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Oliver Stone
26.setembro.2006

A Vida Saída das Torres Gêmeas

Tania Menai, de Nova York

26.09.2006 | Da mesma forma como alguns cariocas que se recusam a assistir ao filme “Cidade de Deus”, porque acham a violência retratada muito próxima à realidade, alguns nova-iorquinos também evitaram “As Torres Gêmeas”, filme sobre os atentados de 11 de setembro. Lançada nos Estados Unidos em agosto passado e meticulosamente “documental”, a nova obra de Oliver Stone arrepia desde o primeiro momento, quando Nova York amanhece naquela terça-feira, como todos os dias: pessoas ainda sonolentas na plataforma do metrô, caminhões fazendo entregas, pais deixando suas casas para trabalhar. Mais um dia na cidade que nunca dorme. Mas naquela noite, ela, de fato, não iria para a cama.

Produzido e filmado em apenas um ano, o filme de Stone conta a história de John McLoughin e Will Jimeno, dois policiais da unidade do Porth Authority Police Department (PAPD), que trabalhavam vigiando a rodoviária de Manhattan. Naquela manhã, foram realocados para as Torres Gêmeas, assim como todos os batalhões da cidade abaixo da rua 63. Chegaram lá, como todos os outros, sem saber o que os esperava. John, um veterano vivido por Nicholas Cage, já tinha trabalhado nas torres. Sabia onde ficavam os equipamentos de segurança, no subsolo. Levou sua equipe até a porta e perguntou quem se oferecia para entrar no prédio em chamas. Will, policial há apenas oito meses, interpretado por Michael Peña (que participou de “Crash”, vencedor do Oscar deste ano), foi um deles.

Quem conheceu as torres por dentro reconhece no filme cada canto do lobby – de repente, tudo começa a tremer e o resto é história. Will e John ficaram presos por quase um dia, praticamente lado a lado – mas tiveram mais sorte do que os 343 policiais e bombeiros que perderam a vida naquela manhã. Estiveram entre os 20 resgatados por equipes de socorro. A cada vida resgatada, todos paravam e saudavam o sobrevivente com uma salva de palmas. O filme, contado sob a ótica de ambos, de suas mulheres e do soldado que os encontrou, ressalta a perplexidade e a solidariedade dos nova-iorquinos naquele dia. Não há cenas de aviões, não há Osama bin Laden, não há política. Trata-se de uma história de sobrevivência que poderia ter acontecido após qualquer terremoto ou tsunami.

Recebido com alguma controvérsia pelos que acham cedo para mostrar a tragédia no cinema, o filme se manteve no terceiro lugar da bilheteria nas duas primeiras semanas de estréia nos Estados Unidos e no Canadá. Faturou pouco mais de 45 milhões de dólares no período. Oliver Stone, que trabalhou lado a lado com os sobreviventes e com mais 50 homens que participaram dos resgates, diz que jamais poderia ter reconstruído as cenas com tal precisão, não fosse a memória, ainda fresca, de quem esteve lá. Segundo ele, não há hora certa para mostrar tragédias. O importante é documentá-las. O filme, que estréia no Brasil no dia 29 de setembro, doa 10% de sua bilheteria para ajuda às vítimas. Stone, simpático e de fala mansa, conversou com NoMínimo tomando um café no escritório da Paramount, em New York.

Onde o senhor estava no 11 de setembro?

Dormindo, em Los Angeles. Eram 5h30 da manhã. Minha mulher me acordou e vi as imagens na televisão. Eram horrendas. Mas aquilo me afetou mais no domigo seguinte do que naquela terça-feira. Fiquei muito triste pelas viúvas e pelos órfãos das vítimas. Domingo é o dia em que os maridos voltam para casa. Nenhum deles estaria lá naquele dia – e isso, de fato, me atingiu. Até então, minha semana continuou normalmente, trabalhei como qualquer americano. Já vi vários desastres, vi muita gente assassinada na guerra do Vietnã. Assisti à morte de JFK, vi Watergate, a nave Challenger, as eleições do ano 2000. Passamos por muita coisa neste país nos últimos anos em termos de psiquê. Sim, 11 de setembro foi um desastre espetacularmente horrível, mas não foi uma mudança global. Uma pessoa mais velha talvez tenha a perspectiva de que este não foi, necessariamente, o fim nem o começo de uma nova guerra.

O senhor pensava em fazer um filme sobre o assunto até o roteiro cair em suas mãos?

Nunca pensei em fazer a história de 2001, nem pensei que 2001 tinha sido desta forma. Eu nem sabia dos 20 sobreviventes que foram retirados dos escombros. Mas produtores e roteiristas mergulharam fundo para aprender o máximo sobre John, Will e suas mulheres. O roteiro não estava pronto para ser rodado, mas era bastante inspirador. Ainda assim, eu não estava pronto para assumi-lo imediatamente. Este roteiro foi recusado por outros diretores e atores. Além disso, os estúdios não me queriam. Seis meses se passaram, esqueci do assunto. Em maio de 2005 ainda não havia ninguém para filmar, então voltaram para mim. Aí, não hesitei. É uma grande história, porque verdadeira. Como outros diretores recusaram? Estou feliz por tê-la feito. O processo levou cinco anos: dois anos para John e Will se recuperarem dos ferimentos e processarem os acontecimentos. No terceiro ano entraram os produtores. No quarto ano, eu entrei.

Após o 11 de setembro, Hollywood apagou as Torres Gêmeas de seus filmes em produção. Reapareceram discretamente, ano passado, em “Munique”, de Spielberg. Agora, o senhor nos leva para debaixo dos escombros. Isso significa que, em cinco anos, passamos da negação à aceitação?

Sim. Eu já estou na fase da aceitação, mas não sei se todo mundo está. Trata-se de um problema nacional, que foi politizado. Eu estava em Nova York em outubro de 2001. Na época dizia-se que ninguém iria lançar filmes com conteúdo realista ou violento. Houve uma fase de retração. E eu fui contra: achava que era a hora de fazer algo com uma visão sóbria sobre o terrorismo. Mas nenhum estúdio iria fazer um filme destes. Então continuei meu trabalho, deixei este mundo durante três anos para viver na era de “Alexandre”, há mais de dois mil anos. Foi ótimo. De 2001 até agora tem sido um período muito complicado para estar nos Estados Unidos. Ao terminar “Alexandre”, em 2004, recebi o roteiro de World Trade Center, assim, do nada. Minha agente me entregou e disse: “Não sei se este filme receberá financiamento, se fará um centavo na bilheteria. Mas o roteiro me tocou”. E eu tive a mesma reação.

Porque mostra o lado humano que, até então, Nova York não conhecia?

Os americanos interagiram bastante naquele dia: a maioria das pessoas cuidou uma das outras. Esses homens e mulheres nos mostraram coragem ao encarar a morte. Eles não deixaram o medo dominá-los. O soldado que aparece neste filme, que larga sua cidade e vai resgatar pessoas no meio dos escombros, foi protagonista de uma impressionante história de heroísmo. Eu quis também mostrar que, naquele dia, o mundo estava conosco. Mas, no dia 12 de setembro, tudo isso mudou – virou política. Hoje as crianças nem querem ouvir falar do 11 de setembro por causa disso. A beleza deste filme é mostrar o lado humano e não o político. Ele mostra o que aconteceu de verdade, com gente de verdade. É um testemunho, um memorial. Eu estive no Vietnã, e me incomoda ver filmes sobre a guerra que não refletem o que vimos nos campos de batalha. Tento colocar uma testemunha em quase todos os meus filmes. Assim foi com “Nascido em 4 de Julho” e até “JFK”, controverso como é. É importante buscar a verdade e contá-la.

Este foi o evento mais documentado do mundo. Ao mesmo tempo que o senhor teve bastante material de referência, há um público imenso que pode dizer o que está certo ou errado. Isso dificulta?

Você faz o melhor que pode. Tivemos aconselhamento o tempo todo. Mas filmamos sob o ponto de vista dos dois policiais, de suas esposas e do soldado que participou do resgate. Will foi encontrado às 7h30 da noite, mas só foi retirado à meia-noite, ou seja, ficou preso por 14 horas. John ficou lá embaixo por 22 horas. Tudo o que eles testemunharam, colocamos no filme. Sem dizer que tivemos de contar o que aconteceu em 24 horas em duas horas de filmes. Fizemos escolhas e omissões. Mas estávamos em boas mãos.

Quão importante foi a sua conexão com Will e John, sobreviventes do atentado?

Foi crucial. Sem eles e suas esposas eu não poderia ter feito este filme. Sem falar de 50 homens que fizeram parte da equipe de resgate. Eles me deram todos os detalhes daquele dia, como chegar lá sem equipamentos ou idéia do que os esperava. Este filme poderia ter sido um clichê sobre resgate, poderia até ter sido feito para a TV, se alguém tivesse descoberto este roteiro. O que me surpreendeu, no entanto, foram detalhes como a cena em que uma das esposas entra no hospital e vê pedras pretas sendo retiradas da boca de seu marido. Ninguém tinha pensado nisso antes, ou na dificuldade do resgate, ou nas cenas de casa, que mostram as pequenas coisas da vida.

Este filme trata, sobretudo, de sobrevivência. Qual o desafio de dirigir atores que não podem se mover?

O que acontece à beira da morte? Estas são as cenas centrais do filme. Nicolas Cage atuou de uma forma muito sólida e delicada. Às vezes, a tensão do filme vem da ajuda entre os dois policiais. Quando Will começa a dormir, John tenta mantê-lo acordado. Will tem uma visão de Jesus e isso ajuda a revigorá-lo. John teve ferimentos muitos piores, fica sonâmbulo, mas a dor o impedia de cair no sono. É aí que aparecem as imagens de sua mulher. As equipes de resgate gritam com ele durante as buscas, mas ele não responde. Este é um elemento importante para um drama: ele vai conseguir ou não? A maioria do público já sabe que ele sobrevive. Mas não importa: ao ver o filme você esquece disso.

Por que o senhor escolheu Nicolas Cage e Michael Peña para os papéis?

Tive muita sorte. Ambos estavam disponíveis, são ótimos atores e fisicamente parecidos com os personagens reais. As personalidades também são parecidas. Nicolas é um ator muito dinâmico, um dos melhores atores de sua geração. Ainda assim, aqui ele faz o papel de um homem mais velho, calado, frio. Uma pessoa difícil. Ao longo do filme ele se abre, como uma flor, mesmo que só um pouquinho. Will é um homem exuberante, nascido na Colômbia. E Michael, que interpreta Will, é do México. Michael é mais relaxado, Will é mais elétrico e aberto. Michael reclamava que frases ditas por Will como ”sempre quis ser um policial” eram clichê. Mas ao conhecer Will você compreende. Ele tinha um tremendo orgulho de ser um policial. Ao conviver com Will para este papel, Michael tornou-se menos mexicano, mais colombiano. Não que mexicanos não tenham vigor, mas ele era o típico mexicano relaxado de Los Angeles. E Will é nova-iorquino, aquele que não perde tempo, que vai direto ao assunto.

Por que o aspecto religioso, cristão, é tão forte no filme?

Porque a religião era algo forte para ambos os homens, para o soldado e para a mãe de Will. Para Will, ainda preso nos escombros, a visão de Jesus foi o que mais o ajudou, apesar do amor pela mulher e de querer ver o nascimento do bebê que ela esperava. Mostramos John rezando quando ele estava prestes a morrer depois do terceiro desabamento do buraco onde eles estavam. Mas ele pensava mais na família – ele tem quatro filhos. Mostramos ainda que em seu casamento um já não valorizava o outro, já não se olhavam mais. E foi isso que aconteceu naquele domingo, dias após o atentado. As pessoas se deram conta de que seus maridos ou mulheres não iriam mais voltar para casa. São as pequenas coisas da vida que te atingem. John não estaria mais ali para fazer os trabalhos de marcenaria da casa, atividade que ele gostava. E foi a conexão com a esposa que o ajudou a sobreviver. John é um cara durão. É um dos caras mais durões que conheci, e olha que conheci vários. Em momento algum ele teve pena de si mesmo. Ele sempre nos disse que, naquele buraco, pensava apenas no quanto decepcionou a família por ter ficado preso naquele desabamento.

Em algum momento do filme o senhor se emocionou?

Emocionei-me em vários momentos. Filmamos vários close-ups no buraco e em casa. Todos os envolvidos no filme sabiam que se tratava da celebração do espírito humano: é clichê, mas funciona se mostrarmos o que vai além do clichê. É importante mostrar gente de verdade. O público precisa de pessoas que o renovem, que o façam acreditar em coisas boas novamente. O mundo é um lugar difícil, todos nós sabemos disso. Para se dar um pequeno passo a cada dia, é preciso ter uma vela na escuridão. Este filme é uma vela na escuridão.

Como o senhor reconstruiu o cenário depois batizado de Ground Zero?

Construimos os destroços num set de Los Angeles. Na parte interior, os atores estavam pendurados em módulos, para que pudéssemos filmar de vários ângulos. Foi bem complicado. Muita fumaça, muita dor de cabeça e muita maquiagem também. As filmagens não passaram de dois meses. O orçamento para este filme foi modesto. E como tivemos de construir muito, reduzimos os salários de todos. O dinheiro está nas telas. Além disso, foi muito complicado filmar em Nova York. Rodamos um terço do filme aqui. A cidade estava muito sensível. Proibiram-nos de mostrar papéis voando pelos ares. Não permitiram nem figurantes olhando para cima nas ruas, para evitar aquele sentimento de perigo. Nosso limite de proximidade eram duas quadras ao norte do World Trade Center. Mais perto do que isso era proibido. O resto misturamos com imagens gravadas em Los Angeles, além de efeitos de computador.

O senhor é nova-iorquino. Este filme o reconectou à cidade de alguma forma?

Sim, de várias. Foi muito bom estar cercado pelo sotaque de Nova York, de Nova Jersey, de Long Island e do Brooklyn. Amo a maneira como as pessoas falam aqui. Mas também adorei estar com os policiais e com os bombeiros. Filmamos muito também nos subúrbios. Adoro interagir com as pessoas da classe trabalhadora, como fiz em “Platoon”. Sempre digo que eles são a espinha dorsal deste país. Mostro também isso em “Nascido em 4 de Julho” e até em “Wall Street”, que tinha um personagem envolvido com o sindicato. Gosto de filmes sobre a classe trabalhadora, gostaria que fizéssemos mais estes filmes nos Estados Unidos. Não fazemos o suficiente.

Apesar de o filme ser apolítico, ainda lhe pedem sua opinião sobre os Estados Unidos de hoje, não?

Sim, sempre perguntam minha opinião sobre a guerra contra o terrorismo. Mas este filme é sobre dois policiais, suas famílias e sobre a bondade que surgiu naquele dia. A minha opinião sobre a guerra seria uma distração. Talvez renda um outro filme, talvez eu devesse fazê-lo. Mas este tem sido bem recebido tanto pela direita quanto pela esquerda. É um filme sobre o coração, e é o coração que nos tira da guerra. Se todos nos conectarmos e nos dermos conta de que precisamos uns dos outros, o mundo voltará à sanidade. Ainda há sanidade, ainda há pessoas boas. Há extremistas e assassinos também. Mas eles não são a maioria. E nem estão perto de ser. Desequilibrar a moderação da nossa sociedade é o maior perigo de todos os tempos.

Muitos nova-iorquinos dizem que as Torres Gêmeas tinham arquitetura arrogante, além de serem desproporcionais e desconectadas da cidade. O senhor concorda?

Não. Elas faziam parte da silhueta sul da ilha de Manhattan. Foi uma coisa terrível que aconteceu ali. Não só porque arrancou a vida de cidadãos de 87 países, mas porque aquele era o World Trade Center. Aquele foi um ataque ao capitalismo, à globolização. Houve um aspecto ideológico muito forte naqueles ataques. Foi um ataque simbólico. Os terroristas sabiam bem o que queriam. Tinham um recado para dar. Eles não atacaram Oklahoma. Eles atacaram o World Trade Center. Aqueles prédios significavam muito para New York.



[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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