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Tristeza que não pára
12.novembro.2001
Tania Menai
NOVA YORK – Dois meses e um dia após o ataque que chacoalhou Nova York, no dia 11 de setembro, a cidade volta a acordar com mais uma explosão aérea. Às 9h17 da segunda-feira, um avião da American Airlines, vôo 587, carregando 246 passageiros e 9 tripulantes, caiu em cima de cerca de sete casas e perto uma escola no bairro residencial de Rockaway, no Queens, 3 minutos depois de decolar do aeroporto JFK. O avião ia para Santo Domingo, capital da República Dominicana e um dos países que mais fornece migrantes para os Estados Unidos. Em Nova York, a comunidade está em frangalhos.
A meca dos dominicanos é Washington Heights, parte norte da ilha de Manhattan, que vai da rua 165 à 213. Estima-se que eles sejam entre 400.000 e 600.000 só em Nova York. Nas ruas do bairro, o inglês é um idioma alienígena – só se escuta espanhol. Lojas como Macarena e jornais locais, fazem as pessoas se sentirem em casa. Cerca de 29.000 crianças estudam nas 26 escolas da região – 89% são de famílias vindas da ilha. A falta de táxis e de redes conhecidas como Starbucks, mostra que por lá a renda é baixa.
O clima na Avenida St. Nicolas, uma das principais do bairro, parecia normal, com calçadas cheias, comércio nas ruas e música alta. Mas na Alianza Dominicana, um centro de apoio comunitário criado em 1996, na rua 180, a situação era diferente. "Cerca de 15 famílias já passaram por aqui em busca de ajuda", diz Moises Perez, diretor executivo. Ele conta que o caso que mais o abalou foi o de duas mulheres grávidas que viajavam acompanhadas de suas crianças. "Na hora de contar os mortos, contaremos os dois bebês que ainda estavam para nascer", comentou. Pelo menos 30 pessoas da equipe de quase 300 da Alianza Dominicana foram atingidas pela queda do avião. "Não há uma pessoa desta comunidade que não tenha pego este vôo para Santo Domingo. É um vôo conveniente que sai de Nova York às 9 da manhã, normalmente sem atrasos, e pousa ao meio-dia, um horário perfeito com o dia todo pela frente."
O desastre aconteceu apenas dois dias depois de os dominicanos residentes em Nova York enterrarem sua primeira vítima do atentado ao World Trade Center. Foi Alex Cordero, um rapaz de 23 anos que nasceu e cresceu na rua 164, o epicentro da violência local. "Mesmo assim, ele se formou na faculdade e conseguiu um emprego no topo do mundo", conta Perez. "Todas as pessoas daquele quarteirão foram no enterro. Somos extremamente unidos". O ataque de 11 de setembro atingiu pelo menos 50 famílias dominicanas, além de ter deixado 75 pessoas do grupo sem emprego. O diretor acredita que a maior parte dos passageiros do vôo eram seus compatriotas, pois os turistas costumam viajar direto para aeroportos locais, perto dos resorts populares do país. Além disso, este é o começo da temporada de feriados como o Natal e o Thanksgiving, o feriado mais importante nos EUA, que acontece daqui a duas semanas.
O vôo 587 levou a vida da filha do cantor Cuco Valoy, conhecido intérprete de salsa e merengue que divide a vida entre Santo Domingo e Nova York. Ainda no avião estavam o locutor de rádio Papi Lafointainne e Ivelize, de 42 anos. Mãe de dois filhos, de 11 e 7 anos, ela ia visitar o marido. No caminho do aeroporto, ligou para a mãe, avó das crianças, e disse: "Mãe, meus filhos estão em suas mãos. Cuide deles para mim", conta o cunhado José Cavaleras, que a deixou no aeroporto e ficou sabendo do desastre às 10h, pela televisão. "Ela era muito dedicada ao trabalho, num cabeleiro em Washington Heights – só pensava em sustentar os filhos." A avó recorreu à Alianza Dominicana, caiu em prantos com os dois netos ao lado. Já Lady Mota, uma menina de 18 anos, falou com o pai ontem à noite pela última vez. Efraim Mota, de 57 anos, partiu para Santo Domingo a fim de visitar o túmulo do avô de Lady. "Desde então, checo o meu celular e minha secretária eletrônica a cada minuto, mas nem sinal do meu pai", conta a moça com lágrimas nos olhos enquanto mostra a foto de um pai sorridente, de bigode e boné.
A comunidade dominicana, que começou a vir para Nova York em 1965, quando os EUA invadiram seu país, é a maior comunidade de imigrantes em solo americano. Hoje, mais do que nunca, ela espera ajuda da cidade de Nova York, a começar por voluntários para tradução. "O primeiro telefonema que recebi nesta manhã foi de um oficial de polícia", diz Perez. "Sei que poderei contar com o prefeito Rudolph Giuliani, que tem nos surpreendido positivamente nos últimos dois meses, e acredito que a própria comunidade esteja mais preparada para lidar com a tragédia, depois episódio do World Trade Center." Na tarde de segunda, o consulado dominicano organizou uma coletiva para a imprensa, tanto o chanceler Hugo Tolentino, quanto o cônsul geral Luis Perez, ainda não tinham a lista das vítimas nas mãos. Os nomes só serão revelados pela American Airlines, depois que a companhia aérea contatar todas as famílias. Mas eles também acreditam que cerca de 80% a 90% dos passageiros sejam dominicanos. Após a coletiva, eles seguiram para o aeroporto Kennedy e o hotel Ramada. Às 20h, um serviço religioso foi organizado numa igreja e, a partir de terça-feira, o Javis Center, pavilhão de congressos, estará aberto para assistir às famílias.
Mudança de rotina
Nesta segunda-feira ensolarada, porém fria, comemora-se o Dia dos Veteranos, feriado nacional no qual se homenageia os soldados de guerras passadas. A cidade se preparava para um desfile na Quinta Avenida, mas os planos mudaram. Uma nuvem de fumaça, cena familiar aos olhos dos nova-iorquinos, pode ser vista de longe. O estado é de alerta máximo, o que significa que pontes e túneis estão fechados, exceto a Brooklyn Bridge, que liga o Brooklyn ao sul da Ilha de Manhattan.
O Queens fica apenas a cinco quilômetros de distância do Aeroporto Internacional John F. Kennedy e beira a costa atlântica. Houve um atraso na decolagem do vôo, mas ainda não se sabe a razão. Segundo Eddie Niedes, que testemunhou a queda, o lado direito da nave explodiu no ar e o avião caiu, já em chamas, de bico no chão. O barulho foi esurdecedor. Um posto da Texaco foi atingido por uma parte ainda não identificada do avião e os próprios moradores da região correram para apagar o fogo. Calcula-se quatro ou cinco focos de incêndio, quatro casa foram completamente destruídas, pelo menos oito pessoas morrem em terra e algumas pessoas foram internadas com problemas de inalação de fumaça. Pelo menos 8 bombeiros e policiais além de 15 vítimas que estavam no local. Duzentos bombeiros em 44 caminhões foram enviados ao local, além de polícia, agências de investigações e ambulâncias. Até a noite de segunda, quase 200 corpos já tinham sido resgatados. A American Airlines já colocou uma linha telefônica grátis para as famílias das vítimas e o hotel Ramada, nas redondezas do aeroporto, também está acolhendo parentes – este foi o mesmo hotel que serviu de base para os familiares da tragédia do TWA 800, em julho de 1996.
O prefeito Rudy Giuliani cancelou seus compromissos de hoje e pouco depois do acidente, já sobrevoava a área da queda de helicóptero. "As informações que chegaram até nós são conflitantes, então é muito cedo para declarar qualquer coisa", disse à imprensa. A reação do prefeito ao saber do acidente, foi a mesma de vários nova-iorquinos, ainda em estado de estresse: "Meu Deus!". Todos os aeroportos da região fecharam para pouso e decolagem. A Bolsa de Valores não chegou a parar, mas às 11h fez um minuto de silêncio em homenagem às vítimas. Ainda não se sabe quantas pessoas que estavam em terra morreram ou ficaram feridas. As reuniões da ONU continuaram normalmente, mas o acesso da mídia ou de qualquer pessoa não participante dos encontros foi proibido. Vários jornalistas que vieram de fora da cidade para cobrir as reuniões, acabaram remanejados para a cobertura do desastre.
A tragédia está sendo tratada como acidente. Segundo o Pentágono, nenhum problema foi reportado antes da explosão, tampouco houveram conversas fora do comum entre o piloto e a torre de comando. Em coletiva à imprensa esta manhã, Ari Fleischer, o porta-voz da Casa Branca, declarou que o governos americano não recebeu nenhuma ameaça que possa estar relacionada com o acidente. “Deixamos os fatos falarem por si, antes de agirmos”, acrescentou. A mensagem do presidente Bush para os americanos é a mesma da semana de 11 de setembro: “não deixem de viajar”. Mesmo assim, o governo federal se colocou a disposição para a ajudar no que for preciso e está em contato com as agências responsáveis pela investigação, como o FBI, além do governo de Nova York. “Nos anos 80, um acidente similar aconteceu em Chicago com um DC-10, mas ainda é muito cedo para especular sobre a queda de hoje”, diz Lee Sander, especialista em aviação. Ele explica que uma situação como esta é bastante incomum e muito difícil de ser controlada pelo piloto por algumas razões: o avião estava lotado de combustível, a nave ainda não tinha alcançado a altitude máxima, uma parte da nave se separou do resto e o avião entrou em chamas ainda no ar. A decolagem o momento mais crítico e mais vulnerável do vôo. Neste caso, o avião não chegou a ficar 3 minutos no ar. Sander ressalta que aviões como Airbus têm um recorde bom em termos de segurança, é fabricado na França e no caso da queda em Chicago, o acidente se deu por manutenção precária.
Don Carty, presidente e CEO da American Airlines disse em entrevista coletiva que a empresa ainda não tem a resposta sobre o que aconteceu. "As notícias de hoje vem num momento difíci para o país, para o setor de aviação e para a American Airlines – estou saindo imediatamente para Nova York", disse ele, de Dallas. "Sinto pelos passageiros e tripulantes que perdemos hoje". O avião que caiu esta manhã era um Airbus 8300-600, número N 14053 e teve a última inspeção no dia 11 de novembro passado, uma outra inspeção ainda mais rigorosa no dia 3 de outubro e em 9 de dezembro de 1999 teve uma visita à base, para uma checagem geral. Outra visita como esta estava programada para julho de 2002. O motor número um, que ficava do lado esquerdo da nave tinha 694 horas de vôo depois da última checagem; o motor número 2, do lado direito, tinha 9.788. Normalmente, um motor passa por esta checagem a cada 10 mil horas de vôo. “O motor número 2, teve a última checagem há 2.887 horas atrás”, disse o porta-voz da companhia aérea. A American Airlines tem 35 naves como esta, incluindo a que se perdeu hoje. O avião foi fabricado na França e foi adiquirido pela companhia aérea novinho em folha em 12 de juho de 1988. Acredita-se que a caixa preta ainda esteja intacta.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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