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Seda, perfume e sangue
03.junho.2001

Tania Menai

JERUSALÉM – À medida em que os convidados chegavam, podia-se notar que as gravatas eram de seda. As jóias, caríssimas. As unhas e maquiagem, impecáveis. E os vestidos, de renda, tafetás e veludo. “Mas tivemos de cortá-los imediatamente. Quando os pacientes chegam com fraturas, não dá para salvar as roupas”, disse Rami Mushaiov, cirurgião do setor de ortopedia e traumatologia do hospital Hadassah, em Jerusalém. Ele e mais uma equipe de 500 profissionais atenderam as pessoas feridas em um dos episódios mais dramáticos dos últimos anos em Israel. Mesmo em guerra, o país ficou em estado de choque na noite em que o prédio Versailles Wedding Hall desabou durante uma festa de casamento há uma semana.

Cerca de 600 pessoas estavam no lugar. Entre elas, vinte e três morreram na hora. Mas todos os 181 feridos que deram entrada nas duas unidades hospitalares do Hadassah foram salvos. “O que mais nos chamou atenção, foi o perfume das pessoas. Estamos acostumados a atender vítimas de ataques terroristas”, completou Iri Liebergall, ortopedista que operou a noiva. Ela teve uma fratura na região pélvica e ainda está internada.

Liebergall já estava em casa na noite de quinta-feira quando o telefone tocou às 23 horas. “Saí do hospital e me permiti tomar uma cervejinha antes de ir para casa. Não pensava em operar mais ninguém àquela hora”, lembra ele. Mas a partir daí, foram 48 horas de trabalho incessante. “O que me deixou mais chocado foi o fato de este acidente ter sido provocado por algo totalmente evitável”, lamenta Mushaiov. “Não temos muito o que fazer quanto aos ataques terroristas. Mas desta vez, a culpa foi nossa – e é isso que nos machucou”.

O acidente foi reportado ao hospital às 22h50 da noite, horário em que está sendo feita a troca de turno. Todos os médicos, técnicos, enfermeiros e assistentes sociais – mesmo os que não foram chamados – voaram para as unidades de atendimento. Acostumados às explicações políticas, ideológicas e religiosas da guerra, os profissionais do Hadassah mergulharam no pesadelo de uma tragédia nos moldes do desabamento do Palace II, no Rio de Janeiro. Onze pessoas estão presas, acusadas de responsabilidade no acidente.

Noiva em estado de choque

Dos 181 pacientes – que vão de 3 anos de idade até pessoas idosas – 45 continuam internados na unidade de ortopedia. A noiva está no último quarto do corredor e não quer ver ninguém. Segundo os médicos, sofreu um estrago emocional bem maior do que a fratura. Ela está traumatizada e em constante acompanhamento psicológico. Nem ela, nem o noivo – que machucou apenas o dedo e perdeu o avô – estão falando com a imprensa.

Na manhã seguinte ao acidente, o noivo fez peregrinação aos quatro hospitais que acolheram as vítimas (os outros dois são menores e de lá os pacientes foram levados ao Hadassah). Uma das histórias mais impressionantes é de Natalie, uma jovem que trabalha no parlamento. Há seis meses ela sofreu um acidente de carro e ficou em tratamento no Hadassah durante todo este tempo. A noite do casamento foi a primeira em que ela saiu de casa – no desabamento, ela quebrou a mesma perna e voltou para o hospital.

“O chão começou a tremer mais do que o normal”, disse Roni Mor, 47 anos, sentado em uma cadeira de rodas na varanda do hospital, com o braço e cintura fraturados. “Minha mulher notou que o som da música não estava mais normal e que aquela tremedeira muito menos. Cinco minutos depois, um amigo disse ‘o chão está subindo!!’ Depois disso, eu e minha mulher caímos juntos. Nem em situações como esta nos separamos”, diz ele sorrindo. A esposa já está em casa. Roni trabalha há 26 anos com a mãe da noiva, no banco Lehumi.

“Estamos acostumados com traumas e com o que chamamos de eventos de casualidades de massa”, explica o diretor do hospital, doutor Shamuel Shapira. Desde que esta nova onda de conflitos de guerra estourou – no último 29 de setembro – o Hadassah já recebeu cerca de 550 vítimas – tanto israelenses quanto palestinos. Mas, segundo ele, diferentes acidentes resultam em diferentes ferimentos. Os traumas provocados por desabamentos são diferentes dos causados por ataques terroristas ou acidentes de carros.

“Quando tragédias deste porte acontecem, a primeira coisa que fazemos é chamar toda a equipe. Na quinta passada, em 90 minutos tínhamos os 500 profissionais acionados”, conta ele. “Os bancos de sangue também são acionados na hora, abrimos as salas de raio-X e as de emergências para grandes traumas”. Por sinal, estas salas de emergência, mostradas a no. pelo próprio doutor Shapira, são as mais bem equipadas de Israel – chegam a ter câmeras para checar se os procedimentos estão sendo efetivados corretamente. Os parentes das vítimas dispõem de um departamento que cruza informações de todos os hospitais servindo às vítimas da tragédia, além de assistentes sociais e psicológicos preparados para dar boas e, principalmente, más notícias.

Outra peculiaridade em casos como este em Israel é a ajuda comunitária – em vez de ficar assistindo de platéia, como acontece em acidentes em várias partes do mundo, a comunidade coloca a mão na massa. Sem esperar alguém pedir, eles imediatamente se voluntarizam doando sangue, bloqueando ruas, salvando vítimas, levando comida para os familiares. Sem falar na ajuda da polícia, dos bombeiros, de organizações de saúde e do exército, que neste episódio foi o responsável pela retirada de vítimas asfixiadas dos escombros. Sem toda esta espécie de linha de produção, o número de vítimas teria sido bem maior.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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