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A beleza e a força dos latinos
15.outubro.2003

Os hispânicos tornam-se mais numerosos que os negros nos Estados Unidos e firmam-se como grande potência de mercado e de influência cultural no país

Tania Menai, de Nova York

O censo dos Estados Unidos de 2002, divulgado recentemente, mostrou em números o que os americanos já sabiam pela observação: a comunidade latina deixou de ser um nicho para se tornar parte integrante e inseparável da economia, da cultura e da composição étnica do país. Em alguns Estados, como a Califórnia e outros mais próximos da fronteira com o México, metade dos nascimentos registrados no ano passado foi em famílias hispânicas. Os descendentes de imigrantes e os que chegaram nos últimos anos já somam 39 milhões de pessoas, superando os negros e formando o maior grupo étnico dos Estados Unidos depois dos brancos. O número de mexicanos em Nova York triplicou nos últimos dez anos. Os mexicanos são 32% da população do Texas. Além de grande, a comunidade latina é a que cresce no ritmo mais rápido. No total são 13% da população americana e, segundo as pesquisas, têm duas das celebridades mais conhecidas e ricas do país, a atriz Jennifer Lopez e o pugilista Oscar de La Hoya. Eles são também as personalidades com alto poder de sedução sobre consumidores de todas as etnias e faixas de renda.

A Santiago Solutions Group, empresa sediada em São Francisco, na Califórnia, é especializada em ajudar as grandes corporações americanas a falar com as comunidades latinas. A Santiago estima o poder de compra do mercado latino em 675 bilhões de dólares neste ano – um crescimento de 11% em relação a 2002. "Os americanos de origem latina, mesmo os nascidos nos Estados Unidos, têm como característica manter o orgulho da sua origem", diz Aida Levitán, presidente da Associação das Agências de Publicidade Hispânicas (AHAA). Aida é co-presidente da Publicis Sánchez & Levitán, agência baseada em Miami que é dona das contas da Nestlé, BMW, Shell e do uísque Chivas Regal. Aida, que emigrou de Cuba aos 13 anos, diz que as corporações americanas estão atrasadas em desenvolver as competências necessárias para se comunicar com o público hispânico. Elas gastam apenas 2% do orçamento publicitário anual em propaganda dirigida ao consumidor latino. O AHAA lançou um alerta que recomenda às empresas o gasto de pelo menos 8% de seu orçamento com publicidade direcionada a esse público. O retorno é certo: o mercado latino é comprovadamente muito fiel às marcas, em contraste com o americano, que muda de companhia telefônica, de carro, de pasta dental ou de xampu como muda de roupa.

Aida Levitán sustenta que para fazer sucesso no mercado latino nos Estados Unidos é preciso respeitar as diferenças entre as inúmeras comunidades do país. "Um mexicano do Texas é muito diferente do porto-riquenho ou dominicano de Nova York, que são diferentes do cubano de Miami", lembra ela. É vital, no entanto, ter em mente também o que os grupos hispânicos compartilham entre si: eles gostam de telenovelas, têm enorme preocupação com a imagem, adoram modismos e dão muito valor à família. A grande maioria dos hispânicos é casada, segue a religião católica, e os casais separam-se bem menos que os brancos americanos. "A melhor maneira de atingir esse público é usar a língua espanhola", diz Aida, que escolheu o campeão olímpico de boxe Oscar de la Hoya, 30 anos, nascido em Los Angeles, para vender o Kerns Nectars, uma bebida de fruta para crianças e adolescentes da Nestlé. "Kerns tem alma latina, como a minha!", afirma ele no anúncio de televisão.

Outra faceta de maturidade da cultura latina nos Estados Unidos é seu apelo no exterior. O show de entrega do prêmio Grammy Latino foi televisionado para 100 países. Só nos Estados Unidos, o número de telespectadores ultrapassou 5 milhões, um aumento de mais de 1 milhão em relação ao ano passado. Os números são coerentes com o crescimento dos espaços de televisão, rádio e imprensa dedicados aos latinos, que aumentam, em média, 17% por ano. Um exemplo desse filão é o recém-lançado Voy Group, novo empreendimento de mídia do uruguaio Fernando Espuelas, 36 anos, ex-presidente da empresa de internet StarMedia, que faliu depois da explosão da bolha da internet. "A nova geração de hispanos nos EUA é um mercado quase inexplorado – a faixa etária entre 18 e 34 anos é a que mais cresce, demográfica e financeiramente, quando comparada à geração anterior", diz ele. A média de idade dessa comunidade é de 24 anos, contra 33 da população americana em geral. "Nossos produtos serão em inglês, idioma que eles dominam perfeitamente", afirma Espuelas.

Vistos pela ótica acadêmica, na qual a questão mercadológica é apenas um detalhe, os latinos nos Estados Unidos formam um grupo menos entusiasmador. A socióloga americana Nicole Marwell, Ph.D. em estudos latinos do Centro de Estudos de Etnia e Raça da Universidade Colúmbia, diz que o maior fator de crescimento da população hispânica nos Estados Unidos é ainda a imigração, que engrossa o contingente de pobres do país. Marwell concorda que o censo de 2002 foi vital para advertir os americanos de origem latina quanto à nova realidade, que tanto os favorece. "Muitos jovens hispânicos que freqüentam escolas americanas desde pequenos já perderam a fluência no espanhol, apesar de compreender bem a língua. A vantagem é que, por ter estudado nos Estados Unidos, eles são capazes de competir igualmente no mercado de trabalho e ainda têm a vantagem de falar um segundo idioma", diz a pesquisadora de Colúmbia. Quando tanto se fala em império americano e na supremacia militar e econômica dos Estados Unidos, é bom lembrar que o dominador é uma democracia racial sem igual no planeta. Apenas 13% das crianças abaixo de 15 anos de idade nos Estados Unidos são de famílias brancas.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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