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Na Cadeira de Calvin
21.maio.2005
O mineiro Francisco Costa enfrenta o
desafio: desenhar com traço próprio
uma marca que é a cara do seu criador
Tania Menai, de Nova York
Dizem que existem mineiros em todos os recantos do mundo, mas o lugar a que Francisco Costa se viu alçado, em setembro de 2003, é freqüentado por bem pouca gente. Ao final do desfile da Calvin Klein na Semana de Moda de Nova York, o caladíssimo mineiro, de quem poucos tinham ouvido falar fora do meio, subiu à passarela e recebeu os aplausos pela coleção. Não foi exatamente uma consagração, mas o simples fato de que o criador da marca não estava mais à frente dela, e que um quase-desconhecido tivesse assumido o posto, bastou para acelerar os batimentos cardíacos do público. Ex-aprendiz de Oscar de la Renta, ex-integrante da equipe de Tom Ford na Gucci, Costa trabalhava na empresa havia pouco mais de um ano, já como chefe da equipe de estilismo, mas não fazia idéia de que o patrão fosse se aposentar e nomeá-lo diretor do prêt–porter feminino, justamente a vitrine mais vistosa do conglomerado, um gigante da indústria (faturamento de 1,6 bilhão de dólares em 2003 e vendas de 3,5 bilhões no ano passado). "Calvin pôs o departamento de moda feminina inteiramente nas minhas mãos", lembra. O aprendizado teve de ser rápido. Na terceira coleção começou a receber elogios consistentes – e sentiu o poder da marca ao ressuscitar, praticamente sozinho, vibrantes tons de turquesa. A mais recente, em fevereiro passado, em que o rigor formal se concilia com toques de feminilidade, foi considerada uma das melhores da semana nova-iorquina – sobretudo por enfim se distanciar um pouco do calvin-kleinismo impregnado na grife. "Calvin Klein está vivo e criou tudo isso. A imagem ainda é dele. Mas Calvin não está mais aqui e, para valorizar seu nome, temos de evoluir. Senão, caímos na mediocridade", disse Costa a VEJA, em entrevista no seu amplo, simples e branco escritório com uma vasta mesa de tampo de vidro e alguns quadros ainda não pendurados na parede.
Costa nasceu em Guarani, interior de Minas Gerais, e morava no Rio de Janeiro quando, aos 18 anos, perdeu a mãe. "Foi aí que decidi vir para Nova York, assim, de supetão", conta. Nunca mais voltou ao Brasil, a não ser a passeio. Fez aulas no Fashion Institute of Technology, de Nova York, ganhou uma bolsa para estudar moda na Itália e aprimorou-se com mestres de primeira. "Oscar de la Renta tem uma matriz na alta-costura, de busca da perfeição, a roupa como um romance, uma forma de conquistar. Ele gosta muito de cor", relata. "Já com Tom Ford é tudo a favor da imagem, feito para a câmera." Ao chegar à Calvin Klein, Costa espantou-se com a largueza de recursos. "Foi um choque cultural", diz. "Calvin é fascinado por tecidos. Então, metros e metros eram desenvolvidos especialmente para testes e amostras."
A Calvin Klein é um fenômeno tipicamente americano: um sucesso de massas, com um "índice de reconhecimento" comparável ao de marcas icônicas como Pepsi, IBM e Nike, que consegue ter ao mesmo tempo uma imagem sofisticada. A coleção que se vê nos desfiles é pequena, enxuta, mas atrás dela vem um negócio mastodôntico. A empresa começou modestamente, em Nova York, onde Klein fundou seu negócio em 1968, com o amigo e sócio Barry Schwartz. Principiou fabricando casacos, passou para roupa esporte e, por último, roupas finas, sempre fiel a uma estética que privilegia o máximo da simplicidade: tudo despojado, cores sóbrias, pouco brilho, zero de babados e frufrus. Sem jamais pretender se equiparar à alta moda que se faz na França, ele criou a versão moderna, junto com o rival Ralph Lauren, da "moda americana" – que, uma vez abraçada pela meca do alto consumo, ganhou os mercados de todo o mundo. "Calvin colaborou para a predominância da simplicidade, da praticidade e do atemporal na moda – a camisa branca, clean, que dura vinte anos", define Costa. Bem recebida apesar do preço salgado e vendida nas principais lojas, a marca Calvin Klein deu um salto de faturamento nos anos 80, não graças a um corte inovador, mas por causa de uma imagem: Brooke Shields, 15 anos, em um imenso outdoor, vestida de camisa entreaberta e jeans e sugerindo que não existia nada "entre mim e meu Calvin". Depois vieram os rapagões com a cueca à mostra e "Calvin Klein" escrito no elástico, e assim se construiu uma marca que todo jovem tinha de ter no armário.
"Calvin praticamente inventou o conceito do branding, de interligar roupa, marca e atitude", diz Costa, que pretende "seguir com esse método", mas valorizar um pouco mais "o produto, em vez da imagem". Em 1999, com os grandes conglomerados dominando o mercado, Calvin Klein pôs a empresa à venda. Quatro anos depois fechou negócio com o grupo americano Phillips-Van Heusen, outro gigante do ramo de confecções, especializado em marcas populares. Klein dividiu 438 milhões de dólares com o sócio Schwartz, ficou com mais 1,15% de todas as vendas no mundo inteiro de produtos com seu nome durante quinze anos, mais 1 milhão de dólares por ano, durante no mínimo três e no máximo nove anos, para atuar como "consultor" do grupo. Passado um mês, Klein, que já acumulava um nutrido dossiê de envolvimento com drogas e bebidas, interrompeu um jogo de basquete em pleno Madison Square Garden, visivelmente alterado, e internou-se (de novo) em uma clínica de desintoxicação. Em março, um anúncio oficial pôs Costa na cabeceira da mesa de design e Calvin Klein afastou-se de vez. Hoje, aos 62 anos, casado duas vezes, uma filha, o estilista aposentado exerce sua opção preferencial por rapazes fortes e bronzeados no Rio de Janeiro, onde alugou apartamento em frente ao mar do Arpoador. "Ele adora mesmo o Brasil", ressalta Costa. "Não sou o responsável por isso, mas ele gosta do fato de eu ser brasileiro."
Francisco Costa comanda, da sede na esquina da Rua 39 com a Sétima Avenida, em Nova York, a divisão de prêt–a-porter feminino, a que aparece nas passarelas e revistas de moda. A divisão masculina é chefiada pelo italiano Italo Zucchelli; jeans e moda íntima são, há muito, produtos terceirizados, a cargo de outro gigante do setor, a Warnaco, que anunciou recentemente parceria com a brasileira BR Label e a abertura de uma loja Calvin Klein em São Paulo, em junho. Outras empresas cuidam de óculos, perfume e acessórios, inclusive as recém-lançadas bolsas de crocodilo, tentativa da Calvin Klein de subir um degrau em prestígio também nesse departamento. À vontade no meio, Costa admite que o mundo da moda em Nova York – ou de qualquer outro lugar – é um campo de batalha permanente. "É preciso muita perseverança e paciência. E ter sempre o pé no chão, porque há muita fofoca, muita mentira." No comando de uma equipe de seis pessoas, prepara duas coleções ("umas 150 peças") por ano e vive mergulhado em pesquisas ("Vou a lojas e fábricas, compro roupas antigas, até tecidos que me mandam de Minas servem de inspiração"). Se desenha pensando em vender? Sem dúvida. "Vender é fundamental. Não entendo o ato de criar uma peça que não se pode vestir. Moda não é arte; acho até cafona pensar assim. Moda é um negócio." Puro Calvin Klein.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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