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Paz no Oriente Médio
12.junho.2001

Tania Menai

NEVE SHALOM/WAHAT AL-SALAM – A adaptação israelense do Vila Sésamo foi sem dúvida a mais comentada entre as vinte versões mundiais do lendário programa infantil. Inspirados no acordo de paz estabelecido em Oslo, em 1993, os produtores do programa resolveram colocar bonecos árabes e judeus vivendo na mesma rua – em hebraico “Rechov Sumsum” e em árabe “Sharaa Simsim”. Há quem tenha considerado artificial demais. Afinal, existe lugar neste planeta onde árabes e judeus dividem a mesma rua? Existe. Formada há 30 anos, uma comunidade nestes moldes vem provando ao mundo que as duas culturas não só podem partilhar da mesma rua, como da mesma escola.

Situada numa colina entre Jerusalém e Tel Aviv, está a versão humana do Vila Sésamo: o vilarejo Neve Shalom, em hebraico ou Wahat al-Salam, em árabe. Em português, Oásis de Paz. Lá vivem 40 famílias e mais dez estão construindo suas casas, totalizando cerca de 170 pessoas. Metade são judeus, metade árabes. Há mais de 300 famílias na fila de espera para morar neste lugar, mas os 20 acres não permitem nem mais uma mosca. E o governo não parece muito interessado em doar terras para este fim.

Este não é o único vilarejo em Israel onde os dois grupos vivem juntos. Cidades como Iafa, Acre e Haifa também misturam os dois povos. A diferença é que estas três cidades eram árabes e foram ocupadas por judeus. Já Neve Shalom/Wahat al-Salam colocou os dois times em campo com o objetivo de criar diálogos e equilíbrio.

O pai da idéia foi o já falecido Bruno Hussar – um judeu que virou monge cristão, praticava yoga, e que depois da conversão para o cristianismo voltou-se ainda mais para o judaismo. Coisas de terra santa. Sua idéia era fundar um vilarejo de cristãos, judeus e muçulmanos. Mas os primeiros árabes e judeus que se estabeleceram aqui, buscavam igualdade entre nacionalidades e não entre religiões. Hoje, NeveShalom/Wahat al-Salam é uma comunidade livre – cada um pratica a religião que bem entende dentro de casa.

Não há sinagogas, mesquitas ou igrejas. Apenas a “Casa do Silêncio”, um templo redondo, lembrando que o silêncio é a forma por meio da qual as três religiões aproximam-se de Deus (que também é à escolha do freguês). “Não interessa-nos saber o que vai acontecer nas próximas vidas. Queremos discutir os problemas de hoje”, diz com fala doce o prefeito árabe Anwar Daoud. Os árabes com cidadania israelense – não confundir com palestinos – são cerca de um milhão dos seis milhões de habitantes de Israel e ainda sofrem uma grande discriminação social.

Circundada por uma vista panorâmica, com girassóis, plantações e Tel Aviv ao fundo, o vilarejo ocupa 20 acres de extensão. É como se fosse um condomínio com piscina, quadra de esportes e até um hotel com 39 quartos. Algumas casas têm estilo árabe, outras israelense. Mas o coração desta comunidade é a escola. Com um alto grau de excelência, lá estudam 300 crianças, de 3 meses a 20 anos de idade, vindas da própria comunidade e de mais 20 vilarejos ao redor – alguns a 50 quilômetros de distância – além de Jerusalém. Esta é a primeira escola em Israel que coloca crianças árabes e judias perante o mesmo quadro negro. Durante nove anos, ela funcionou ilegalmente – só em 1992 foi reconhecida pelo governo, de quem a comunidade não recebe suporte algum.

“Tentamos um acordo com o governo sobre a nossa expansão, mas até o mês passado eles recusaram. Não entendemos o porquê. E, para dificultar o processo, ainda nos impuseram condições que não são de nossa repsonsabilidades”, diz Daoud. Shimon Peres, o atual Ministro das Relações Exteriores de Israel, visitou o vilarejo durante o único ano que estava fora do governo. Mas nunca enquanto Primeiro Ministro. Por outro lado, Hillary Clinton esteve lá há três anos e esta semana, a comunidade recebeu visita do Ministro das Relações Exteriores da Indonésia.

Um dos grandes projetos desta comunidade é a “Escola para Paz” – uma escola que promove workshops entre árabes e judeus para que eles discutam, cara a cara, todas as suas questões. A cada anos eles recebem cerca de 2 mil pessoas – a maior parte jovens – incluindo professores, jornalistas e agentes comunitários – profissionais que exercem impacto direto em suas comunidades. “Neste país, os dois grupos simplesmente não se encontram”, explica Dauod. “E mesmo quando isso acontece, as discussões não chegam a lugar nenhum”, acrescenta. “Sem falar que em todas as situações, os judeus sempre são os chefes e os árabes, empregados”. Ele lembra que a primeira vez em que se deparou com um judeu em nível de igualdade foi na universidade. “Além da faculdade, o único momento de igualdade é quando somos soldados inimigos, matando-nos uns aos outros”.

A maior parte dos moradores de Neve Shalom/Wahat al-Salam são da área acadêmica e pertencem a uma classe média mais privilegiada. Cada um tem sua renda e nada é partilhado. Não trata-se de um kibutz, não é socialista, muito menos comunista. O suporte financeiro para projetos vem de uma associação nos Estados Unidos que capta recursos no Canadá e na Europa. Mas os gastos com a infra estrutura vêm do bolso dos moradores – inclusive para construir uma casa, a família tem de desembolsar 10 mil dólares. Além dos impostos do munincípio, eles ainda pagam um “imposto de desenvolvimento” anual. Este ano, cada família pagou 800 dólares. No ano passado, foram 1.500 dólares. Sim, é preciso viver bem. Não há ideologia que sustente falta de qualidade de vida. “Não adiantaria viver aqui se meus filhos não tivessem uma boa educação”, diz Daoud.

A geração que nasceu em Neve Shalom/Wahat al-Salam prova que crianças criadas juntas não demonstram nenhuma diferença. Mas existem outros problemas como o idioma e os feriados. “Nosso final de semana é na sexta e no sábado, como manda a religião judaica. Não dá para tirar o domingo e isso é complicado”, lamenta Daoud. A língua é outra dificuldade, pois é uma questão agregada à política deste país. A escola é bilingüe (a primeira do país - outras estão seguindo o exemplo), mas as crianças judias acabam em desvantagem. Como a língua oficial de Israel é o hebraico, as crianças árabes já aprendem esta língua automaticamente nas ruas e nos meios de comunicação, além do árabe em casa. Já os judeus só têm acesso à língua árabe, na escola. Isso provoca um grande abismo no aprendizado. “Queremos que todos aprendam árabe de uma maneira natural e não apenas na escola”, diz Daoud.

O morador Howard Shippin, 45 anos, não é nenhuma coisa nem outra. Muito pelo contrário. É um britânico ateu que se casou com uma israelense judia e tem três filhos. O casal, que tem uma árvore de jacarandá no jardim, chegou no vilarejo em 1994 inspirado pela forma de vida espiritual de Bruno Hussar. “Queríamos que nossas crianças crescessem cercadas pela diversidade cultural”, diz ele. “Israel tem questões que o próprio país ainda não parou para pensar – esta nação foi formada na pressa, em 1948, baseada numa constituição não muito clara”, diz ele. “A verdadeira questão dos árabes ainda não foi levantada – por um lado há uma busca pela democracia. Por outro, busca-se um Estado judaico. Isso cria uma tensão, pois os árabes não se sentem em casa neste país”, explica Shippin. “Esta tensão não é sentida apenas quando há um atentado terrorista, mas sim quando há desigualdade”.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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