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Sundance com ares hollywoodianos
17.janeiro.2002
Tania Menai, de Park City
São 8hs da manhã. Neva. O termômetro marca vários, muitos, muitíssimos graus negativos. Mas eles – os cinéfilos do mundo – estão lá, enfileirados, firmes e fortes. Batendo os dentes, com seus gorros de pom-pom, cachecóis listrados e botas de desbravadores da Antártica, eles aguardam, quietinhos, a porta do cinema se abrir. Estão ávidos para conferir a última produção daquele diretor senegalês, filmada na França com legendas em inglês. Se esta cena soa irreal, bem-vindo ao Sundance Film Festival, que até o dia 20 de janeiro está atraindo 20 mil fogosos amantes da sétima arte à bela Park City, em Utah, cidade entrelaçada por montanhas de esqui. Este ano, os locais ainda terão de reservar energia para os 45 mil visitantes que chegarão daqui a duas semanas para as Olimpídas de Inverno em Salt Lake City, a 34 quilômetros.
Esta é a vigésima edição do Sundance. Concebido pelo ator e diretor Robert Redford, ou Bob para os mais chegados, o festival é a meca das produções independentes. Aqui foram lançadas obras como “Central do Brasil”, de Walter Salles, ou o documentário americano “Hoop Dreams”. Este ano, o evento conta com 1.740 filmes e 2.100 curtas – um número menor do que o ano passado. Uma das razões, segundo o pessoal da produção, é a economia americana que vai mal das pernas. Mas nada apaga o espírito festivo do evento. Para se ter uma idéia, esta semana 1.100 voluntários voaram do mundo todo para Park City dispostos a trabalhar de graça em troca de ingressos. Eles são responsáveis pela organização dos estacionamentos, pontos de ônibus que ligam as salas de cinema, vendas de ingressos, sala de imprensa ou até mesmo lanterninhas. A organização do festival paga o alojamento de toda essa gente. E só. Catálogos ambulantes constantemente atualizados, são estes voluntários as melhores fontes de informação sobre a qualidade das produções. Os europeus avisam logo o que presta e o que não de seus países de origem. “Sabia que este filme ia ser uma droga”, disse uma senhora americana voluntária que carimbava as mãos da platéia da estréia do filme “Wisegirls”. “Saí da sala nos primeiros dez minutos de projeção”, disse ela indignada. A presença de Mira Sorvino e Mariah Carey, as estrelas do filme, não foram o suficiente para convencer nem a tal senhora, nem o resto da platéia de que o filme tivesse algo a dizer. Talvez seja esta a razão pela qual Mariah Carey usava óculos-de-sol dentro do cinema – provavelmente não queria se ver atuando. Fez bem.
Por outro lado, a latinidade de “Real women have curves” (Mulheres de verdade têm curvas) está agradando. E muito. O filme levou onze anos para sair do papel, pois nenhuma produtora queria saber de meninas latinas ou gorduchas – muito menos das duas coisas juntas, que é o tema do filme. Mas no domingo, a platéia foi ao delírio na estréia que contou com a presença da diretora e das atrizes latinamente desmanchando-se em lágrimas. Do Brasil, veio o curta “Golden Gate (Palace II)” de Fernando Meirelles (Domésticas) e Kátia Lund, sobre dois menores cariocas que descobrem que as drogas não são uma boa idéia, e o longa “O invasor” (traduzido como “The Trespasser”) de Beto Brant, o terceiro filme de uma série sobre violência e corrupção no Brasil. Os outros são “Ação entre amigos” (na mostra do Sundance de 1999) e “Os Matadores”. O filme lotou a sessão de 9.45hs da manhã de terça-feira. “O Invasor” merece atenção especial também por ter feito parte do laboratório roteiros do Instituto Sundance no ano passado.
Um dos filmes mais comentados do festival é “Pumpkin”, cuja protagonista é Christina Ricci. Prestes a completar 22 aninhos, a menina é a musa do cinema independente. Tanto que está em mais duas produções da mostra do Sundance: “The Laramie Project”, que abriu o festival, e “Miranda”. “Pumpkin é bem engraçado”, diz ela sorrindo. Mas há quem questione o humor: trata-se da história de um garoto com problemas mentais, o que para muita gente não tem graça nenhuma. Pelas calçadas de Park City, ainda esbarra-se com Jennifer Aniston, que veio promover seu filme “The Good Girl”, e John Malkovich, que dirigiu o filme “The dancer upstairs” (“Pasos de Baile”), estrelado pelo espanhol Javier Bardem, que representa um investigador peruano em meio a uma revolução.
Ser cinéfilo em Sundance é coisa séria. O papo é dominante em supermercados, salas de espera do aeroporto e transporte público, que, por sinal, é grátis. Em todas as projeções, o público recebe um papel com a numeração de 1 a 5 para votar. É preciso chegar com pelo menos 15 minutos de antecedência em cada projeção para garantir a entrada, mesmo com ingresso na mão. Isso porque a fila de espera para casos de desistência faz caracóis de deixar os parques da Disney com inveja. No lobby do hotel Shadow Ridge, sede do festival, rascunhos de roteiros ficam jogados nas mesas para quem se interessar. Um deles, em sua quinta versão, tem o título provisório de “Só vou descansar quando morrer”. Há quem pague pacotes de 3 mil dólares para ter direito a filmes e festas durante toda a semana. Caso contrário, cada filme custa 8 dólares e muita dor de cabeça para conseguir um ingresso. Festa, então, só para quem pode. “Estamos fechando a porta – só entram patrocinadores, clientes e agentes. O resto pode ir para casa”, gritava um dos patrocinadores de uma das festas fechadas que aconteceu na segunda à noite, com a presença de Dominique Swainne (Lolita), Christina Ricci e Mariah Carey. Mas ele logo ficou sem graça quando uma mulher de cabelo rosa, plantada na porta da boate, perguntou: “e os cineastas?”. Ela era Brooke Kesling, a diretora do curta “Boobie Girl”.
Dizem as boas e más línguas que, por essas e outras, o festival está deixando-se invadir por ares hollywoodianos e que algum dia, surgirá outro festival que resgate a essência dos “indies”, ou independentes, no lugar de Sundance. Mansões de Park City foram tomadas por empresas como Motorola e Chrysler para oferecer às celebridades tudo aquilo que elas não precisam. Enquanto na Casa da Motorola, Parker Posey, estrela de “Personal Velocity”, e Rosario Dawson, do filme “Love in the Time of Money” escolhiam seus novos telefones celulares, a Casa da Chrysler, que usou 18 caminhões para ser decorada para o evento, oferecia massagem e mais de 30 produtos aos famosos.
Parte do divertimento do festival é escutar os papos nas ruas. Ao serem apresentadas umas às outras, as pessoas dispensam a pergunta “aonde você mora?” e vão logo ao assunto: “você é de Nova York ou de Los Angeles?”. O resto do mundo parece não existir. Ainda escuta-se efervescentes comentários sobre Ben e Matt – leia-se, Ben Affleck e Matt Damon, que vieram para acompanhar o filme “Stolen Summer”, produzido por eles e vencedor do Project Greenlight , que a dupla criou em parceria com a Miramax e HBO para promover diretores desconhecidos. “Stolen Summer” conta a história da infância de um menino, discutindo aspectos familiares e religiosos. Criticada por seu tom bucólico, Ben Affleck defende a obra dizendo que não é apenas de cenas de sexo, drogas e álcool que vive o Sundance. Outras duas novidades fazem parte do festival de 2002: a primeira é o festival de filmes online – incluindo o filme “How big is the issue?”, que discute o tamanho “daquilo”. A segunda, é uma categoria dedicada às produções que tratam dos acontecimentos de 11 de setembro. Um deles é “We are family”, um documetário-clip de 64 minutos dirigidos pelo documentarista nova-iorquino Danny Schechter. Ele reuniu 200 atores, cantores e celebridades, incluindo Spike Lee, para regravar a música.
Sundance não seria o mesmo sem a House of Docs, um espaço para a turma do documentário trocar idéias, rodeados de sofás, almofadas, bebidas e uma área para as conferências que acontecem diariamente. Foi numa delas que anunciaram esta semana a criação de mais um canal de TV nos Estados Unidos: o Sundance Documentary Channel, ainda sem data para inauguração. O espaço ainda leva uma mostra de trabalhos de fotojornalistas como Peter Turnley, vencedor de um prêmio Pulitzer, e Dan Eldon , assassinado aos 22 anos quando trabalhava na África para a Reuters. Ainda paralelo ao festival, acontecem outros dois igualmente imperdíveis: o Slamdance e o Nodance , que no começo da semana deleitou a platéia com o filme “Lucky”. Às vezes falta um som direto daqui ou um diretor de fotografia dali – por outro lado, sobra criatividade. São filmes pra lá de independentes, de gente que está começando e faz de tudo para promover suas produções. Os próprios diretores decoram seus carros, distribuem panfletos ou desfilam pela Main Street, a rua do agito de Park City, fantasiados a la Halloween. Vale tudo. Não há dúvidas de que estes jovens diretores só descansarão quando morrerem.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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