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O Rio para inglês ver
01.fevereiro.2001

Tania Menai

A arte imita as ruas. É isso que a Tate Modern, em Londres, vai mostrar na exposição Century City – Art and Culture in the Modern Metropolis, que abre hoje e fica em cartaz no mais novo museu britânico até 29 de abril. Curadores de nove cidades do mundo, incluindo o crítico de arte e historiador Paulo Venâncio Filho, do Rio de Janeiro, foram convidados para garimpar os ícones da arte, arquitetura, design, teatro, cinema e dança que transbordavam nas esquinas do século XX. A boa notícia é que, entre as cidades escolhidas, está o Rio de Janeiro dos anos 50.

A jornada começa na Paris dos boêmios ( 1905-1915), e continua, cronologicamente, por Viena (1908 -1918), Moscou (1916 -1930,), Rio de Janeiro (1950-1964), Lagos (1955-1970), Nova York (1969-1974), Tokyo(1967-1973), Bombai/Mumbai (1992-2001) e Londres. “As cidades foram escolhidas a partir de dois critérios: em algum momento do século, elas foram um cruzamento que permitiu intercâmbio cultural e representam bem os seus continentes” diz o curador inglês Adrian George. “Nos anos 50, o Rio de Janeiro foi um expoente de músicos, arquitetos e artistas”.

As fogosas palhetas dos fauvistas coloriam o Salão do Outono, em Paris de 1905. Até a Primeira Guerra Mundial a capital francesa se estabeleceu como o centro intelectual, um imã que atraiu poetas e artistas italianos, espanhóis, russos, alemães e lituanos, que povoavam os cafés de Montmartre, estúdio Bateau-Lavoir e a Escola de Paris. Leia-se Picasso, Sonia Delunay, Blaise Cedrars, Juan Gris, Guillaume Apollinaire, André Derain, Max Jacob e Robert Delaunay, cujas obras pincelam o progresso que vai do Cubismo ao que veio a ser o Futurismo. Paralelamente, Viena emergiu como uma resistência ao excesso de arte decorativa. O movimento fica claro nos traços despretenciosos dos artistas Egon Schiele, Oskar Kokoscka e Richard Gerstl. Enquanto as residências da cidade foram uma grande influência na arquitetura modernista européia, as descobertas de Sigmund Freud tiveram tremendo impacto nas artes visuais, teatro e livros. Esse turbilhão de mentes pensantes foi interrompido pela Primeira Guerra e subsequente colapso do Império Austro-Húngaro; fase representada por desenhos de trincheiras e pelo livro “Os últimos dias da Humanidade” de Karl Kraus.

Moscou entre em cena em 1916, logo após a queda da dinastia Romanov e da Revolução Bolchevique. A onda de entusiasmo que seguiu esta revolução, deu margem aos artistas visionários, liderados por nomes como Lazar El Lissitzky , Kasimir Malevich, Vladimir Tatlin, que criaram o Construtivismo. A mistura de colagens, tipografias, fotos, estilos arquitetônicos, filmes e teatro, expressava as aspirações éticas e sociais de toda uma geração.

Os anos da Segunda Grande Guerra são o hiato da exposição. Mas a arte ressurge nas calçadas do Rio de Janeiro dos anos 50 e 60, por onde desfilava a garota de Ipanema, e se entoava as melodias de Tom Jobim e João Gilberto, as poesias de Ferreira Gullar e Mário Faustino, a fotografia de José Oitica Fiho, a arte de Sérgio Camargo, Hélio Oitica, Lygia Clark, Milton Dacosta, Amílcar de Castro, Lygia Pape e Franz Weissmann e a arquitetura de Sérgio Bernardes, Jorge Moreira e Affonso Eduardo Faustino. O entusiasmo e otimismo da época, culminaram num período de inovação e expansão, fazendo nascer a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Neoconcretismo – a primeira contribuição “emancipada” para a linguagem universal – , e uma nova estética arquitetônica, baseada nos princípios de Le Corbusier. O banho de água fria veio em 1964, com o regime militar.

“Além da sala da Bossa Nova, onde se pode ouvir as canções, ainda temos uma área de documentação, exigida pela Tate”, conta o curador Paulo Venâncio Filho. “Lá estão os projetos como o do MAM, do Aterro do Flamengo, de Burle Max e a Casa das Canoas, de Oscar Niemyer. A época foi marcada pelo tradição cosntrutiva. Ainda há uma coleção de fotos de José Oitica, pai de Hélio, nunca antes mostrada.”

Lagos entra em campo em 1955. Até 1970 a mais importante cidade do oeste africano assiste a uma ebulição econômica, social e política. Sem falar na intercessão cultural. Em 1960 surgiu o Clube Mbari, formado por artistas, músicos, e designers nigerianos, representando uma mão dupla entre a arte do país e a do mundo. A capital da Nigéria foi plataforma para novos experimentos de música e arte popular que registram movimentos de libertação de uma era de colonização. A guerra civil de 1967 expeliu artistas do país e acabou com a festa.

Entre 1969 e 1974, o número 112 da Greene Street era um dos endereços-referência da arte nova-iorquina. E por que não do mundo? Os lofts do SoHO foram ocupados por artistas alternativos que viveram o período de artes performáticas, intituladas Street Works, e a renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. A música era de Phillip Glass, a dança de Trisha Brown e a arte passava pela mãos de Robert Morris a Adrian Piper. Mas, segundo historiadores, nenhum outro lugar do mundo foi mais marcado pela era do pós-guerra do que Tóquio. Os anos entre 1967 e 1973 foram especialmente importantes: começando com a eleições do governador Minobe e terminando com a crise do petróleo em 1973. A época foi expressada pelo grupo Provoke, fundador do jornal de mesmo nome, que misturava palavras e imagens para...provocar. Já o movimento de liberação da mulher da década de 70 foi representado em Tóquio por Yoko Ono e Kusama Yayoi.

Um imenso pavilhão de bambu, decoração tradicionalmente usado na Índia para festividades como casamentos, acolhe a contraditória arte de Bombaim. Por meio de fotos, filmes, projetos de arquitetura e vídeo, o curador reuniu o aspecto colonial e nativo, a era da indústria e comércio, a arte sofisticada, os filmes e a propaganda. Na década de 90, Bombaim enfatiza a polarização das classes e a complexidade política e social do país. Enquanto isso, na Inglaterra, os artistas britânicos usavam Londres, sua estética humorada, reciclada e inclusiva, como próprio objeto de arte;. Esta parte da exposição mostra como artistas, estilistas, designers e fotógrafos enxergaram a cidade e como a capital inglesa os inspirou. O vídeo de sete minutos de Gillian Wearing ilustra bem isso. Segundo curadores, a obra, intitulada “Homage to the woman with the bandaged face, who I saw yesterday down Walworth Road”(1995), explora a dinâmica entre o individual e a multidão. Mas talvez seja apenas um tributo à mulher que ele viu com o rosto coberto na Walworth Road.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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