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Arquitetura de grife
23.janeiro.2003

A nova loja da Prada no SoHo esbanja arte e inovação. Ah, também tem bolsas e sapatos

Tania Menai, de Nova York

Quem vê pela primeira vez fica em dúvida. É uma galeria de arte? Um boliche anabolizado? Moderníssima pista de skate? Até quem já veio com o espírito preparado tem de fazer certo esforço para não demonstrar espanto. A nova loja da Prada, a marca italiana cultuada pelos iniciados nos mistérios fashion, erguida no local onde funcionou até dois anos atrás a filial do Museu Guggenheim no SoHo, em Nova York, é de fazer cair o queixo. Com a inauguração postergada devido aos atentados de 11 de setembro, a loja, se é que se pode usar palavra tão banal num caso como esse, abriu as portas no fim do ano, numa Nova York ainda contrita – e só o tititi que provocou já valeu como uma injeção de ânimo. Ao custo de 40 milhões de dólares, a Prada do SoHo, projeto do arquiteto holandês Rem Koolhaas, vira pelo avesso tudo o que se fez até hoje em matéria de varejo, e isso num ramo em que os arroubos arquitetônicos andam cada vez mais mirabolantes. Num espaço de 2.300 metros quadrados, o cliente se assombra com a arquitetura, se encanta com a decoração, se surpreende com os efeitos high tech e, sim, até se intimida com tanta novidade. Aí, vai pôr os olhos em sapatos, bolsas e roupas. "Pelo menos 20% das pessoas que entram aqui estão mais interessadas na arquitetura", avalia o gerente, Michael Head.

A loja é cheia de sobe-e-desce, corredores, espelhos e telões. Aquilo que à primeira vista parece uma rampa de skate de madeira é na verdade a Onda, com direito a inicial em maiúscula, ponto alto do projeto de Koolhaas – percorre de ponta a ponta o centro vazado dos dois andares de um quarteirão inteiro onde está instalada a Prada. De um lado, tem degraus, onde estão expostos os sapatos: é sentar e experimentar, se tiver coragem (os preços começam ali pelos 300 dólares). De outro, a rampa desemboca em um palco, com iluminação própria. "Além de vender produtos, queremos montar aqui exposições, recitais de poesia e música, peças de teatro e todo tipo de performance", diz Head numa tarde de sábado, enquanto centenas de curiosos passeiam pela loja de olhos arregalados e exclamações em vários idiomas. O único ponto de cores fortes é a parede coberta de papel com desenho feito especialmente para a Prada por um estúdio de Nova York. O tema são plantas carnívoras – agora, porque o papel vai mudar a cada coleção.

Um elevador cilíndrico transparente, decorado com malas e bolsas Prada, faz a ligação entre os dois andares. Outros produtos são exibidos em gaiolas de vidro penduradas no teto; outros, ainda, sobre tablados de madeira em sala de piso quadriculado e teto de espelho. Em cinco dos oito provadores, o cliente, ao entrar, pisa num controle que torna opacas as portas de vidro transparente. Dentro, monitores mostram a pessoa pelas costas, visão que especialistas em elegância consideram vital, embora muitas mulheres preferissem poupar-se da experiência. Lá mesmo no provador, uma máquina parecida com um caixa eletrônico lê a etiqueta do produto, informando tamanhos, cores, materiais, número de peças no estoque e preço – este, raramente abaixo dos quatro dígitos. "Um cliente que desembolsa 2.400 dólares por um casaco quer saber o que está comprando", justifica Head.

O mérito pelo impacto da nova Prada vai, em boa parte, para Koolhaas, professor da Universidade Harvard, vencedor do prêmio Pritzker (o Nobel da arquitetura) em 2000, que nunca antes havia projetado uma loja. O resto é creditado a Miuccia Prada, neta mais nova de Mario Prada, o italiano que criou a marca, em 1913, em Milão. Miuccia assumiu os negócios da família em 1978 e, em parceria com o marido, Patrizio Bertelli, ressuscitou a grife, transformada numa lançadora de tendências e produtora de "conceitos", como se diz no mundo fashion. Miuccia, ex-comunista de carteirinha, como era quase obrigatório na Itália dos anos 70, tem aspirações intelectuais e foi influenciada pela Arte Povera, coisa que transparece tanto em suas roupas quanto em suas idéias. A nova loja pretende, como diz em puro pradês, "estudar e desenvolver o conceito e a função dos espaços para compra e comunicação de maneira inovadora". Projetos similares estão encomendados para San Francisco, Los Angeles e Tóquio.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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