O pão nosso de cada dia
15.outubro.2006
Tania Menai, de Bruxelas
Numa cidade individualista como Nova York, é difícil imaginar que alguém dividiria, feliz, uma mesa de restaurante de cerca 30 lugares com desconhecidos. Mas talvez seja este ambiente estilo fazenda um dos segredos do sucesso e da expansão meteórica da cadeia belga Le Pain Quotidien. Com 16 anos de história, e 23 restaurantes na Bélgica, a marca entrou nos EUA em 1997, e hoje mantém 18 franquias em Manhattan e oito em Los Angeles. Na Europa, eles estão presentes em Roma, Londres, Genebra - e só na França são 16 localidades. A expansão continua por Beirute, Istambul, Quatar e Quait, sem contar a novidade: Moscou. América Latina? Ainda não. “Mas estamos sempre abertos à conversa”, diz à EXAME Harry De Landtsheer, responsável pelos 23 restaurantes na Bélgica.
“Não há complexidade: não usamos fritura, não servimos bife, nem usamos forno – o máximo que fazemos é esquentar a sopa”, conta. O segredo da expansão é fazer com que ela mesma não acabe com o espírito da empresa. Sentado à grande mesa do primeiro restaurante da cadeia, na rue Antoine Dansaert, calçada de desigers avant-garde ao lado da Bolsa de Valores, ele conta a história de Alain Coumont, de 43 anos, o chef que criou este pequeno império gastronômico que este ano prevê um faturamento de 80 milhões de dólares, um salto de 25 milhões em relação ao ano passado.
Coumont, que estudou hotelaria e já trabalhou nas melhores cozinhas da França, incluindo a do mestre Joël Robuchon, optou por um vôo solo ao abrir seu próprio restaurante em Bruxelas. Mas era um eterno insatisfeito com os fornecedores de pães. Até que parou de reclamar e preferiu fazer melhor. O sucesso foi tanto, que ele fechou o tal restaurante para abrir o Le Pain Quotidien em 1989, na época com outro nome. Até hoje, todas as lojas da rede mantém o espírito do primeiro: um balcão onde vendê-se pães de vários tipos (nos últimos três meses, todas as lojas de Nova York juntas venderam mil baguetes por dia) e patisserie, uma mesa gigante de madeira, e prateleiras de produtos orgânicos produzidos e vendidos pela casa. Em Nova York, há quem considere um dos melhores café da cidade. “Nada é muito chique, apesar de o público ser sofisticado”, diz Harry. Ele lembra que dois terços do público são mulheres – são elas que cuidam melhor da alimentação e ainda têm espaço para levar carrinhos.
Famosos por cafés-da-manhã, brunch e almoços, nenhum deles abre para jantar, além de proibir o fumo. Alguns dos restaurantes servem alcóol – e isso significa cerveja belga, cidra e o vinho Vic Pic Nic, do próprio Alain. Harry enfatiza que apenas 0,1% da verba é gasta com publicidade. A prioridade, segundo ele, é saber balancear a quantidade, escolher os ingredientes, cuidar do serviço e do público e garantir l’ambience dos restaurantes. ”Aqui não há leve um ou pague dois ou nada que lembre um Mc Le Pain Quotidien”, conta. Os sanduiches, sempre abertos e decorados, misturam camarão com abacate, queijos e mostardas. São devorados com garfo e faca e servidos sobre tábuas. Até a louça é feita especialmente para a marca e vendida no restaurante. O café com leite vem em taças sem alça, como manda o estilo francês. O layout do cardápio foi criado pela mãe de Coumont que bateu à maquina logo nos primórdios - e assim continua. Os doces são igualmente aclamados, sempre expostos na vitrine do balcão.
Le Pain Quotidien é mantido por diferentes empresas em cada região do mundo. Coumont, que vive entre Nova York e Montpellier, na França, toma conta da PQ Licensing, que cuida dos EUA, França. Na Inglaterra, a empresa chama-se Village du Pain. Na Bélgica o responsável é a holding Van dan - e o Oriente Médio e Turquia fica a cargo da M.H. al-Shaya, que também cuida de marcas como Starbucks e The Body Shop. Na Suiça, eles têm um pequeno parceiro. Os franqueados gastam entre 350 e 450 mil dólares para montar o espaço nos moldes do original, incluindo uma cozinha especial. O retorno do investimento nos EUA se dá em média, um ano e meio. Os franqueados pagam 5% das vendas como royalities. Ao expandir, Coumont, que segundo Harry “quer sempre surpreender”, visita os novos paises a procura os melhores fornecedores – o chef, que já lançou um livro de receitas, sabe que ao se globalizar, deve dançar conforme a música: levou padeiros para o Quait, importa azeite extra-virgem artesanal da Tunísia desde 1993, traz café orgânico do Perú e sabe que nos Estados Unidos o tamanho do croissant tem que ser 50% maior do que o servido na Europa. E mais: enquanto o waffle belga é um dos cafés-da-manhã mais disputados em Nova York ou Los Angeles, na Bélgica ele nem é servido. “Waffles é coisa turística – os belgas não comem”, diz Harry. “Mas os waffles que servimos nos Estados Unidos são feitos aqui, e descongelados lá”, revela.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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