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Um nicho alegre
27.outubro.1999

Primeiro banco para homossexuais mostra a expansão de segmento de mercado

Tania Menai, de Nova York

Quem visita bairros de grande concentração de gays, como Chelsea, em Nova York, ou Castro, em San Francisco, pode imaginar que os Estados Unidos são o paraíso do qualquer-maneira-de-amor-vale-a-pena, despido de preconceitos. Mas pergunte a um casal de homossexuais americanos se é fácil obter empréstimos bancários para comprar uma casa em parceria. Nem de longe. É por essas e outras que Steven Dunlap inaugurou no começo do mês o Gay and Lesbian Internet Bank (G&L Bank), o primeiro banco on-line dedicado à comunidade homossexual, embora não rejeite clientes heterossexuais e pretenda atrair outras minorias, como negros e imigrantes. "Só perguntamos aos clientes sobre a renda e as burocracias corriqueiras", diz Dunlap. "Não peço certidão de casamento para casais heterossexuais", acrescenta, lembrando que quem junta as escovas de dente sem assinar papéis nos Estados Unidos também costuma levar um não. "Tampouco quero saber quem tem cabelo verde, vírus HIV ou usa piercing. Isso não é motivo para negar um empréstimo." As operações via internet, segundo ele, ajudam a dissipar constrangimentos. "A opção on-line garante o anonimato", ressalta Dunlap.

O banco previa 4.000 contas abertas nos dez primeiros dias, 12.000 no primeiro ano e 35.000 no terceiro. Exagero? "Se um dia todos os gays e lésbicas deste país ficarem verdes, teremos a sensação de que fomos invadidos por Marte", brinca Dunlap. Sem tanta contundência, várias outras empresas vêm apostando no mercado gay. Criam produtos e campanhas publicitárias dirigidos aos homossexuais e ganham uma clientela fiel. Dois terços dos homossexuais preferem o cartão Visa, por exemplo, e a marca de carro favorita das lésbicas é a japonesa Subaru. Nos últimos anos, proliferaram pesquisas sobre o potencial mercadológico e os hábitos de consumo desse contingente populacional, avaliado, na média, em cerca de 6% da população. Acredita-se que, como em geral não têm filhos, os gays dispõem de mais dinheiro para gastar. Além disso, são pessoas que, segundo as pesquisas, apresentam interesse maior por novos produtos e viajam mais do que a média.

A campanha publicitária do G&L Bank, que começará a ser veiculada em janeiro, tem o slogan "serviços bancários para qualquer estilo de vida". A sede do banco, em Pensacola, na Flórida, está mais para restaurante moderninho. Dunlap decorou o ambiente com cortinas de veludo roxo, poltronas douradas e um caixa eletrônico pintado com as cores do arco-íris, o símbolo gay. Um luxo. Mas essa é a única estrutura física do banco; o resto é virtual. Nos três primeiros anos, o G&L Bank atenderá somente ao mercado americano, como manda a lei. Depois, pretende expandir os serviços para outros países. Dunlap trabalhou durante vinte anos na área financeira e sofreu o preconceito na pele quando alguns colegas descobriram sua homossexualidade, em 1990. Ele abandonou a carreira e, três anos depois, decidiu abrir um resort gay na Flórida. Foi rejeitado por todos os bancos a que pediu empréstimo, e não por falta de crédito. Logo, constatou que a dificuldade dos gays nos bancos era nacional e crônica. Nasceu então a idéia do banco, cujo site é http://www.glbank.com/ Dos quarenta funcionários, 22 são heterossexuais e dezoito são bi, trans e homossexuais. Na manhã do terceiro dia on-line, o site já havia recebido 18 000 visitas. "A maioria das pessoas que têm comprado nossos serviços mora em cidades menores, onde o preconceito é maior", observa Dunlap.

Mercado e modismo – Serviços via internet e instituições de crédito têm público cativo entre os gays. Mas o setor mais atuante vem sendo o intermediário, agências de pesquisa de opinião que desvendam seus sonhos de consumo e fazem a ponte entre as empresas e veículos específicos, como as revistas não pornográficas dirigidas aos gays – as mais vendidas são a Out e a The Advocate, para homossexuais masculinos, e a Curve, para lésbicas. Os publicitários fazem a festa há anos com um nicho que é alvo de produtos sofisticados, como carros, perfumes, bebidas e pacotes de viagem. Os números descrevem um mercado que nenhum empresário em pleno gozo de seus instintos para o lucro desprezaria: entre as lésbicas americanas, 77% têm curso superior e 54% ocupam postos de alta responsabilidade. Segundo um estudo recente, 94% dos gays e lésbicas americanos possuem cartão de crédito. No total da população, a proporção é de 71%. O cartão mais dirigido ao público-alvo é o Rainbow Card (Cartão Arco-Iris), criado em outubro de 1995 pelo Travelers Bank, hoje parte do Citigroup. Uma parcela de todas as transações efetuadas com o cartão, cuja garota-propaganda é a tenista Martina Navratilova, lésbica assumida, vai para a Rainbow Endowment, associação dedicada às causas homossexuais. O G&L Bank oferece uma satisfação extra, ainda que desprovida de vantagens práticas, aos casais de gays: cartões de crédito com o nome dos dois parceiros.

Embora pareça um mercado infinitamente promissor, algumas empresas temem afastar seus clientes mais conservadores se investirem abertamente na parcela gay. Setorização excessiva pode ser um passo para a falência súbita. No âmbito social, os costumes são mais flexíveis. De alguns anos para cá, viceja uma espécie de modismo gay. Entre heterossexuais é sinal de civilidade e modernidade ter amigos gays. Personagens homossexuais tornaram-se presença obrigatória nos seriados de TV. Realidade e ficção se encontraram em Ellen, no qual a personagem da atriz Ellen de Generes assumiu ser lésbica. Fora da tela, ela já desfilava com sua namorada de muitos anos, a também atriz Anne Heche. Liberalidades do mundo artístico. Em Wall Street, para citar outro tipo de ambiente, as coisas não são bem assim. Não é raro que funcionários gays de grandes bancos peçam a uma amiga para gravar o recado da secretária eletrônica de casa, passando por esposa. Outros espalham fotos de filhos de amigos na mesa de trabalho. Ainda há os que contratam namoradas postiças para jantares com clientes. Já existe uma associação de profissionais gays de bancos de Nova York, com mais de 300 integrantes. Mas é uma sociedade secreta. Não se conhece nem mesmo o nome do presidente.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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