Naomi Watts
05.dezembro.2005
Uma estrela chamada Naomi
Tania Menai, de Nova York
05.12.2005 | Ela é mignon, fala baixo e sorri com os olhos. Ainda assim, a atriz Naomi Watts já provou que é boa de grito. Berrar, berrar muito, berrar até as coisas melhorarem foi um de seus desafios no recente papel de Ann Darrow, a loirinha que divide o set com um gorila chamado King Kong. A terceira versão cinematográfica do clássico de 1933 (a segunda é de 1976) estréia mundialmente no dia 14 de dezembro, trazendo para as telas um time que inclui, além de Naomi, o ator Adrien Brody (Oscar de melhor ator em “O Pianista”), o comediante Jack Black (“Alta Fidelidade”), dinossauros e um gorila que ganhou vida, graças a efeitos especiais, a partir das macaquices do ator Andy Serkys. A equipe viveu durante nove meses na Nova Zelândia, país do diretor da obra, Peter Jackson, conhecido por orquestrar a triologia “O Senhor dos Anéis”, ser um aficionado de épicos, além de ávido colecionador de estatuetas de Oscar. O filme foi rodado inteiramente lá, incluindo as cenas da Nova York dos anos 30.
Nascida na Inglaterra, Naomi era adolescente quando se mudou para a Austrália com a família. Aportou em Los Angeles há dez anos, a fim de seguir a carreira de atriz, que ia bem no mercado australiano. Mas hoje, aos 37 anos, ela não se envergonha de confessar que quebrar as barreiras do mundo hollywoodiano é algo extremamente difícil para um profissional estrangeiro. Naomi penou até ganhar o reconhecimento que merece. Seu nome só passou a chamar atenção nos Estados Unidos depois de seu papel em “Mulholland Drive” (2001), a que se seguiram os filmes “Le Divorce”, “21 Gramas”, “O Ringue” e “Huckabees – A Vida é uma Comédia”. Pelo visto, sua batalha não foi em vão. Ao lado de nomes de compatriotas como Nicole Kidman, sua melhor amiga, Russell Crowe e Mel Gibson, ela abriu caminho para novos atores australianos que pretendam americanizar o sotaque e tentar a vida nos estúdios californianos.
Naomi passou os últimos quatro meses na China, cenário de seu novo filme “The Painted Veil”, baseado no romance de mesmo nome, escrito em 1925 pelo europeu W. Somerset Maugham. Depois de quatro semanas de trabalho, fez uma pausa em Nova York, onde concedeu esta entrevista a NoMínimo, num hotel com vista para a Estátua da Liberdade. Simpática e discreta, usava um vestido preto com pequenos nós espalhados pelo corpo, e sapato baixo. Nada de maquiagem ou jóias – apenas uma garrafa d’água e uma pulseira chinesa no pulso esquerdo, de contas de madeira, daquelas feitas para dar sorte. E por que não? Talento e beleza são fundamentais, mas sorte é sempre bem-vinda.
”King Kong” é um filme de aventura. Você estava preparada para as exigências físicas de um papel como este?
Não, eu não tinha idéia do que me aguardava. Foi um trabalho super intenso. Sério, eu não sou muito grande. Quer dizer, sou esportiva e atlética – faço yoga – mas eu apanhei bastante. No set, havia homens vestidos de azuis que atuavam como dinossauros e outras criaturas (posteriormente computadorizadas) – e eles eram enormes. Constantemente, me empurravam, puxavam, jogavam coisas em minha direção. Me machuquei bastante. Acabei me transformando numa atleta durantes aqueles meses, coisa que eu não sou – e nem meu corpo tem porte para isso. Eu me machucava todos as semanas. Nem quero pensar em fazer um outro filme de aventura tão cedo. Claro que eu sabia que o papel exigia caças, corridas, saltos e coisas assim. Mas foi muito trabalho, incluindo todas as cenas que tive de fazer com o King Kong e com os dinossauros. Nos últimos três meses, isso quase me matou.
Como você trabalhou com o “medo” neste filme?
Medo é uma emoção maravilhosa de interpretar. Ele pode te levar para vários lugares. Acho que fiz bastante disso no meu papel em “Mulholland Drive” e em “O Ringue”. Às vezes, você precisa chegar lá, outras vezes não – é tudo texto e imaginação, sem estar necessariamente conectado com aquela verdade naquele momento.
E quais são seus maiores medos?
Alguns são privados, outros não. Não gosto de voar e não gosto de agulhas. Odeio injeções. Mas sabe o que eu comecei a fazer na China? Acupuntura. E olha que isso requer um monte de agulhas. Talvez isso tenha me ajudado um pouco a superar este medo. Por outro lado, o medo de voar só tem piorado. Tenho voado tanto que sinto que a minha sorte tem diminuído proporcionalmente. Houve tantos acidentes aéreos recentemente...
Como foi trabalhar com Peter Jackson?
Fantástico. A quantidade de coisas que a mente deste homem pode comportar vai além da minha compreensão. Esse cara é um gênio. Há tanto para levar em conta num filme deste porte... os efeitos, a trabalheira que ele consome. Quando você chega à Nova Zelândia, ele te leva para um tour no seu estúdio de efeitos especiais, te mostra como as coisas são feitas, as roupas, os detalhes. É extraordinário. Tudo nasce dele. Ele toma conta de tudo. Mesmo tendo uma equipe formidável, ele supervisiona tudo, todos os passos.
Nos anos 30, “King Kong” era o grande filme da época. Hoje, vivemos na era dos blockbusters. O que podemos esperar desta nova versão?
Peter se apaixonou pela versão original quando tinha apenas nove anos. Foi aí que ele descobriu que queria ser diretor e fazer um outro “King Kong”. Aparentemente, tentou algumas vezes, a primeira quando tinha dez anos (risos). A paixão dele pelo projeto é monumental – e é muito bom estar próximo disso. Acho que ele quis contar esta história de uma forma moderna com novas idéias, mas, ao mesmo tempo, honrando aquela época, honrando Nova York, mostrando o que acontecia durante a época da depressão e como as pessoas sobreviviam ao desespero. Esta nova versão, de fato, elevou a protagonista feminina: ela não era apenas desesperada, era uma sobrevivente. É interessante mostrar como os filmes falados estavam apenas começando na época – aquilo foi uma plataforma incrível para dar voz às mulheres. Além disso, 1920 foi o ano em que as mulheres começaram a votar; então, havia muito a ser dito pelas mulheres. Aquele foi um período muito interessante. A produção reforçou esta parte, acrescentou muitos aspectos sobre o tema.
Você conheceu a atriz da versão orginal, Fay Wray logo antes de ela falecer em 2004. Como foi o encontro?
Sensacional. Foi uma noite histórica. Jantamos em Nova York, no apartamento de um de seus amigos. Fay estava muito lúcida; em alguns momentos, ela ficava quieta, parecia frágil. Mas, de repente, despertava e dizia algo. Ela tinha um grande senso de humor, e ainda fazia algumas piadas como “você não é a Ann Darrow, eu sou Ann Darrow”. E eu logo pensei: “ah, não, ela não quer que eu faça o papel”. Mas, no final da noite, ela me disse palavras simpáticas, como se estivesse me dando sua benção. Disse que eu seria a Ann perfeita. Ainda assim, não me deu nenhum conselho de como gritar.
O que rola entre Ann e King Kong?
Não acho que King Kong se apaixona por ela por causa de sua beleza. Isso não aconteceu no campo superficial – não foi algo externo que fez estes dois seres se conectarem. Eles tentam encontrar uma forma de coexistir e cuidar um do outro. Isso pode soar ridículo, mas foi o que aconteceu. Não foi o caso de o gorila se apaixonar pela “menina dourada”. O Peter conseguiu desviar o foco disso e mostrar a verdadeira conexão dos dois.
Alguma coisa engraçada aconteceu no set?
Ah, sim. O ator que estava interpretando o gorila era quase do meu tamanho (ele tinha pontos no rosto e no corpo – posteriormente, suas expressões e ações foram passadas para o computador, onde, de fato, nasceu o King Kong do filme). Nas cenas em que eu tinha de olhar para o gorila, ele subia numa armação de ferro para ficar mais alto. Mas quando ele tinha de olhar para mim, ele usava uma boneca Barbie. Huummm. Não sei se esta história é necessariamente engraçada.
Um número crescente de atores e diretores estrangeiros está vindo para Hollywood. É mesmo muito mais difícil para um estrangeiro engrenar a carreira neste meio do que para um americano?
Bom, para mim foi assim, porque tive que começar do zero. Fiz vários grandes filmes na Austrália, que não foram reconhecidos nos EUA – e ninguém tinha tempo para lhes assistir em Hollywood. Então eu chegava aos lugares, apresentava-me às pessoas, começava do início. E isso foi duro; eu tinha que me provar constantemente. Isso foi uma desvantagem para mim, porque, você sabe, audições são sempre terríveis. Recentemente, porém, parece que ter um passaporte australiano no bolso leva diretamente para porta da frente. Mas esse não foi o meu caso. Estou aqui há quase 10 anos. Por sinal, no começo, eu nem conseguia falar com sotaque americano. Depois desses anos todos, melhorei.
Sua cena de masturbação em “Mulholland Drive” foi marcante. Como foi esta atuação?
Foi bastante duro para mim. Sem dúvida, foi a cena mais difícil que fiz num filme. Trata-se de um momento privado; então, aquilo me fez ficar muito emocional e triste. David (Lynch, o diretor) tinha algo bem específico em mente para aquela cena. Ele queria uma cena raivosa, sobre uma menina que buscava desesperadamente uma conexão que ela havia perdido. Mas ela estava muito nervosa e muito frustrada por chegar lá. Então, ela se castigava; foi uma cena violenta e desamorosa. Quando eu assisto, choro. E durante a filmagem, chorei muito. E o David não queria aquilo, não queria que eu tivesse chegado a um ponto de emoção. Ele queria o contrário, que eu mostrasse que a menina estava numa busca e que não tinha alcançado o que queria. Fizemos vários takes; lembro de implorar a ele, dizendo “David, não sou capaz de fazer isso, não sou capaz”. E ele, atrás do monitor, respondia, “ok, Naomi, ok”. Mas não dizia “corta!”.
Você aceitou trabalhar no “21 Gramas” sem sequer ter lido o roteiro. Por quê?
Porque eu acreditava no Alejandro (González Iñárritu, diretor mexicano). Não imaginava que o filme seria tão bom quanto foi. Depois. li o roteiro, claro. E, a cada página que eu virava, eu soltava um “uau”. Fiz a mesma coisa com Peter Jackson; claro que eu conhecia a história, mas concordei com a proposta sem mesmo ler o roteiro.
Moda é importante para você?
Sempre amei roupas. Quando eu não tinha dinheiro, eu ia aos brechós - adoro procurar, pedir roupas emprestadas, usar coisas novas. Gosto de diversos estilistas– este vestido é do Manni. Gosto também do Marc Jacobs… Odeio mencionar nomes porque sempre esqueço de alguém e eles são todos super-generosos em me presentear. Sou eclética, nunca uso o mesmo estilo do pé a cabeça. E me visto de acordo com o meu humor. Na maioria das vezes, estou de jeans, camiseta e sapatos confortáveis. Raramente uso maquiagem.
Alguns dizem que você é britânica, outros australiana. Como você se considera?
Nasci na Inglaterra. Mudamos para a Austrália quando eu tinha 14 anos. Lá, fiquei até os 22. Depois comecei a viajar. Então, os anos da minha formação e da minha adolescência foram vividos nesses dois países. Desta forma, me acho tanto inglesa quanto australiana. Certamente não sou americana. Por sinal, grande parte da minha família está na Austrália.
Inclusive seu pai era engenheiro de som dos Rolling Stones. Como foi crescer numa casa tomada pelo rock n’roll?
Havia certamente uma vibração de rock, e ainda tem. Éramos muito conectados à banda naquela época. Até mesmo quando minha mãe se divorciou do meu pai, mantivemos amizade com as esposas da banda e com seus filhos. Depois, minha mãe casou-se novamente, com um músico, e a casa continuou tomada pelo rock. E isso certamente afetou minha careira.
Você toca algum instrumento?
Adoraria tocar. Tenho um ouvido musical. Para o filme que estou fazendo na China, tive que aprender um instrumento – mas nem piano eu toco. Meu professor na China me ensinou apenas o básico. Em duas semanas, fui capaz de tocar. E olha que eu só treinava dia sim, dia não, duas horas por dia. Ele não disse que tenho ouvido para música. Gostaria de aprender piano melhor. De qualquer forma, fico impaciente porque não sou boa nisso. Tentei aprender violão – mas demora muito. Sou muito impaciente.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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