Todas as reportagens

Outras reportagens de: No Mínimo

- Gordos Negócios
- A vingança virtual da mulher traída
- Tom Cruise contra “South Park”
- O Design do Medo
- O prefeito é, literalmente, um garotinho
- Depois do Furacão
- As flores do bem
- Só o turismo salva o Pantanal
- Guia universal dos banheiros
- De volta ao topo
- Meu apê virou estúdio de TV
- Rapidinha à americana
- Elas exigem respeito
- Para Morder a Maçã
- O Rei da Sucata
- Ser Mãe é Padecer em Manhattan
- Um amanhecer para se temer
- Yes, Nós temos Mosquitos
- Um dia no metrô de NY
- Pela violência responsável na TV
- Marido e mulher numa pessoa só
- É dura essa vida de imigrante
- Papai Noel responde em inglês
- Mentira com longas pernas

A cerimônia antes da roleta
02.setembro.2005

Tania Menai, de Las Vegas

02.09.2005 | Era meio-dia de sábado quando meu amigo Marcel e eu entramos na sala-de-espera. Uma atenciosa recepcionista logo nos avisou: “Se vocês quiserem horário para hoje, é possível encaixá-los entre quatro e quatro e meia da tarde. Posso marcar?” A cena poderia soar normal se estivéssemos num consultório dentário. Mas ninguém ali estava com dor de dente, obturação quebrada ou siso inflamado. Estávamos numa capela, no segundo andar do hotel e cassino Monte Carlo, em Las Vegas. E a intenção era casar – assim, em meia hora, sem testemunhas, padrinhos ou pais.

É dessa forma que acontecem algo entre 130 e 150 mil casamentos por ano na cidade mais artificial dos Estados Unidos. Este número faz de Las Vegas a indústria número um de matrimônios fast-food no mundo. E não há nada de faz-de-conta: todos os casamentos são válidos perante a lei.

Las Vegas abriga mais de 50 capelas especializadas no assunto, todas despidas de imagens ou qualquer outro símbolo religioso. Além das espalhadas pelas ruas da cidade, cada hotel tem a sua. Padres católicos não saem de suas igrejas, mas nestas capelas pode-se escolher ministros de diversas confissões religiosas e até rabinos. Agendando casórios a cada meia-hora, cada capela une cerca de oito casais por dia; nos fins-de-semana e feriados, o número pula para quinze casamentos. No Dia dos Namorados, que nos EUA é celebrado em 14 de fevereiro, o número de casórios chega a 80 por capela.

Há quem case, inclusive, num passeio de helicóptero sobre o Grand Canyon, parque nacional perto de Las Vegas. “Não temos chance de conhecer os noivos em profundidade, mas fazemos o possível para saber o mínimo sobre eles”, diz o ministro da capela do Hotel Tropicana. Ele acabava de fazer o enlace de um casal californiano que vestia um modelito havaiano para combinar com a capela de bambu, no melhor estilo um amor e uma cabana. “Agendamos tudo por telefone. Foi só chegar e casar”, conta o noivo enquanto bebe uma cerveja com a nova esposa, no bar do hotel, para comemorar o novo estado civil.

Sem sair do carro

Além de um episódio do seriado “Friends”, em que Mônica se casa com Chandler, a cantora pop Britney Spears, de 22 anos, tornou-se a noiva mais famosa no quesito enlace-relâmpago. Em janeiro deste ano, depois de passar a noite em um bar, ela apareceu às cinco e meia da manhã com um amigo de infância na Little White Chappel, uma capela literalmente branca e pequena localizada na principal avenida da cidade. Horas depois, o casamento foi anulado.

Apesar de pequena, a capela tem o teto alto o suficiente para acomodar noivos como o jogador de basquete Michael Jordan, que também juntou seus trapinhos por lá. Para os mais apressados, a capela oferece um serviço adicional: o drive-thru funciona 24 horas - ou seja, sem sair do carro, o ato matrimonial pode ser consumado mais rapidamente do que atendimento ao pedido de um BigMac Supersize, McFritas gigantes e um sundae de caramelo.

Por mais brega que seja, uma noiva que se casa nesta cidade leva algumas vantagens sobre as demais: com um casamento rápido e indolor, o risco de o noivo pensar duas vezes antes de subir ao altar (ou dar no pé) é quase nulo. A outra vantagem é que o nível de estresse se reduz drasticamente, pois sogras e mães não interferem na escolha das flores, fotógrafos, vídeos e limusines. Tudo está incluído nos pacotes oferecidos pelas capelas por preços que não pagam nem o vestido das noivas no resto do mundo.

Disfarçada de namorada-a-fim-de-casar, acompanhada por Marcel no papel de futuro marido, a repórter de NoMínimo circulou por diversas capelas da cidade para entender como funciona o esquema. “É facílimo”, explica Carlyne, que atende no número grátis 1800-488-MATE (em português, par). Depois de marcar uma visita para conhecermos a capela Graceland - não, Elvis não casou aqui, mas no Hotel Aladdin, também em Las Vegas -, ela disse que, no dia do casamento, uma limusine nos levaria da capela ao cartório (aberto diariamente de oito da manhã à meia-noite, e durante as 24 horas em feriados), como fizeram com Britney Spears.

No cartório, basta preencher uma ficha (com nome dos noivos, nome das respectivas mães, endereço e, curiosamente, estado civil), mostrar o passaporte (estrangeiros validam o casamento no consulado de seu país) e pagar 55 dólares. A limusine leva os noivos de volta à capela. “Daí, é só casar”, diz ela, pedindo os nossos nomes completos.

Capela, motel e cassino

Carlyne oferece um pacote de 214 dólares que inclui a capela, as alianças, fotografia e vídeo. Ela sugere ainda um agrado de 60 dólares para o ministro e mais 40 para o motorista da limusine. Há quem ache que menos que isso seja mais do que suficiente. Outras capelas oferecem diferentes serviços, que podem chegar a, no máximo, 1.450 dólares, incluindo complementos como diárias de hotel, jantares e garrafas de champanhe. Se algum brasileiro já casou com estes serviços? “Vários”, respondem todas as profissionais entrevistadas. Mas perguntar o nome de clientes a alguém em Las Vegas é o mesmo que perguntar aos cambistas do Maracanã.

E, assim, vivem felizes para todo o sempre – ou, pelo menos, por algum tempo – gregos, troianos, espanhóis, italianos, ingleses e até brasileiros. “Casamos gente de todas as religiões, como muçulmanos, evangélicos, hindus e judeus”, diz a administradora da Capela dos Sinos, uma casa que divide o estacionamento com nada menos que um motel cor-de-rosa. “Apenas mencionamos a palavra Deus, mas não há nada específico de cada uma dessas religiões”, explica. E comenta que, nos dias de hoje, as pessoas se casam mais de uma vez, o que justificaria a crescente demanda por casamentos rápidos e em conta. “Vários homens já casaram repetidamente nesta capela, mas eles imploram para não contarmos às suas noivas.” Ela diz que já houve casos do mesmo noivo aparecer por lá três vezes, mas garante que ainda não pensa em lançar um “cartão-fidelidade” (com a capela, é claro).

A Capela dos Sinos também aluga vestidos de noiva por 45 dólares. Basta caber em um dos quatro modelitos em lantejoulas e babados múltiplos. É curioso, no entanto, notar que a noiva que saia desta capela no sábado carregava três bolsas Louis Vuitton, que em muito ultrapassam o orçamento de seu próprio casamento. Prioridades como essa são típicas de uma cidade como Las Vegas, onde, inclusive, Elvis ainda não morreu. Há quem pague 250 dólares para contratar um cover do cantor. Distribuindo seu cartão na avenida principal, um deles diz que seus serviços incluem entrar com a noiva na capela, dar a mão aos noivos na hora dos juramentos e cantar três canções.

Na capela do Hotel MGM Grand, o maior do mundo, com mais de 5 mil quartos, a cena é algo próximo ao surreal. De razoável bom gosto, com câmeras de vídeo fixas no altar (o que elimina o trabalho do camera-man) e decorada com fotos de casamentos hollywoodianos, a capela fica num dos gigantes corredores do hotel. Tudo é mega e nada tem janelas. “É como casar no Shopping Morumbi”, comenta Marcel. Na porta, noiva, noivo e familiares aguardam a vez, enquanto o restaurante mexicano ao lado coloca uma música mariachi nas alturas. Hóspedes passam de toalha e chinelo em direção à piscina, jogadores para lá de Marrakesh dirigem-se ao cassino, seres tatuados de cima a baixo rumam para a luta de boxe no ringue do hotel. E a noiva lá.

O disfarce de noiva-apaixonada para esta reportagem ia bem (apesar da bolsa da repórter não ser Prada, Gucci ou Louis Vuitton, e, sim, de crochê colorido made in Bahia) até a hora em que uma das vendedoras de pacotes matrimoniais disse que Las Vegas é ideal para casamentos porque, depois da cerimônia, o programa ideal é ir para os cassinos. “Cassino? Se o meu marido passar a noite de núpcias apostando na máquina de jackpot, imagine o que fará – ou não fará - durante o resto da nossa vida conjugal!” - exclamei. A vendedora, assumidamente viciada em jogatina, arregalou os olhos. Marcel, que nem namorado é, engoliu seco. Saída pela direita. Hora de procurar um terapeuta de casal. De preferência, vestido de Elvis.


Sites relacionados
www.lasvegas.com/weddings/


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar