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Corações partidos em Wall Street
03.novembro.1999

Tania Menai

Sobe bolsa. Desce bolsa. Efeito dominó na Ásia. Crise no Japão. Rússia devastada. Brasil despencando. Greenspan fala. Greenspan fica quieto. A IBM lucra. A IBM anuncia prejuízos. Qualquer tumulto que aconteça no planeta Terra faz chacoalhar em tempo real o extremo sul da ilha de Manhattan. Ali fica o Financial District, onde ataques cardíacos são mais freqüentes do que espirros.

Com ruas estreitas e prédios históricos, a área é famosa por ter a maior concentração de estresse por metro quadrado dos Estados Unidos. Até os vendedores de cachorro-quente são nervosinhos. Não é por menos. É lá que se amontoam a Bolsa de Valores de Nova York, o Federal Reserve, os complexos de prédios comerciais World Trade Center e World Financial Center e os QGs de alguns dos principais bancos do mundo.

Ser um profissional de Wall Street, apelido do bairro, pode ser ótimo para o bolso. Mas haja coração. São de 150 a 175 ataques por ano. A constante tensão provocada pela natureza do trabalho de operadores de bolsa ou profissionais de banco é certamente a causa número 1. Mas a isso se somam o fumo, os péssimos hábitos alimentares e a falta de exercícios físicos. "Todos nós sabemos que nossos corações vão pifar, só não sabemos quando", diz o paulista Itche Vasserman, executivo do Morgan Stanley de Nova York. "Não há setor tão volátil como o nosso. Vivemos em constante estado de risco."

O infarto agudo do miocárdio ocorre quando as artérias que irrigam o coração são bloqueadas por coágulos formados sobre placas de ateroma - uma obstrução crônica da artéria. Os primeiros sintomas podem ser indigestão ou sensação de "aperto" no peito. O mesmo desconforto pode ser sentido no ombro esquerdo, braços, pescoço ou lado esquerdo da face. Nesse caso, a dor se intensifica com movimentos; o melhor é respirar fundo. Ainda podem ocorrer dificuldade respiratória, vômito, tontura, palidez e sudorese fria.

Em Wall Street, o horário de pico dos infartos e dores no peito é entre 6 e 10 horas da manhã, às segundas-feiras - resultado da ansiedade e do estresse que borbulham quando os mercados abrem. O aumento de adrenalina pode elevar a pressão sangüínea e provocar espasmos arteriais, que, combinados com o bloqueio das placas de ateroma, levam a um ataque. Ao contrário do que se possa imaginar, as dores peitorais não surgem nos momentos em que as bolsas galopam ou afundam, mas sim quando a volatilidade toma conta do cenário ou grandes volumes estão sendo negociados. Quanto mais dinheiro, maior o estresse.

Em qualquer lugar dos Estados Unidos, o número de telefone para socorro de emergências como essas é 911. Mas o pessoal de Wall Street ignora esse número e disca direto para o doutor Ira Schulman, médico do NYU Downtown Hospital. Com uma calma zen-budista, é ele quem dirige o setor de cardiologia mais badalado da cidade. Schulman chegou a distribuir na bolsa de valores uma cartilha no formato de cartão de crédito sobre os sintomas do infarto. O hospital é convenientemente localizado no centro nervoso do bairro, a 5 minutos de ambulância de qualquer uma das principais instituições financeiras. Os veículos são mais estreitos do que os convencionais justamente para trafegar pelas minúsculas ruas. Por ano, são atendidos de 1 600 a 1 700 casos de dores peitorais somente de profissionais da vizinhança. Dez por cento acabam sendo ataques cardíacos. A sala de emergência do hospital do doutor Schulman reserva uma área especial para as crises do coração, com seis leitos e uma média de sete médicos de plantão. Equipamentos para George Clooney nenhum botar defeito.

Enquanto os pacientes deliram que tempo é dinheiro (e que estão perdendo dinheiro enquanto deitam numa sala de emergência), o doutor Schulman dita que "tempo é músculo". Ele explica que o maior erro que as vítimas cometem é não procurar ajuda médica logo que as dores peitorais são sentidas. Segundo ele, os procedimentos só têm resultados eficientes quando aplicados nas 2 primeiras horas da dor. Se o sujeito for atendido depois das 6 primeiras horas, o tratamento será apenas conservador, ou seja, não vai reparar os danos, apenas evitar que a situação se agrave. "Se a pessoa der entrada no hospital na primeira hora de dor e for tratada na hora seguinte, é como se ela não tivesse tido um ataque cardíaco", conta Schulman. As conseqüências do ataque são proporcionais à área atingida do coração. Quanto maior a área, piores serão os efeitos no longo prazo. A função dos médicos nessa hora é fazer com que a menor quantidade de músculo seja afetada. Eles usam aspirina para prevenir o aumento de coagulação e aplicam o que os americanos chamam de clock buster, ou um desobstruidor de artéria: enzimas intravenosas que destroem os coágulos. Um atendimento de emergência nesses casos dura em média 1 hora, mas o NYU Downtown Hospital consegue a proeza de um atendimento em 29 minutos. Segundo o doutor Schulman, menos tempo do que isso é impossível.

Passado o susto, os mocinhos voltam a exercer suas profissões normalmente, mas são orientados a seguir um programa de controle no hospital. No setor de cardiologia, eles dispõem de equipamentos de ginástica, como esteiras e bicicletas, ligados a um computador que acompanha o desempenho cardíaco e afins. Alguns deles passam anos seguindo o programa, muitas vezes pagando do próprio bolso. Depois das 4 da tarde, quando o martelo é batido na bolsa de valores, o movimento dos cardíacos aumenta no hospital. As vítimas de carteirinha em Wall Street são homens brancos na faixa dos 40 ou 50 anos. Mas o problema está atacando cada vez mais os garotões de 30. Em fevereiro, um profissional de um banco de investimento foi internado com parada cardíaca aos 29 anos. O rapaz, que sofre de obesidade, está bem, mas segue o programa de reabilitação do hospital. O doutor Schulman adverte que homens cujos pais tiveram problemas cardíacos na faixa dos 50 e que fumam podem estar certos de que serão vítimas da doença antes mesmo dos 40 anos.

Como o problema é crônico em Nova York, uma florescente indústria gira ao seu redor. Bancos como Merrill Lynch promovem programas de prevenção, como testes de pressão arterial e colesterol nos funcionários, e organizam palestras sobre nutrição, fumo e males do coração. Médicos como o doutor Schulman são convidados para falar nessas empresas. Além disso, o JP Morgan, Chase Manhattan e Société Générale contam com academias internas, supervisionadas por uma empresa especializada, a Cardio Fitness. Metade dos 6 000 clientes da Cardio Fitness são executivos do mercado financeiro.

Doenças cardíacas em geral são a segunda principal causa de mortes de pessoas entre 25 e 64 anos nos Estados Unidos. Segundo a American Heart Association, o custo dos cuidados com o coração para 1999 é estimado em 286,5 bilhões de dólares. Aí se incluem desde gastos com médicos, enfermeiros e medicamentos até perda de produtividade. Estatísticas nacionais mostram que, de cada 100 pessoas que sofrem ataques cardíacos, 5% não sobrevivem. Há 15 anos essa proporção era de 12%. Nova York lidera o número de casos.

"Não aconselhamos o paciente a mudar de profissão. Ele escolheu o mercado financeiro justamente por ter uma personalidade aberta a riscos e situações de tensão. Mas o que podemos fazer é tentar mudar seus hábitos", diz o doutor Schulman. "Você já viu um operador de bolsa de valores? O sujeito segura três telefones enquanto coloca um Big Mac na boca. Isso sem falar nas horas vagas, quando ele vai para a calçada fumar. Um horror."

E você acha que o bom doutor fica com peninha da turma? Nada disso: "Às vezes um ataque cardíaco é ótimo para mostrar a importância de um estilo de vida mais saudável", afirma Schulman.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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