Todas as reportagens

Outras reportagens de: No Mínimo

- Gordos Negócios
- A vingança virtual da mulher traída
- Tom Cruise contra “South Park”
- O Design do Medo
- O prefeito é, literalmente, um garotinho
- Depois do Furacão
- As flores do bem
- A cerimônia antes da roleta
- Só o turismo salva o Pantanal
- Guia universal dos banheiros
- De volta ao topo
- Meu apê virou estúdio de TV
- Rapidinha à americana
- Elas exigem respeito
- Para Morder a Maçã
- O Rei da Sucata
- Ser Mãe é Padecer em Manhattan
- Um amanhecer para se temer
- Yes, Nós temos Mosquitos
- Um dia no metrô de NY
- Pela violência responsável na TV
- Marido e mulher numa pessoa só
- É dura essa vida de imigrante
- Mentira com longas pernas

Papai Noel responde em inglês
23.dezembro.2003

Tania Menai, de Nova York

Se Deus é brasileiro, Papai Noel é nova-iorquino. E o Pólo Norte tem endereço conhecido: rua 33 com a Oitava Avenida, em Manhattan, em frente ao Madison Square Garden. É lá que fica o correio central de Nova York, um prédio monumental, construído em 1913 e que se estende por dois quarteirões. Este é o destino de todas as cartas endereçadas ao bom velhinho. Escritas à mão por crianças de famílias humildes, só no ano passado elas contabilizaram 280 mil, vindas tanto do Bronx, do Queens ou do Brooklyn quanto da Rússia ou da Polônia. Todas elas são abertas, grampeadas aos envelopes e dividas em caixas por região de origem. Durante o mês de dezembro, elas ficam à disposição do público numa sala decorada com enfeites de Natal. Diariamente, milhares de nova-iorquinos passam por lá para ler, ao som de músicas natalinas, as pilhas de cartinhas e escolher as que receberão resposta – e o presente pedido. Os leitores são executivos, senhoras idosas, rappers, crianças bem-nutridas, técnicos de companhia telefônica, grupos de ONGs ou estudantes universitários. Ho, ho, ho. Bem-vindo à Operação Santa Claus – iniciativa que ganhou, há uma década, a sua versão brasileira.

“O número de cartas aumenta a cada ano. Estamos em meados de dezembro, já recebemos mais de 270 mil, mas elas não pararam de chegar”, diz Richie Aron, que trabalha na área de treinamento dos correios, mas há 18 anos é alocado para a Operação Santa Claus nos fins-de-ano. “Quanto pior a situação econômica nos Estados Unidos e no mundo, maior a quantidade de pedidos”. , acrescenta. O projeto nasceu há 72 anos, criado pelos próprios funcionários dos correios que não sabiam o que fazer com as cartas que pediam roupas e brinquedos. Eles acabavam comprando presentes do próprio bolso e enviando às crianças. A iniciativa tomou uma proporção tal que hoje esta é a maior operação do correio dentre todos os estados do país. Nem todas as cartas são atendidas. Depois da Operação Santa Claus, que termina sempre no dia 24 de dezembro, as que não foram escolhidas “infelizmente são recicladas”, termo que o correio usa para dizer que o destino final é de fato o lixo.
“Estão pedindo computadores e carros”

Aron lembra em especial da carta de um menino de nove anos pedindo ajuda, pois sua mãe estava com câncer. A leitora que selecionou esta carta passou o chapéu entre os colegas de seu escritório e ajudou a pagar o tratamento. A mãe faleceu e o menino, filho único, acabou sendo adotado pela leitora, que já tinha mais dois filhos. “Ela voltou ao correio para me mostrar a criança e contar a história”, diz. Num outro episódio, Aron leu uma carta de uma criança que pedia apenas uma árvore de Natal. “Aquele pedido me tocou, pois nunca tive uma árvore em casa. Sou judeu”, explica. Ao chegar em casa arrastando uma árvore, Aron contagiou sua mãe, que, como boa mãe judia, ainda saiu para comprar os enfeites natalinos. Eles fizeram questão de entregar o presente pessoalmente. Bateram na porta da casa da criança, no Queens, e apresentaram-se como “amigos do Papai Noel”. “A família ficou histérica de felicidade”, lembra. “Convidaram-nos para entrar. Eles eram tão pobres, que usavam jornal como toalha de mesa.”

Numa noite da semana passada, Hany Rachid era o leitor mais atarefado. Professor de uma escola no Queens, sua missão era selecionar 100 cartas que seriam respondidas por seus alunos. Uma vez que uma carta é escolhida, o leitor fica, então, responsável por comprar um ou mais presentes e enviá-los pelo correio. “Escolhi uma carta de família que parece ser muito pobre”, conta uma jovem com as lágrimas escorrendo pelo rosto. “Essa criança conta que adora dançar e ouvir música – ela pede apenas uma roupa ou um brinquedo, nada em particular. Muito doce.”

Mas nem todas as cartas têm esse tom singelo. “Estão pedindo aparelho de DVD e laptops. Olha só, esta carta é de um menino que quer uma Mini-Fog Machine. Não faço idéia de onde comprar isso”, disse Brian, que trabalha na área de estatísticas das Nações Unidas. Sentado no chão do correio, rodeado por mais de 30 cartas, ele conta que se impressionou com aquelas escritas por pais e mães. “São pessoas desempregadas ou que trabalham meio-expediente e não têm como comprar presentes para os filhos”, diz.

A opinião é compartilhada por uma senhora que também tinha uma pilha de cartas a serem lidas. “Vou escolher cinco delas, mas apenas aquelas que pedem brinquedos, casacos e material escolar”, disse ela. “Estou ignorando os pedidos de telefones celulares ou computadores”, afirma. “Imagine que uma menina de 13 anos está pedindo um telefone celular para falar com o namorado!” Esta também é a opinião do carpinteiro Steve Synon que tirou algumas horas do dia para ler as cartas. “Vou ajudar apenas as crianças muito carentes”, disse ele. “Estão pedindo computadores e carros. Espere aí! Estou na mesma situação!”


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar