolheu o Pantanal?

Porque é um lugar espetacular, com muita vida selvagem relativamente fácil de ser vista se compararmos a uma floresta fechada. No Pantanal, as espécies ficam em lugares abertos, de fácil visibilidade. A revista nunca tinha escrito sobre esta região, os editores estavam bastante interessados em saber sobre este lugar. As fazendas do Pantanal têm diferentes atrativos – numa, você pode ver macacos; noutra, araras; e por aí vai. Isso favorece a concentração no que estamos fazendo. Em vez de fotografar tudo de uma só vez, somos capazes de escolher um tema por vez e focar nele. Além disso, os fazendeiros, ao mesmo tempo que cuidam de gado, sabem administrar o ecoturismo muito bem. Há vários lugares bons para se hospedar, alguns até com ar-condicionado. A comida sempre era muito boa, o turista fica bem instalado, anda-se a cavalo - a vida selvagem de lá está acostumada à presença humana.

Algum incidente ocorreu durante as suas incursões pantaneiras?

Nesta viagem, foi o Daniel quem levou uma picada de um berne na cabeça. Passou alguns dias sofrendo reações diversas, como umas dores terríveis na musculatura da nuca e da base da cabeça, além de uns enormes nódulos linfáticos ao longo do pescoço. Um dia, acordou com torcicolo. Aí, contratamos um avião para levá-lo a um hospital de Cuiabá. Mas, em geral, em países estrangeiros, o problema mais comum é a indigestão. Temos diversos problemas de estômago nessas viagens. Também já fui muito mordido por mosquitos e diferentes insetos, mas nunca por algo maior que isso. Por sinal, são as coisinhas pequenas que causam os grandes perigos – nesta viagem ao Pantanal, me morderam na perna esquerda. Pensei que ia contrair leishmaniose novamente, como me acontecera no Peru. Mas, no Brasil, foi ficou tudo bem. Eu estava em forma, nada ocorreu, além dos habituais problemas de estômago.

O Daniel contou que você luta para deixar o lugar que fotografa melhor do que como encontrou. O quão importante é manter esta conduta?

Isso é muito importante, mas tudo neste mundo tem de ganhar um valor para que possa ser preservado. O mesmo conceito vale para a vida selvagem. No Pantanal, esse valor é dado por meio do ecoturismo. Por isso, é muito importante que essas fazendas ganhem total, ou pelo menos parte de seu sustento mostrando às pessoas as belezas da vida selvagem que elas abrigam. Caso contrário, haverá menos motivos para salvar toda esta natureza. Quando um lugar não tem valor econômico, é muito difícil conservá-lo. Infelizmente, esta é a maneira como o mundo funciona. Vivemos numa economia globalizada. O pessoal do Pantanal passou a fazer um ótimo trabalho quando se deu conta de que pode ganhar dinheiro recebendo visitantes. Este turismo ajuda a preservar o lugar.

E o que ameaça o Pantantal hoje?

Primeiramente, a agricultura industrial nos planaltos que circundam o Pantanal. Tocamos neste assunto em nossa matéria, inclusive fotografei um trator trabalhando a terra. Estas terras são usadas principalmente para o cultivo de soja e algodão; os pesticidas e os químicos que são usados neste cultivo, juntamente com lodo, chegam ao Pantanal levados pela água da chuva. Isso, no longo prazo, pode matar o Pantanal. É muito importante que as pessoas se conscientizem de que futuramente esta região será morta pela agricultura industrial. E não pelo turismo. O turismo é que vai salvar a região. Mas, ao mesmo tempo, é muito difícil parar uma grande indústria de agricultura.

Dos lugares que você já fotografou, quais as regiões que usam o ecoturismo de forma exemplar?

Botsuana e África do Sul estão fazendo um ótimo trabalho. O Parque Nacional do Manu, no Peru, também é um bom exemplo. Há vários lugares que lucram bastante ao mostrar sua natureza a visitantes. Em Botsuana e na África do Sul, além do ecoturismo, eles sabem usar a caça como recurso econômico. Este é um grande esporte na África. Pode parecer estranho, mas não é algo totalmente destrutivo. A caça dá um valor às espécies selvagens e permite às autoridades estabelecer limites. Assim, não há caça clandestina nem gente morando nas reservas ambientais. Quando se injeta dinheiro para preservar o mundo selvagem, ajuda-se a salvar a região. Dinheiro é o que depreda estes lugares e também o que os salva.

É curioso aprender que a própria caça pode ajudar a preservar espécies.

Em todas as áreas onde a vida selvagem é usada como recurso econômico, pode-se caçar animais que não estão em perigo de extinção. Basta que esteja aberta a temporada para isso. Na África, há temporadas para caça de búfalos, antílopes e outros animais. Normalmente, é o próprio habitat que provoca a extinção de uma espécie. Se o habitat estiver bem preservado, pode-se permitir a caça. Este esporte valoriza a vida selvagem. Se as pessoas sabem que podem viver bem da caça controlada, aí está uma razão a mais para preservar a natureza.

Viajar já virou um vício?

Não. A cada ano, passo quase seis meses com o pé na estrada, somando as idas e vindas. Tenho feito isso há tanto tempo que já não gosto muito de viajar. O Pantanal foi a melhor matéria que fiz no exterior, por causa do Daniel. Ele é o melhor guia que já tive. Ele é um ótimo ser humano, nos divertimos muito – fiquei triste quando a viagem terminou. Mas, já viajei tanto em minha carreira que também gosto de não ter de viajar. Quanto tenho tempo de férias, viajar é a última coisa que gosto de fazer.

E como nasceu este casamento entre a fotografia e natureza?

Comecei fotografando diversas regiões dos EUA e vi que muitas estavam depredadas por superpopulação humana, derrubada e transporte de madeira, mineração ou semeadores mecânicos. Então, acabei buscando essas histórias e descobri que várias espécies em diversos lugares precisavam da minha ajuda. Gosto de saber que uma câmera pode dar voz a lugares que nunca seriam vistos se não fosse uma reportagem. Algumas espécies podem entrar em extinção se não receberem atenção e ajuda. É isso que me leva a fazer este trabalho – é uma maneira de poder salvar a Terra de alguma forma.

Alguma de suas matérias já levou a reações positivas para salvar algum animal ou lugar?

Sim, no Parque Nacional Madidi, na Bolívia. Fizemos uma reportagem logo que o parque foi criado. E o presidente do país estava pensando em fazer uma represa hidrelétrica que inundaria grande parte dos 2600 quilômetros quadrados de floresta tropical. Quando a matéria foi publicada, citando esta ameaça, eles desistiram da hidrelétrica. Não sei se eles teriam conseguido financiamento para construí-la, já que era uma péssima idéia, mas espero que a nossa matéria tenha ajudado nesta decisão.

Como vai a fotografia em comparação com a época em que você começou?

Melhor do que nunca. Hoje, é difícil tirar uma foto surpreendente ou impressionante de natureza por causa de todas as coisas que estão sendo feitas. A tecnologia digital está melhorando a fotografia – e é possível ver o resultado na hora. Contudo, a imagem digital não é algo que se possa arquivar com muita qualidade. A partir do momento em que você cria a sua imagem, ela começa a se tornar obsoleta porque é escrita em uma linguagem de software. E também porque este arquivo terá de ser atualizado ao longo dos anos – CDs, DVDs e drives não duram para sempre. Depois de uns quatro ou cinco anos. Você tem de converter tudo. Mas a tecnologia digital é uma ótima forma de fotografar, é a maneira que será utilizada por todo mundo – é algo muito bom momentaneamente, mas não para o longo prazo, para daqui a 20, 30, 40 anos. Quem usa filmes sempre terá as fotos. Quem usa câmera digital sempre terá o trabalho de manutenção das fotos. A melhor coisa a fazer é imprimir. É muito importante poder ver uma foto sem precisar de um computador. Ainda uso filme, mas devo partir para o digital.

O diretor de marketing da B&H, loja em Nova York tida como o templo dos fotógrafos, disse que “o importante não é o martelo, mas o carpinteiro”. Você concorda?

Essa é uma idéia brilhante. Concordo. Há muita ênfase hoje em computadores e no retoque de imagem; mas, em primeiro lugar, é preciso saber ver e tirar boas fotos.


A “National Geographic” é uma das revistas de melhor reputação no mundo. O que os demais jornalistas e fotógrafos devem aprender com vocês?

Ter calma para tentar apurar as matérias corretamente. Quanto mais tempo você gastar em algo, mais você aprende – e melhor e mais equilibrada será a sua cobertura. Meu trabalho é mostrar às pessoas diferentes partes do mundo e educá-las sobre o que está acontecendo. Meu trabalho não é ter um discurso pré-estabelecido, mas apenas contar bem as histórias, sempre falando a verdade. Espero que os leitores saibam apreciar o quão honesta é a revista.

O que você sente ao abrir a revista e ver que um editor de fotografia escolheu uma foto que, em sua opinião, não é a melhor?
A “National Geographic” é a única revista que paga ao fotógrafo para ir a Washington DC, sede da empresa, ajudar na edição da reportagem. E também nos chamam para ajudar a paginar as fotos na revista. Nunca somos pegos de surpresa ao abrir as páginas, pois ajudamos a escolhê-las. Todas as outras revistas escolhem as fotos sem consultar o fotógrafo. E muitas vezes, sim, é muito frustrante, mas isso não acontece na “National Geographic”. Sempre sabemos o que está acontecendo na parte editorial. Além disso, eles nos provêem com câmeras, lentes, filmes, material de ponta. É um ótimo lugar para trabalhar, em todos os sentidos.

É difícil voltar para a rotina depois de tanta agitação?

Quando volto para casa, gosto da tranqüilidade. Não procuro agitação. Se você pensar que o mundo é meu escritório, você pode imaginar o quanto de agitação eu tenho nele. Quando volto para casa, tento ler meus e-mails, e fazer com que a minha cachorra se acostume novamente comigo para que ela não me morda. Também fico com o meu filho de quase dois anos, para que ele saiba novamente quem eu sou. Se eu mantivesse essa agitação o ano todo, eu não agüentaria.

Antes de colocar suas crianças para dormir, você lê histórias infantis ou conta a elas suas próprias aventuras?

Conto a elas muitas das minhas histórias. Mas já contei tantas que elas não querem mais ouví-las. Quase tenho de pagar hora-extra para que me ouçam. São elas que querem me contar o que fizeram durante minha ausência, não querem saber das minhas aventuras. Nem sequer vêem a revista. Quando o fazem, apenas dão uma leve folheada. Isso não é incrível?


Sites relacionados
www.joelsartore.com
www.fotograma.com.br


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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