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Fuga sobre rodas
14.setembro.2001

Jan Theophilo e Tania Menai

Quatro dias após o atentado ao World Trade Center, os brasileiros que estão de passagem em Nova Iorque esta semana, só têm uma preocupação: dar um jeito de escapar o mais rápido possível da cidade. Com o sistema ferroviário ainda fechado e sem previsão de quando os aeroportos estarão operando normalmente, os turistas e os que vieram a Manhattan a negócios, vêem na rede rodoviária a melhor alternativa, rumo a algum aeroporto de onde partam vôos para o Brasil.

Já os residentes procuram demonstrar que o pior já passou, e estão programando festas para hoje à noite. Enquanto isso, os americanos de todas as partes do país acenderão velas nas janelas e ruas como forma de protesto contra o terrorismo internacional.

Há três anos tentando conciliar as agendas para programar suas férias, o casal de dentistas baianos Mayra (32) e Roberto Seixas Costa Pinto (36) desembarcou em Nova Iorque na manhã do atentado. "Estávamos indo para as Torres Gêmeas quando fomos avisados por uma senhora idosa do que havia acontecido. Chegamos a pensar que fosse pegadinha", conta Mayra. Com o comércio fechado, passaram os últimos dias passeando pela cidade. "Deu para conhecer o Central Park todinho", conta ela. A viagem previa uma conexão para Chicago (Illinois) e Orlando (Florida), com saída no próximo domingo. Mas como não há confirmação de que o vôo sairá no dia e horário marcados, preferiram comprar duas passagens de ônibus para Orlando. Vão enfrentar 23 horas de viagem ao custo de US$ 104 por cabeça.

Assim como o casal baiano, muitos brasileiros estão tentando chegar de ônibus a cidades como Atlanta, onde a Varig faz uma escala, e principalmente Miami. Apesar do visível desconforto que enfrentarão na viagem, Mayra nem pensa na possibilidade de aguardar em Nova Iorque pela reabertura dos aeroportos. "Está todo mundo com medo dos vôos internos. Medo do terrorismo mesmo", conta ela que além do descanso queria aproveitar a viagem para comprar aparelhos para seu consultório. "Existem alicates muito específicos à venda por aqui que pretendíamos encomendar na Califórnia. Mas com essa tragédia, eles não tem como despachar os pedidos de avião", lamenta ela.

Amir Slama, 36, dono da grife Rosa Chá, estava em Nova Iorque com a família para participar da "Seventh on Sixth", a etapa nova-iorquinha do circuito internacional de desfiles de moda. Junto com ele vieram Paulo Borges (criador da São Paulo Fashion Week) e mais dois assessores. Amir pretendia dar mais visibilidade internacional à sua marca de biquinis, "mas acabamos sentindo como se tivessem puxado o nosso tapete", lamenta. Seu desfile foi cancelado e remarcado para 16 de outubro, depois dos desfiles de Paris. "Vamos ter que voltar a São Paulo para sentir como está o mercado e se os patrocinadores toparão bancar nossa volta ou não", diz ele, que não faz a mais remota idéia de quando poderá voltar ao Brasil. "Domingo agora começaria o circuito de Londres, depois haveria uma semana em Milão e outra em Paris. Cada marca só faz desfile em uma capital, porque a imprensa especializada internacional se mobiliza para esta cidade. Todo mundo ainda está preso por aqui".

O médico mineiro Marzo Mersan chegou em Nova Iorque com a mulher no sábado, tinha passagem marcada para quinta-feira e também está preso. "Tive sorte de vir precavido e não cheguei a ter problemas financeiros como alguns", conta ele. Marzo lamenta apenas as consultas que está tendo que desmarcar. "Isso acabou transtornado a vida de todo mundo, mas fazer o que, né? Minha preocupação agora é com meus dois filhos que ficam telefonando para cá o tempotodo", diz.

No consulado brasileiro são muitos os pedidos para que as autoridades garantem o embarque imediato de alguns passageiros que tinham passagem marcada para esta semana. "Infelizmente, apesar de minhas boas relações com as companhias aéreas, isso é uma questão que foge da minha alçada", diz o embaixador Flávio Perri, cônsul-geral do Brasil em Nova Iorque. O diplomata reconhece porém, que intercedeu em um único caso: "há uma professora universitária de Brasília, grávida de sete meses, que está sem a família aqui e hospedada em um dormitório de universidade. Mesmo assim, a previsão é de que ela não embarcará antes da terça-feira".

O embaixador ressaltou que muitos brasileiros começam a dar sinais de esgotamento, devido à pressão dos últimos dias. Perri diz que muitos não estão acostumados ao ritmo frenético da cidade. "Muito menos com o ruído e todo o aparato que cerca as mais corriqueiras ações da polícia e dos bombeiros", comentou, pedindo calma àqueles que ainda estão retidos.

Flávio Perri tem repetido a todo o instante que a situação na cidade está se normalizando, mas não está conseguindo escapar de uma certa "paranóia" que atingiu até sua família: "Minha filha me liga do Rio a todo instante para cobrar se estou usando aquela máscara facial que protege o nariz e a boca", conta, divertido. Enquanto no Brasil muitas famílias ainda estão sobressaltadas (há casos de recomendações para que se façam estoques de água e comida) , os brasileiros que trabalham no Financial District ­ onde ficava o World Trade Center ­ e escaparam do atentado já organizaram para esta noite uma festa onde a única preocupação é que não falte cerveja. O email que foi distribuído entre essa turma se encerra com o singelo recado: "chega de ver CNN, né galera...."


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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