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Ataque ao bispo
06.setembro.2000

Jornal de Nova York critica igreja de Edir Macedo por vender a salvação

Tania Menai

José Oliveira chega perto do protótipo do garotão de Wall Street. Na faixa dos 30 anos, é aprumado, boa-pinta, bom de papo e tem faro para finanças. Até a hora em que começa a bradar em portunhol os ensinamentos do bispo Edir Macedo. O carioca é o pastor da pequena filial da Igreja Universal do Reino de Deus em Manhattan. Em uma noite de segunda-feira, ele assegura aos fiéis que qualquer doença desaparece se lavarem as mãos em uma certa água do Rio Jordão. O pastor ainda faz os fiéis, de origem hispânica e humildes, rasgarem roupas trazidas para o culto. Assim, garante, eles se livram de dificuldades econômicas. Depois vem a sessão de exorcismo. Por fim, o pastor passa o chapéu para o dinheiro. A igreja ocupa uma sala sem janelas no 2º andar de um prédio no bairro East Village, a poucas quadras da Street Mark's Place, rua por onde desfilam pessoas de cabelos verdes e piercings na face. Trata-se de uma das onze igrejas da seita em Nova York. As outras, espalhadas pelo Bronx, Brooklyn, Queens e Long Island, estão instaladas em prédios maiores, como antigos teatros, adquiridos nos últimos dois anos. Todas oferecem cultos três ou quatro vezes ao dia. Enquanto não muda para uma megacatedral no Bronx, em fase de construção, a sede americana da Universal Church of the Kingdom of God está instalada em um teatro no Brooklyn que dispõe de estúdio onde são gravados os comerciais para televisão. Os telespectadores são chamados a receber oferendas como sal, água e mel milagrosos. De início, não se toca no assunto "dinheiro". Ao ligar para o escritório da igreja, na Rua 23, em Manhattan, ou para o disque-grátis, o fiel ouve dos atendentes que para ir a uma igreja basta levar a fé. Já na única igreja onde se fala o português, em Newark, no Estado de Nova Jersey, reduto de brasileiros e portugueses, tudo o que se escuta é a mensagem gravada "se você está ligando, é porque está passando por dificuldades".

Com o slogan "Pare de sofrer", a seita do bispo Edir Macedo se espalha com a velocidade de um incêndio pelos Estados Unidos. Já são quarenta as igrejas existentes, 26 delas na Califórnia. Contando os pequenos núcleos de oração, o número chega a 125. A rápida difusão da seita no país virou assunto para as páginas do jornal New York Post. As reportagens descrevem os cultos como "dramas teatrais durante os quais os fiéis acreditam estar tomados por demônios que só pastores da Igreja Universal podem exorcizar". O jornal conta a história do casal Victoria e Jesus Lorenzo, de Houston, Texas, que despejou 60.000 dólares em cultos da Igreja Universal. Sem dinheiro, a pequena empresa de limpeza de escritórios que o casal tinha foi à falência. Victoria e Jesus Lorenzo já apresentaram queixa contra a igreja na promotoria do Texas. O jornal ainda lista as razões que colocam a seita sob suspeita: seu líder é muito rico, recorre a ameaças veladas para obter doações e não há registro de emprego de dinheiro em obras de caridade.

A Igreja Universal já contabiliza 15.000 seguidores nos EUA. E segue atraindo gente. Mesmo assim, o bispo Edir Macedo não constava da lista de dezenove brasileiros convidados a participar da conferência que reuniu 700 líderes religiosos do mundo inteiro na sede das Nações Unidas, na semana passada, em Nova York. A Igreja Universal também não faz parte da Assembléia Eclesiástica dos Estados Unidos, nem é afiliada à Associação Nacional dos Evangélicos (NAE) do país, instituições que congregam as igrejas reconhecidamente sérias dos EUA. "Fiquei horrorizada ao ver o anúncio deles na televisão porque eles oferecem cura em troca de dinheiro", disse uma das representantes da NAE na Califórnia.

O bispo Edir Macedo trocou o Rio de Janeiro por Nova York em 1987 para fugir das autoridades que o investigaram por causa de suspeita de falsificação de documentos e sonegação fiscal. No início, tentou fazer pregações para os americanos, mas sua conversa não os convenceu. A igreja só acertou no alvo quando mirou os hispânicos. "O segredo da seita é vender esperança aos pobres", diz o ex-pastor carioca Mário Justino, 35 anos. Justino, que vive em Nova York, foi expulso da igreja do bispo Edir Macedo por ser portador do HIV. "As quantias que os pastores exigem para assegurar que Deus atenda aos pedidos dos fiéis chegam a salários inteiros", acrescenta. Os pastores tanto podem apelar para meros 5 dólares como pedir 2.000. O dinheiro vai para o cofre de cada igreja e depois é enviado à sede no Brooklyn. Em seguida, diz, segue para países da África, para financiar a proliferação da seita pelo continente, para o Brasil ou para as empresas da Igreja Universal com sede no paraíso fiscal das Ilhas Cayman.

Quando começou a fincar os pés nos Estados Unidos, a Igreja Universal trazia pastores alocados em outros países. Foi assim que Justino chegou a Nova York, vindo de Portugal. Hoje, a seita só importa os grandes líderes e forma pastores nas comunidades. São rapazes de poucos recursos, com baixa escolaridade. Curso de teologia, nem pensar. Após três meses de treinamento em cultos, ganham o título de pastor. Os brasileiros que desembarcam nos Estados Unidos para atuar como pastores chegam apenas com o visto de turista. Meses depois, recebem o visto de religioso, o mesmo concedido a padres católicos e rabinos. Eles têm moradia paga, piso salarial de 2.400 dólares, aulas de espanhol e inglês e comissão de 5% sobre a quantia arrecadada mensalmente pela igreja sob sua responsabilidade. Ascensão e prestígio dependem do lucro que conseguem obter.

"Todos os tipos de igreja devem ser tratados com igualdade pelo Estado", explica o australiano Peter Danchin, professor de direitos humanos da Universidade de Colúmbia, em Manhattan, sobre a polêmica levantada com base nas reportagens do New York Post. Para o jornal, a Igreja Universal ilude seus freqüentadores, aproveitando sua boa-fé para arrecadar doações. Nos EUA, as autoridades só agem contra uma igreja se houver comprovação de que ela violou as leis do país – e aceitar contribuição financeira dos fiéis não agride lei alguma. Quando isso acontece, no entanto, a punição é pesada. Em 1989, Jim Bakker, pastor do canal de TV Praise The Lord, foi condenado a 45 anos de prisão – dos quais cumpriu apenas cinco – por fraudar fiéis em milhões de dólares e cometer adultério. Teve um caso com a secretária, a quem pagou 250.000 dólares para ficar calada.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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