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Lágrimas dos deuses
14.novembro.2001

Museu de Nova York celebra o eterno fascínio das pérolas na maior de todas as mostras

Tania Menai, de Nova York

No começo do século passado, quando o comércio sofisticado se instalou na parte norte da ilha de Manhattan, em Nova York, a joalheria francesa Cartier bateu à porta do milionário Morton F. Plant com a intenção de comprar sua mansão na Quinta Avenida. Morton topou: trocou sua casa por um esplendoroso colar de pérolas. O negócio atípico é um exemplo do fascínio das pérolas, símbolo milenar de pureza, perfeição e poder. Não é de hoje que as pérolas seduzem a humanidade. Brancas, negras, douradas, roxas ou rosa, elas adornaram matronas do Império Romano, foram as favoritas da aristocracia renascentista, bordaram os vestidos da rainha Elizabeth I, da Inglaterra, e ainda hoje ornamentam pescoços famosos. Uma amostra magnífica dessa trajetória pode ser vista no Museu de História Natural de Nova York, que abre as portas até abril do próximo ano à maior exposição sobre pérolas jamais realizada, com 800 objetos e quase 500 000 das cobiçadas contas nacaradas. Nela, relata-se a história das pérolas sob os ângulos da tradição, da realeza, da religião e do glamour, além de sua formação biológica. "É uma ótima combinação", diz Neil Landman, paleontólogo e curador da exposição, que passou quase quatro anos viajando pela Europa e Oriente Médio em busca de raridades.

Nascida nas entranhas de ostras e outros moluscos, a pérola é a única jóia proveniente de um animal vivo. "Quando se formam, não precisam de mais nada, nem de lapidação, nem de reparos", ensina Landman. Elas nascem da reação do molusco que vive na concha à invasão de um corpo estranho: se um minúsculo camarão, por exemplo, entrar numa ostra, será envolvido por camadas de nácar, a substância branca e brilhante que recobre o interior da concha (de onde se extrai a madrepérola), e aos poucos se forma a pérola. Apenas uma em cada 10 000 conchas produz a lágrima dos deuses, na definição romântica dos gregos antigos. Cobiçadíssimas, as pérolas foram a jóia por excelência até o século XVIII, quando as técnicas de lapidação se sofisticaram e alçaram os diamantes ao topo da escala dos objetos de desejo. A exposição do Museu de História Natural abre com uma projeção de imagens de mergulhadores em belos movimentos coreografados. No início do século XIX, todas as pérolas que adornavam roupas, móveis e objetos mundo afora eram fruto de uma rudimentar pesca submarina à base de pedras amarradas nos pés dos mergulhadores. Aí, o Japão inventou a técnica do cultivo de pérolas, e hoje só se mergulha em busca de moluscos para os criadouros. "Mas as pérolas nunca perderam a singularidade. Cada uma é formada por um organismo diferente", diz Landman.

Fazem parte da exposição o singelo colar de pérolas cultivadas que Marilyn Monroe ganhou do marido, o jogador de beisebol Joe DiMaggio, e as voltas e voltas de contas falsas que Audrey Hepburn exibiu em Bonequinha de Luxo. Também estão lá um broche de pérolas naturais alongadas na forma de crisântemo, montado em 1904 pela joalheria Tiffany, e a célebre La Peregrina, peça branca em forma de pêra, provavelmente a mais conhecida de todas as pérolas, hoje parte de um colar que fecha a exposição. Como o nome indica, já passou por muitas montagens e outro tanto de donos desde aproximadamente 1500, quando foi encontrada – em 1969, Richard Burton a deu a Elizabeth Taylor, que a usava pendurada na testa.

Além do glamour, pérolas marcam ritos de passagem. "A esfera simboliza a continuidade da vida. Em certos países, inclusive o Brasil, são presentes dados aos 15 anos, quando as meninas se tornam mulheres", diz Ronaldo Stern, responsável pela joalheria H. Stern em Nova York, lembrando uma tradição quase esquecida. No Golfo Pérsico, famílias reinantes cobriam-se com elas em cerimônias de trocas de poder; na Rússia ornamentavam botinhas de veludo calçadas em ocasiões solenes pelas damas da nobreza. Pérolas encabeçaram ainda a lista de encomendas feita pela Coroa espanhola a Cristóvão Colombo, quando ele partiu rumo ao Oriente, em 1492. O navegador nunca alcançou a Ásia, mas ancorou na fecunda Ilha de Margarita (que significa pérola), no que hoje é a Venezuela. Resultado: no século seguinte, milhões de pérolas inundaram a Europa, quase provocando a extinção de ostras na costa atlântica.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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