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Corpo em evidência
20.fevereiro.2002

Exposição mostra como a moda interfere e molda a figura da mulher

Tania Menai, de Nova York

Apertar, ressaltar, espremer, estufar, esmagar – os recursos usados desde sempre para evidenciar características do corpo, especialmente o feminino, são tradicionalmente associados a algum tipo de artifício, algumas vezes doloroso. Esse impulso presente em quase todas as culturas e os objetos que se criaram em seu nome são o tema da exposição Extreme Beauty: The Body Transformed (Beleza Extrema: O Corpo Transformado), que pode ser vista até o dia 17 de março no Costume Institute, o espaço dedicado à moda instalado dentro do Metropolitan Museum, em Nova York. "A exposição revela que a busca da beleza através da moda tem constantemente um fator de exagero", diz seu curador, Harold Koda. E exagero é certamente o foco buscado nos mais de 100 modelos de roupas e acessórios dispostos em vitrines, como numa loja. Faltam explicações mais minuciosas, mas sobra impacto. Antigos ou modernos, os belos vestidos são expostos de forma a destacar os pontos em comum ao longo dos tempos. O desejo de moldar, transformar, exaltar o corpo desponta em tudo, nas golas gigantescas, nos sutiãs pontudos, nos espartilhos, nos sapatos que mais parecem obras de arte – ou instrumentos de tortura, como os minúsculos sapatinhos de seda nos quais os pés monstruosamente deformados das chinesas eram exibidos como símbolo de posição social (elas não podiam sequer andar, muito menos trabalhar na lavoura) e de apelo erótico.

Extreme Beauty parte do princípio de que as mudanças da moda acontecem por esgotamento: um certo acessório ou tendência – as armações para aumentar a largura dos quadris, por exemplo – evolui a tal ponto que "se torna insuportável e implode". Um dos exemplos mais vistosos dessa tese é o vestido do fim do século XVIII com anquinhas tão absurdamente enormes que a mulher só passava pelas portas de lado. O impulso recorrente de ressaltar os quadris femininos reaparece num espetacular vestido de tafetá preto de John Galliano para a maison Dior, em que modernidade e atemporalidade se misturam de forma exemplar. Além dos quadris, a mostra se organiza em torno de outras quatro partes da anatomia ressaltadas pela moda: pescoço e ombros, busto, cintura e pés.

Na primeira parte, ressalta-se a eterna atração dos pescoços longuíssimos, partindo do exagero maior: as argolas de metal que as mulheres da tribo padaung, de Mianmar, começam a usar aos 6 anos, e que vão aumentando em número, esticando vértebras e músculos até deixar a cabeça distante do resto do corpo. Sem chegar a deformar o corpo, mas rendidas ao encanto do efeito final, mulheres ao longo do tempo enrolam golas altas e cheias de frufrus, argolas e colares de muitas voltas no pescoço com que nasceram – evidência da prática de apelar para acessórios externos para atingir ideais de beleza que permeia toda a exposição.

No caso do busto, cintura e quadris, o limite de exaustão na evolução dos corpetes, espartilhos e armações sob a saia se deu no começo do século XX, ponto de partida para a busca de um corpo quase masculino em sua magreza e ausência de curvas. Ironicamente, observa o catálogo, a libertação da mulher de acessórios que a apertavam e restringiam acabou dificultando ainda mais a luta inglória para alcançar a perfeição: "A estrutura da roupa de baixo ajudava as mulheres a atingir o ideal de sua época de uma maneira que os modelos justos lançados por Chanel jamais conseguiram". Ou seja, removidos os truques, restou às mulheres emagrecer de verdade. Quando, de novo, o recurso atingiu seu auge, costureiros mais modernos promoveram a revalorização estilizada das características femininas, como no antológico sutiã cônico criado por Jean-Paul Gaultier para Madonna e no bustiê de Issey Miyake em formato de seios, usado por cima do vestido.

Os sapatos aparecem na mostra como "o mais persistente exemplo da imposição, pela moda, de uma forma idealizada sobre a anatomia natural" – modo elegante de dizer que as mulheres sofrem o diabo, desde sempre. Os saltos merecem espaço privilegiado, dos tamancos de madeira usados na Turquia para não molhar os pés no chão da sala de banhos ao elegante, sensual e insuportável salto agulha, passando pela plataforma – todos, mais uma vez, demonstrações da providencial intervenção dos acessórios no incansável esforço das mulheres para se adaptar aos requisitos da moda. Custa? Custa. Dói? Dói. Ah, mas como fica bonito.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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