O Design do Medo
20.dezembro.2005
Tania Menai, de Nova York
20.12.2005 | Imagine alguns executivos aterrissando no aeroporto de Congonhas e saindo do avião com caixas de pizza a tiracolo. Não que uma boa pizza seja a mais indicada comida a bordo, mas as tais caixas são apenas um disfarçado porta-laptop, de papelão por fora e espuma por dentro, conhecido como PowerPizza. Criado em 2001 pela equipe inglesa de design Human Beans, é uma forma divertida de se proteger da máfia que afana computadores portáteis no aeroporto paulistano. E pode ser também uma prova de bom gosto artístico. Apetrechos como este podem ser vistos no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) na exposição SAFE: Design Takes on Risk (Seguro: o Design assume o risco).
É a maior mostra desde que o museu reabriu há um ano, após grandes reformas. “Vários estudos indicam que a segurança é o segundo item mais importante para o ser humano, perdendo apenas para as necessidades vitais, como alimentação, sono e sexo”, diz a NoMínimo a italiana Paola Antonelli, curadora do departamento de arquitetura e design do MoMA.
SAFE, em cartaz até o dia 2 de janeiro, faz os visitantes refletirem sobre seus medos, paranóias e ansiedades. E ainda questiona o quanto disso é percepção, realidade, cultura - ou as três juntas. São mais de 300 peças, que vão de coletes salva-vidas a tendas coloridas e acolchoadas para desabrigados e mendigos, e mostram o quanto a indústria da paranóia penetrou na vida moderna. Designers do mundo todo têm se desdobrado para criar artefatos que dão – ou, pelo menos, transmitem – alguma segurança e, o que é mais importante no caso da mostra, contam com um bom desenho.
“Cada cultura tem uma percepção diferente do medo”, explica Paola, que considera a idéia desta exposição algo óbvio nesses tempos de insegurança. “Começamos a trabalhar nesta exposição antes de 11 de setembro de 2001. Na época, ela tinha o nome de ‘Emergência’. Depois dos ataques, decidimos ver como os designers internacionais têm reagido aos diversos riscos que corremos – seja a violência, como no Brasil, ou catástrofes naturais”, acrescenta ela, explicando também que a mostra demorou a acontecer porque o museu operou provisoriamente no Queens durante três anos.
Coelhos de orelhas afiadíssimas
Paola dividiu a exposição por temas como armaduras, abrigos, propriedades, emergência, cotidiano e precaução. “Tivemos de selecionar 300 objetos dos 1.500 que analisamos. Foi dificílimo”, lembra.
Na sessão de armaduras, por exemplo, detalhes como protetores de ouvido para natação, capacetes de ciclismo, óculos de ski e gorros de lã que só deixam os olhos de fora fazem os visitantes se darem conta de que quase tudo que usamos e consumimos hoje têm a função de nos proteger.
Alguns artefatos podem parecer simples exercícios de loucura até entrar em linha de produção e invadir o cotidiano. Um deles, na parte de emergências, é a Earthquake Safety Table, mesa de metal, feita pelo italiano Maritino d’Esposito, da École Cantonale d’Art de Lausanne. Além de resistir a chacoalhos sísmicos, a parte de baixo da mesa dispõe de tiras que prendem objetos extremamente úteis para quem perdeu a casa e a família, mas não perdeu a nacionalidade: em meio aos escombros, basta virar a mesa de cabeça para baixo e usufruir da panela de fondue com quatro talheres, uma caixa de queijos, uma garrafa de vinho, duas de água, um kit de primeiros socorros, um relógio, um capacete, um sino típico do país e, claro, um canivete suíço.
O sucesso dessas esquisitices tem explicação. Segundo o psicólogo americano Paul Slovic, autor de “A Percepção do Risco”, o risco de assaltos, roubos ou seqüestros nas cidades violentas faz as pessoas mudar a rotina e investir cada vez mais dinheiro em segurança. Seguindo este conceito, quais seriam os atrativos para uma sociedade que, dia e noite, corre o risco de assaltos no carro, em casa, na praia ou simplesmente no meio da rua? “Para os brasileiros, recomendo as criações do alemão Matthias Megyeri da Sweet Dreams Security” - sugere diz Paola.
Especializado em proteção de propriedades e sempre preocupado com a estética, Matthias bolou arames farpados decorados com borboletas pontudas, grades com desenhos de animais (como coelhos de orelhas afiadíssimas) nas pontas, vidros estilizados para colocar em cima de muros (em vez dos habituais cacos) além do Heart to Heart Chain (correntes de ferro em forma de coração). Os mais paranóicos podem ainda plantar um pé de Securitree, uma árvore com câmeras apontadas para todas as direções. Esta é uma criação de Raúl Cardénas Osuna, da Torolab, um grupo de designers e arquitetos de Tijuana, no México.
Também pode interessar aos brasileiros a coleção inteira da Design Against Crime, uma organização da Saint Martin College of Art and Design, de Londres. Trabalhando em conjunto com a polícia local, os designers criaram bolsas como a Zip Zip, cujos inúmeros zíperes confundem qualquer ladrão. Outro modelito é a Karryfront Bag Screamer, uma bolsa vermelha e preta, com duas alças, feita para transportar laptops. Se a tal bolsa for agarrada com força por um ladrão, ela simplesmente berra em 138 decibéis. O grupo criou ainda as Stop Thief! Ply Chair, cadeiras que penduram bolsas debaixo do assento, solução para alguns restaurantes paulistanos que improvisam amarrá-las ao encosto. Alguns modelos já foram adotados no Convent Garden.
Vestido para subversão
Por razões óbvias, Israel é o país que lidera a indústria da segurança – ou seria mais adequado dizer da insegurança? Cercados de inimigos por um lado e pelo mar do outro, os israelenses poderiam arrancar risos com suas criações se não houvesse nelas algo de trágico. A Shmartaf (ou babá, em hebraico), por exemplo, é um protetor transparente com uma máscara de oxigênio que cobre a cabeça e os braços; cada bebê israelense ganha um logo ao nascer. A Shmartaf comporta uma crianças de até três anos. A transparência permite que ela veja a mãe, o que nem sempre é apropriado: na exposição, uma mãe é mostrada com uma máscara de oxigênio capaz de aterrorizar qualquer criança. Estas máscaras são doadas aos cidadãos e usadas apenas sob ordens do Ministério da Defesa.
“Cada cultura ou geração perde a inocência de uma forma diferente”, registra Paola. “Para os Estados Unidos, isso ocorreu em 11 de setembro – foi aí que os
americanos acordaram para o fato de que são não estão seguros de nada. Para o Brasil, é a violência urbana. Em alguns países, como Israel, muitas gerações nunca tiveram esta inocência”, acrescenta.
No meio da mostra, está estacionado o Nido (ninho, em italiano), um carro de design ultramoderno, desenvolvido em 2004 pela Pininfarina Company Design, da Itália. Molas colocadas na frente e atrás dos bancos amortecem o impacto de uma eventual batida. O carro tem apenas dois assentos, o que também é uma proteção contra caronas indesejadas como sogras ou crianças berrando no banco de trás.
Para aqueles que curtem paranóias hitchcocknianas, a melhor pedida é a Panoptical Bath Courtain, uma cortina de banheira feita de vinil branco. Assinada pelo catalão Martí Guixé, tem no meio um detalhe precioso: um buraco permite ver tudo o que se passa no resto banheiro, inclusive a aproximação de alguém armado com um facão.
Já a designer holandesa Cindy van der Bremen criou hijabs (lenços que cobrem a cabeça das mulheres muçulmanas) especiais para ginástica. As holandesas tinham deixado de freqüentar as academias depois que especialistas anunciaram o perigo de fazer exercícios com lenços amarrados na cabeça. O novo modelo garantiu a volta de todas às aulas.
Resultados igualmente positivos, de utilidade mais prosaica, foram obtidos na África, onde o rádio é, muitas vezes, o único meio de comunicação, mas nem todos têm acesso à eletricidade ou dinheiro para comprar pilhas. A Freeplay Foundation, uma ONG sul-africana, criou o FPR2, sistema de rádio portátil que dispensa as pilhas e tem sido usado em áreas remotas do continente como uma ótima ferramenta em casos de emergência.
Para aqueles que adoram protestar nas ruas, mas morrem de medo de apanhar da polícia, o sul-africano Ralph Borland criou o Suited for Subversion (Vestido para Subversão), uma das peças prediletas de Paola e de dos visitantes da exposição. É uma vestimenta vermelha que mais parece uma fantasia carnavalesca de miocárdio. O agitador em potencial fica protegido por uma almofada gigante com dois dispositivos essenciais: uma câmera na barriga filma a eventual brutalidade da polícia, agindo como testemunha, e um amplificador ligado coração revela ao mundo as batidas cardíacas do manifestante.
Ainda não apareceu nenhum manifestante assim paramentado pelos arredores do MoMA.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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