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Mentira com longas pernas
25.maio.2003

Tania Menai

Nova York - O circuito Elizabeth Arden do jornalismo anda escorregando do salto-alto. Enquanto o episódio do jornalista-fake Jayson Blair veio à tona no New York Times, o periódico parisiense Le Monde, referência da imprensa na língua francesa desde 1944, também não tem deixado as manchetes. No dia 16 de maio, o diretor do jornal francês, Jean-Marie Colombani entrou na justiça por difamação contra os repórteres Pierre Péan e Philippe Cohen, que lavam a roupa suja do jornal em 630 páginas no recém lançado livro "La face cachée du Monde" (A face oculta do Monde). O New York Times ainda não chegou a este ponto. Até agora, o caso Blair parece não ter afetado nada muito além do ego e da vergonha dos editores envolvidos, e enaltecido a árdua profissão dos "fact-checkers" ou checadores de fatos. As ações do jornal na bolsa de valores não despencaram. Tampouco o número de assinaturas. Mas isso poderá mudar, ou não, dependendo do que Jayson Blair revelar no livro e no filme que ele está disposto a escrever.

Em matéria publicada do jornal semanal The New York Observer, o repórter e crítico de livros Joe Hagan, 32 anos, conversou com o agente literário David Vigliano, que dias após o escândalo do Times, que rendeu uma matéria de quatro páginas no próprio Times no dia 11 de maio, já escrevia uma proposta de cinco páginas para circular nas mãos de executivos de Hollywood. Depois disso, vai engatar a negociação para a publicação de um livro. Otimista, ele espera fechar um contrato em menos de duas semanas. O que tudo indica, a intenção de Blair, que é negro, é escrever sobre complexidades raciais tanto na redação do Times, quanto no mundo do trabalho em geral. Blair diz que "pretende ter a chance articular as razões que levaram a sua queda, sem se fazer de vítimas, mas escrevendo um conto que alerte outras pessoas". Caso Blair esteja disposto a revelar o lado obscuro do Times, assim como fizeram os repórteres franceses, será que há alguma maneira de o jornal nova-iorquino impedí-lo? Segundo o advogado Marcello Hallake, da Coudert Brothers de Nova York, a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos garante ao cidadão a absoluta liberdade de expressão. E isso é um ponto a favor de Blair. Não há como impedí-lo. Depois de o livro ser publicado, talvez seja o caso de entrar na justiça. Mas isso não pode acontecer antes.

O histórico de casos como este nos EUA já fizeram jornalistas-fake infinitamente mais ricos do que aqueles que permanecem honestos até o fim da carreira. Em 1981, Janet Cook do Washington Post chegou a ganhar um Prêmio Pulitzer por uma matéria inventada sobre um jovem viciado em drogas. O jornal devolveu prêmio, mas Janet embolsou 380 mil dólares vendendo os direitos de sua história para a Columbia TriStar Pictures. Michael Finkel, da revista Time, que também usou a "criatividade" para escrever sobre o perfil de um negro americano e acabou vendendo os direitos de sua memória para uma editora por 300 mil dólares. Stephen Glass, outro nome lembrado em épocas de crise como esta, mentiu descaradamente nas revistas The New Republic, Rolling Stone e Harper's. Descobertas as fraudes em 1998, ele passou anos fazendo terapia antes de lançar seu livro "The Fabulist", uma ficção baseada em sua própria tragetória. Todos estes profissionais parecem ter esquecido a primeia lição de jornalismo, que, segundo ensina Jeff Greenfield, analista da CNN é a seguinte: "se a sua mãe diz que te ama, vá correndo checar esta informação". E agora? O que resta para Jayson Blair, com suas 73 matérias do Times e seus 27 anos de álcool,drogas e mentiras? Joe Hagan, que escreve para o Observer há um ano, conversou com No Mínimo para tentar responder.


Como fazer os leitores acreditarem nas memórias de um jovem jornalista cuja reputação como escritor de não-ficção é das piores?

Em primeiro lugar, poucos livros passam sequer por uma checagem de fatos. Quando um livro é publicado, a veracidade do material depende do autor. Antes de comprar os direitos do livro, os editores literários, geralmente, fazem checagem minuciosas sobre autor ou autora e optam ou não em confiar nele ou nela, baseado em reputação. Não é claro se alguém jamais acreditará no que Blair escrever num livro, apesar de o agente dele insistir que por ele não estar reportando uma matéria jornalística, a credibilidade não entra em questão. A maioria dos editores com quem conversei disse que o histórico de Blair com a verdade é o suficiente para que eles recusem a compra dos direitos do livro. Mas isso não significa que ninguém irá comprá-lo – certamente, alguém o fará.

Se o livro for realmente publicado, o quão isso será ruim para o New York Times?

Depende do assunto sobre o qual ele escrever. Percebo que o livro irá focar mais em assuntos raciais no mundo profissional em geral, e não nas fofocas internas do New York Times. Acho que até o livro sair, muito deste burburinho já estará esquecido.

Segundo a sua matéria no Observer, Jayson disse que " quer oferecer sua experiência como uma lição", no que se trata de assuntos raciais, ambição e jovens jornalistas. Você acha que seu livro teria mais sucesso se levantar a questão social do problema, como a ação afirmativa, ou a questão jornalística do problema?

Ele disse que vai abordar o lado social do problema, o que, provavelmente, é a única maneira que ele tem de dar a história alguma credibilidade. Caso contrário, trata-se de uma história de fofocas que não encontra muitos interessados fora do mundo do jornalismo.

Será que este livro poderá torná-lo de vilão à vítima?

Isso depende totalmente de quão convincente serão seus argumentos. Acho que será muito difícil para ele convencer qualquer um que ele seja uma vítima de circunstâncias raciais. Mas alguma reabilitação de imagem poderá concertar o problema. Um profissional de uma editora chegou a sugerir que Jayson passasse um tempo trabalhando para alguma ONG.

Será que esta história daria mesmo um bom filme de Hollywood?

Não faço idéia.

Alguém já pensou em fazer uma série para a TV?

O agente me disse que Jayson esta focando num acordo com cinema. Mas acho que ele consideraria qualquer coisa caso o dinheiro for bom.

Você acha que Jayson Blair será lembrado no futuro como um jornalista que pisou na bola, como Janet Cook e Stephen Glass, ou será que ele acabará nas prateleiras como um ótimo escritor de ficção?

Apenas o tempo vai dizer. Que eu saiba, ele não tem nenhuma aspiração a escritor de ficção.

Como a redação do Observer reagiu ao saber do episódio?

Ficamos surpresos como todo mundo. Reagíamos como repórteres: "como podemos chegar no miolo desta história ?" A reportagem agressiva do meu colega Sridhar Pappu nos rendeu uma entrevista com o Blair. Eu fui direto no agente literário.

Na sua opinião, como os jornais aqui estão cobrindo o assunto?

Exageradamente.

Será que o episódio receberia tanta atenção se não tivesse acontecido no New York Times?

Não.

Você compraria o livro ou viria o filme de Jayson Blair?

Se eu não tiver que pagar por isso, claro que sim.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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