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O Harlem não é mais aquele
20.fevereiro.2001
Tania Menai
Anote aí: 14º andar do número 55 da rua 125, a artéria do West Harlem, em Manhattan, Nova York. Este é o novo endereço comercial do ex-presidente Bill Clinton. Considerando que seu escritório anterior se tratava da Casa Branca, a novidade pode deixar os entregadores de mudança um tanto quanto surpresos. Mas Clinton não está sozinho. E nem o Harlem é mais aquela barra-pesada de outrora. Bem-vindo ao renascimento de um bairro.
Ao norte do Central Park, vizinho da Universidade Columbia e há três décadas cenário real e cinematográfico do pior da criminalidade, o Harlem está mais limpo e seguro do que nunca. Quem caminha pelas ruas –pelo menos do lado oeste, onde a situação sempre foi melhor do que a do leste– vê casas, calçadas e auto-estima restauradas. Muito se deve ao programa da prefeitura que, junto com a polícia, fez a violência do bairro despencar em 81% nos últimos sete anos. Outro motivo de ânimo são os preços astronômicos dos aluguéis de Manhattan: para que pagar um aluguel de 4.500 dólares por um apartamento de dois quartos no sul da ilha, se no Harlem se acha o mesmo pela bagatela de 900 dólares? Pensando assim, Clinton desistiu de um espaço comercial na Carnegie Hall Tower, na rua 57, vizinho ao lendário Russian Tea Room, onde ele torraria algo entre 740 mil a 811 mil dólares em aluguel por ano. No Harlem, ele vai desembolsar 210 mil dólares anuais, incluindo uma estonteante vista da cidade.
Mais de 600 milhões de dólares estão rolando pelo bairro, vindos de fundos públicos e privados. Hoje, 530 mil pessoas de diversas camadas sociais vivem por lá. Contudo, 60% delas ainda despejam seu dinheiro fora da região por pura falta de opção. As décadas de vacas magras expulsou os comerciantes do bairro e só agora há sinais de bonança. O novo perfil dos residentes criou uma demanda pelo comércio qualificado e voilá: no ano passado, o bairro foi invadido pela rede de café Starbucks e ganhou o Harlem USA, um complexo de escritórios, entretenimento e lojas.
Com um investimento de 65 milhões de dólares, além de três milhões vindos do estado, o megacomplexo na rua de Clinton brotou de um estacionamento abandonado e conta com nomes como Gap, Disney Store, HMV, banco Chase e teatros da empresa de Magic Johnson.O empreendimento criou 500 novos empregos e faz parte do programa New York Empowerment Zone, que até o ano passado já ultrapassava a cifra de 300 milhões de dólares, estimulando investidores privados a olhar para as áreas mais problemáticas da cidade. Esta é a primeira vez, desde 1960, que o Harlem leva uma injeção financeira. Na verdade, ninguém dá ponto sem nó. Estudos vêm mostrando que áreas populosas como esta estão ávidas por comércio local e que o futuro deste setor nos EUA não está nos subúrbios brancos, mas nos centros onde se aglomeram comunidades asiáticas, hispânicas e negras.
As casas do bairro também estão mudando de mão. Depois de confiscar propriedades de caloteiros, a prefeitura de Nova York chegou possuir sete de cada 10 residências do Harlem. Nos últimos cinco anos, porém, esse número caiu pela metade. Para se livrar delas, a prefeitura criou campanhas, chegando a vender townhouses (prédios de quatro andares) por um dólar. Isso mesmo, um dólar. O comprador deveria provar que não tinha onde cair morto e se comprometer a fazer bom uso da propriedade. Outros programas incentivaram compradores a reformar as casas para revendê-las a preço de mercado. Desde 1997, o número de venda de casas para a população quadriplicou, e ainda estão mais baratas do que nos bairros ao sul. Mas tudo indica que a mamata vai durar pouco. O romantismo do bairro foi redescoberto e, com a chegada de um ex-presidente, os preços de aluguéis e imóveis devem começar a subir.
“Em 1984, comprei uma casa de quatro andares, na rua 125. Paguei 50 mil dólares. Não fiz nenhuma obra e hoje ela vale dez vezes este valor”, conta Willie Katheryn Suggs, corretora número um de imóveis do Harlem. Ela trabalha de domingo a domingo, com a agenda abarrotada. “Quando me mudei para cá, haviam quatro casas desocupadas no quarteirão. O local se resumia a ponto de tráfico de drogas, venda de crianças e prostituição”, lembra ela. “Os novos residentes transformaram a cara da rua e hoje temos até associação de moradores”. Willie lembra que, em 1977, qualquer casa no Harlem valia cinco mil dólares. Quem foi esperto na época comprou 20 ou 30 imóveis de uma só vez. “Vi o preço de uma casa escalar de 30 mil dólares em 1977 para 200 mil dólares em 1994”.
No início do século 19, a região indígena ao norte de Manhattan foi ocupada por imigrantes holandeses. Eles a batizarem de “Haarlem” e estabeleceram fazendas que, cem anos mais tarde, foram dividas em lotes. Com a chegada do metrô, os preços subiram desenfreadamente e mansões foram construídas. Tudo ia a mil maravilhas até a queda da bolsa nos primeiros anos do século. As mansões deram lugar a apartamentos. Se construiu tanto, que não havia brancos o suficiente para morar em todos eles. Por isso, em 1918 o bairro abriu as portas para a elite negra (de 1891 até então, a venda de propriedades aos negros era proibida), que comprou boa parte dos imóveis. A alma negra fez do Harlem uma referência cultural e artística do país. Nos bons tempos, o Teatro Apollo foi palco de vozeirões como Billie Holliday, Sarah Vaughan, Stevie Wonder e Jackson 5. Depois de cair no esquecimento, o teatro ressurgiu recentemente com incentivos financeiros, como os 325 mil dólares vindos dos cofres do estado. Os shows do Apollo voltaram a ser um must da cidade, apresentando não só lendas da música negra, mas da branca. Marca de uma integração cultural que também invade prédios: “Os europeus não vêem problema nenhum em morar aqui. Tenho inquilinos que vão de franceses a húngaros”, conta uma investidora, dona de oito apartamentos no bairro.
“O Harlem é cheio de crianças, é seguro, tem metrô expresso, ótimas casas de jazz e restaurantes. E ainda se pode ver o céu”, observa Mark Hardesty , de 50 anos. Ele é branco e trabalha na área de marketing de uma empresa médica. “O sul de Manhattan é um formigueiro entre prédios gigantes”. Depois de viver durante 10 anos em Wall Street, ele comprou uma townhouse de seis quartos na rua 140, esquina com a Broadway, há três anos. “Desembolsei 25% do que pagaria por qualquer outro lugar de Manhattan”, comemora. “É fascinante participar do renascimento de um bairro”. No entanto, parece que nem todos são bem-vindos. “Espero que Clinton venha” disse a moradora François Jean, de 31 anos, ao New York Times. “Mas que não traga a elite branca com ele”, ressalta.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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