O Rei da Sucata
21.dezembro.2004
Tania Menai, de Nova York
O israelense Hanoch Piven busca na lata de lixo a matéria-prima que o tornou um dos mais conceituados caricaturistas do mundo. De um microfone fez o nariz de Barbra Streisand, com carne moída moldou Ariel Sharon e com marshmallow fez rir de Bill Clinton.
Piedade não é com ele. “É mais fácil caricaturar personagens de quem não gostamos”, avisa o israelense Hanoch Piven, um dos ilustradores mais cobiçados da mídia impressa internacional, incluindo as revistas “Time”, “Atlantic Monthly”, “Newsweek”, “Rolling Stone”, “The New Yorker”, “The New Republic” e “Entertainment Weekly”.
Quando criança, Piven tirava professores, parentes e amigos do sério: ninguém escapava de suas caricaturas. Hoje, com 38 anos, usa a técnica da colagem para tirar a seriedade de gente muito mais graúda.
Piven fez com um microfone o nariz de Barbra Streisand. Colou pregos na eterna barba por fazer de Yasser Arafat. Moeu carne para moldar o rosto de Ariel Sharon. Recentemente, foi convidado para fazer as capas de CDs de uma coleção da gravadora BMG que reúne músicos como Elvis Presley, Toni Braxton, TLC e Carlos Santana.
De um garfo ao teclado de um computador, não há objeto que não ganhe uma segunda vida em suas mãos. “Acredito que o sucesso do meu trabalho venha do meu senso de humor e do equilíbrio no uso de cores. Isso compensa a limitação, ou falta de limite, que tenho com desenhos e traços”, diz Piven em entrevista a repórter do NoMínimo, por telefone, de sua casa em Barcelona.
Tendo a lata-de-lixo como sua maior aliada, Piven trabalha sozinho, rodeado de sucata. Escolhe a dedo os materiais que se relacionam diretamente com a personalidade da vítima caricaturada.
Os seios de Madonna são algemas. O nariz de Woody Allen é uma casca de banana. O cientista Albert Einstein ganhou cabelos e bigode de fios elétricos – e um nariz de lâmpada. A boca de Larry King é uma dentadura de brinquedo. O rosto de Príncipe Charles é tão expressivo quanto uma tábua. E os bigodes de Saddam Hussein são feitos de fósforos.
De marshmallow a chiclete
Setenta e oito destas caricaturas foram reunidas em um livro que em Israel leva seu nome e nos Estados Unidos ganhou o título “Faces”. Lá estão Prince, Michael Jackson, Bruce Springsteen, Jack Nicholson, Liz Taylor, Shirley McLaine, Shimon Peres, Lady Di, Barbara Bush, Bill Gates e até o Papa João Paulo II.
Apesar das reações positivas, o caricaturista evita encontrar seus personagens frente a frente. Banhado de elogios, até hoje só recebeu duas reclamações. Uma veio de Gene Simmons, do grupo de rock Kiss, e a outra do radialista americano Howard Stern. “Ele me chamou de patife”, conta Piven, que fez uma colagem de Stern com óculos à John Lennon e nariz de pepino.
Presidentes americanos também não escapam. Um de seus livros, “Presidents”, é dedicado exclusivamente ao assunto. “Fiz o rosto de Bill Clinton todo em marshmallow – isso lembra algo doce, macio, sintético, que pode, facilmente mudar de forma – e não tem bordas rígidas”, conta.
Já o rosto do ex-presidente Ronald Reagan é um balão a gás totalmente esticado. “Reagan carregava uma imagem artificial como borracha, além de ter uma pele esgarçada por cirurgia plástica”, explica.
George W. Bush, por sua vez, ganhou sobrancelhas feitas com a embalagem do chiclete Bazooka – detalhe que dispensa qualquer explicação. O caso de Ariel Sharon é outro: “Morte e sangue sempre fizeram parte da vida dele. Sharon sempre foi brigão”, diz Piven. “Os eventos mais recentes comprovam que ele mantém seus impulsos de guerreiro. Para mim, carne crua representa instintos selvagens típicos de animais.”
Nascido no Uruguai, Hanoch Piven mudou-se com a família para Israel quando tinha onze anos. Depois de cursar o colegial e cumprir os três anos de serviço militar obrigatório, estudou matemática e informática durante um ano. Em 1987, seguiu para Nova York, onde se graduou na School of Visual Arts.
“Nesta época, trabalhei como ilustrador para revistas esperando o telefone tocar”, lembra. Em 1994, a caricatura de Barbra Streisand lhe rendeu um prêmio da Sociedade de Ilustradores. No ano seguinte, voltou para Israel, onde viveu com a família até mudar-se para Barcelona em 2002.
“Esta é uma cidade boa de se viver. Grande o suficiente e pequena o suficiente” diz. “A primeira vez que estive aqui, me apaixonei por ela”, acrescenta Piven, que se divide entre a Catalunha, Nova York e Tel Aviv. “A maior parte do meu trabalho é feita nos Estados Unidos.”
Em busca do ícone
Piven conta que seu processo criativo baseia-se em duas linhas convergentes. “Leio o máximo sobre a pessoa em questão para pinçar a essência de sua personalidade e desenvolver alguma reação emocional sobre ela”, diz. “A emoção ajuda bastante na realização do trabalho.”
Depois, reúne fotos e vídeos da personalidade. A partir daí, desenha diversas caricaturas a lápis até chegar aos traços faciais mais marcantes. “Quando a caricatura envolve colagens, procuro captar a essência visual.”
O ícone do personagem – no caso de Einstein, por exemplo, o cabelo branco e o bigode – é o ponto final. Aí o artista “brinca” com os objetos que podem refletir a essência.
“Se durante uma criação encontrar uma lâmpada que retrate fielmente o nariz de Bob Dylan, tudo pode mudar”, afirma Piven, que não se desfaz do perfil típico do profissional de comunicação. “Sempre acabo a ilustração cinco minutos antes de o prazo estourar. Nunca antes.”
Pai de Jakub, de 11 anos, e Ana, de 5, Hanoch Piven tem paixão especial por trabalhos com crianças. Ele é autor do best-seller infantil – em Israel e nos Estados Unidos – “A Perfeita Pena Roxa”, em que o personagem principal leva o nome do filho e que acabou por virar exposição interativa no Museu de Arte de Haifa, em 2001.
Em outubro de 2005, mês do Halloween, lançará nos Estados Unidos mais um livro para a garotada: “The Scary Show of Mo and Jô”, já lançado em Israel com o título “Puff e Paff”.
“Além destes livros,tenho organizado workshops no Uruguai e na Argentina”, diz Piven. “Em Buenos Aires, trabalhei com crianças portadoras de Síndrome de Down. Foi uma experiência e tanto. Em Israel me envolvi com adolescentes problemáticos, que vieram de lares despedaçados.”
Piven avisa que, além de capas de CDs de compilações de Pink e OutKast, as novas vítimas de suas caricaturas serão as celebridades do esporte. Todas elas estarão reunidas no próximo livro.
Ainda assim, encontra tempo para corujar sobre os desenhos de Ana e das animações digitais de Jakub. “Você precisa ver os filmes feitos pelo meu filho! Veja no site.” O pequeno Jakub peixinho é.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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